cruvinel.jpgPALESTRA - o desembargador Antônio Carlos Cruvinel defendeu as mudanças recém-implementadas no Código de Processo PenalO segundo dia do II Encontro Jurídico Regional (Enjur), promovido pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) na cidade de Passos, na sexta-feira e sábado últimos, foi aberto com a palestra do desembargador Antônio Carlos Cruvinel, tratando de “Alterações no Código de Processo Penal e Procedimentos do Tribunal do Júri”.

Ao abrir a sua exposição, o desembargador ressaltou a importância de eventos como o Enjur para a aproximação entre os magistrados da 1ª e 2ª Instância. Para ele, o juiz de 1º grau não pode ficar isolado em sua comarca sem um contato constante com os magistrados do Tribunal de Justiça. “Aquele tempo em que o juiz tomava posse no gabinete da presidência e recebia um aperto de mão do presidente do Tribunal, com votos de boa sorte em sua comarca, não existe mais. Foi assim que eu e muitos outros colegas tomamos posse, mas esse tempo já passou”, declarou Cruvinel.

Direitos e garantias

Em sua palestra, o desembargador ressaltou que as várias mudanças sofridas pelo Código de Processo Penal brasileiro foram extremamente necessárias, tendo em vista o contexto no qual ele foi elaborado. “Esse Código é de 1941, editado durante um período totalitário, de exceção e de restrição às liberdades individuais: o chamado Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas. Contudo, há quase 21 anos nós convivemos com uma nova ordem constitucional, introduzida pela Constituição de 1988, chamada por Ulysses Guimarães de Constituição Cidadã, portanto recheada de direitos e garantias. Como conciliar esse Código de Processo Penal de caráter exclusivamente punitivo e repressivo com a nova ordem constitucional?”, questionou Cruvinel.

O desembargador ressaltou que, diante de tantas mudanças políticas e sociais, o mais adequado seria editar um novo Código de Processo Penal, mas, segundo ele, é fácil entender por que isso não aconteceu. “É só tomarmos como exemplo o Código Civil, que ficou anos e anos dormitando no Congresso Nacional, até ser sancionado em 2002. Isso fatalmente é o que aconteceria com o projeto de um novo Código de Processo Penal”, criticou o magistrado.

Antônio Carlos Cruvinel explicou que as mudanças no Código tiveram como molas mestras a eficiência e o garantismo. Eficiência, na medida em que tornam mais célere a solução para quem responde a um processo criminal; garantismo, na medida em que preservam os direitos fundamentais do réu. O magistrado ponderou que, no caso de um processo criminal, o interesse do réu está sempre colocado em primeiro lugar. “Num processo criminal, não existe o interesse do Estado ou da sociedade. Ao ser instaurado o processo, o que se almeja é a rápida solução para atender o interesse do réu, que deve sempre prevalecer sobre o interesse da coletividade”, explicou o desembargador.

Papel do juiz

Cruvinel enfatizou, no entanto, que o magistrado não pode esperar que a legislação mude para decidir segundo a necessidade da sociedade do período em que vive. Citando a palestra da auditora-geral do Estado de Minas Gerais, Maria Celeste Morais Guimarães, proferida no mesmo encontro no dia anterior, o magistrado disse que “o juiz de direito tem que ser o juiz da nossa época”.

Ele afirmou que o direito nem sempre está escrito em leis e é para preencher essa lacuna que existem os magistrados. “Se a lei dissesse tudo, bastaria um técnico dizer o que a lei estabelecesse e a decisão já estaria dada. O juiz existe para dar o calor humano necessário à interpretação da norma escrita”, destacou. De acordo com o magistrado, se a aplicação do direito tivesse como base exclusivamente a lei, o Código de Processo Civil não estabeleceria que a inicial de um processo deve levar em consideração “o fundamento jurídico do pedido”, em vez de falar em “fundamento legal”.

Exposição

A palestra do desembargador Antônio Carlos Cruvinel foi marcada por uma enumeração dos principais artigos do Código de Processo Civil que passaram por modificações, acompanhada da explicação sobre cada uma das mudanças. O magistrado alertou os colegas para os procedimentos relativos à produção de provas e disse que é preciso ter muito cuidado para não tornar lícito o que é ilícito. O desembargador explicou que, se uma prova é produzida ilegalmente e o juiz autoriza a obtenção depois, tão somente para aproveitar a prova produzida, o ato do magistrado não torna a prova lícita.

O desembargador encerrou sua conferência explicando as mudanças nos procedimentos do Tribunal do Júri, especialmente quanto à formulação dos quesitos aos jurados. De acordo com Cruvinel, esse é um aspecto que sofreu importantes mudanças e é preciso analisá-lo com bastante cuidado.

O magistrado explicou que, em primeiro lugar, o juiz quesita sobre a materialidade do crime, depois sobre a autoria, para, em seguida, questionar se o júri condena ou absolve o réu. Seguem-se então, conforme o caso, os quesitos sobre causas especiais de diminuição ou de aumento de pena e as qualificadoras, que devem ser indagadas uma a uma.

Assim, o júri deve responder, por exemplo, se a vítima teve chance de defesa ou se há motivo torpe para a prática do crime. “Não há mais quesitos sobre teses absolvitórias nem sobre atenuantes genéricas ou agravantes genéricas”, explicou o desembargador. Segundo ele, cabe ao magistrado, no momento da fixação da pena, observar circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Quanto à apuração dos votos dos jurados, o magistrado explicou que, caso haja quatro votos concordantes em qualquer dos quesitos, a apuração deve ser suspensa. “Se o júri nega a autoria por quatro votos, as outras cédulas não são apuradas, para não prejudicar o sigilo da votação.”

Ainda de acordo com Cruvinel, se o júri negar a autoria do crime, os demais quesitos ficam prejudicados. “Trata-se aqui de absolvição por negação da autoria”, disse. No quesito sobre a condenação ou absolvição do réu, o desembargador explicou que não existe absolvição com apresentação de tese, ou seja, o júri não é questionado sobre o porquê de estar absolvendo o réu. “É importante que se diga que o jurado julga de acordo com sua consciência, não com o tema jurídico. Esse é o espírito da reforma”, concluiu Cruvinel.

Fonte: TJMG
Foto: Renata Mendes