Opções de privacidade

Incidente de Falsidade

05/06/2008 02h24 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

Incidente de Falsidade
PROCESSUAL
Autor: FABIO ROBERTO CARUSO DE CARVALHO

EMENTA:
Incidente de Falsidade. Veracidade extrínseca. Inexistência de vício formal e ideológico. Pedido julgado improcedente.

SENTENÇA:
INCIDENTE DE FALSIDADE

Processo nº1.842/93
Requerentes: Espólio de A. F. dos S., rep. pela
inventariante M. F. dos S. M. e
B. P. dos S.
Requerido: J. C. de S.




SENTENÇA




Vistos, etc.

Espólio de A. F. dos S., representado pela inventariante M. F. dos S. M. e B. P. dos S., já qualificada nos autos, suscitaram o presente incidente de falsidade em face de J. C. de S., alegando que o requerido ao contestar uma ação de prestação de contas cumulada com condenação à entrega do saldo devedor, apresentou cópia de um documento falso do qual os requerentes haviam lhe vendido ou cedido os direitos havidos da ação de indenização. Alegam os requerentes que, no início de 1985, em razão de terem sido vitoriosos na ação de indenização emprestado do requerido a quantia de Cr$350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil cruzeiros), que seria descontada quando do recebimento das primeiras parcelas da indenização. Ocorre que quando do pagamento o requerido exigiu dos autores que assinassem em branco uma folha de papel ofício para posterior preenchimento de documento garantidor do empréstimo. O requerido, em razão disso teria feito constar no referido documento que os autores vendiam seus direitos na ação de indenização, o que não foi o combinado, tratando-se portanto de documento falsificado ou ideologicamente inautêntico. Requereu a procedência do pedido com a declaração da falsidade documental, condenando-se o requerido nas verbas de sucumbência.
Instruem a inicial os documentos de fl.05 a 07.
O requerido contestou o pedido às fl.13, oportunidade em que, em preliminar alegou a intempestividade da propositura da ação, que não observou o prazo do artigo 390 do Código de Processo Civil. No mérito, contestou as alegações do requerente, alegando a validade do documento que refletiu o interesse das partes quando de sua formulação. Requereu a improcedência do pedido. O requerido apresentou ainda reconvenção requerendo fosse declarado válido o documento juntado aos autos.
Acompanham a contestação o documento de fl. 19.
Os requerentes apresentaram impugnação às fl.21.
O requerido apresentou às fl.36 impugnação ao benefício de assistência judiciária concedido aos requerentes, que foi instruído com os documentos de fl.8/39.
O despacho saneador foi proferido às fl.43, oportunidade em que foram rejeitadas as preliminares e extinta a reconvenção. Deferida a produção de prova pericial.
As partes apresentaram quesitos às fl.51 e 57.
O Laudo Pericial encontra-se juntado aos autos às fl.88/101, sendo que as partes manifestaram-se às fl.106 e 108.
O Assistente Técnico do réu apresentou Laudo às fl.126/134, sendo que as partes manifestaram-se às fl.139 e 140.
Deferida o pedido de depoimento pessoal do réu, ouvido às fl.206 e a produção de prova testemunhal foram ouvidas as testemunhas: L. C. G. (fl.182), I. P. (fl.202), A. G. R. (fl.203), J. F. P. (fl.207), J. L. de S. (fl.208), I. de A. P. (fl.209) e M. da C. M. de S. (fl.210).
As partes apresentaram memoriais às fl.213 e 223, oportunidade em que ratificaram suas teses iniciais.
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Recebo o feito como substituto legal do titular da Comarca de Itanhandu, que se encontra impedido em razão de ter funcionado no feito como Promotor de Justiça.
O processo teve trâmite regular, estando as partes bem representadas.
Não há nulidades ou preliminares a serem conhecidas e dirimidas. As preliminares argüidas na contestação já foram decididas pelo despacho saneador (fl.43), o qual não enfrentou recurso.
Passo à análise do mérito.
Primeiramente cumpre distinguir, quando se examina a falsidade documental, a falsidade ideológica, da falsidade material, já que cada uma possui aspectos peculiares que deverão ser analisados na sentença.
Utilizo os conceitos da doutrina do mestre Sylvio do Amaral, expostos em sua obra "Falsidade Documental", 4ª edição, editora Millennium, ano 2000, segundo o qual "a falsidade material incide sobre a integridade física do papel escrito, procurando deturpar suas características originais através de emendas ou rasuras, que substituem ou acrescentam no texto letras ou algarismos - é a modalidade de falso material consistente na alteração de documento verdadeiro. Ou pode consistir na criação, pelo agente, do documento falso, quer pela imitação de um original legítimo (tal como na produção de um diploma falso), quer pelo livre exercício da imaginação do falsário (como na produção de uma carta particular apócrifa) - e o caso será daqueles para os quais o legislador reservou, com sentido específico, o termo falsificação."
Já a falsidade ideológica, define o ilustre Professor, "caracteriza-se por versar sobre o conteúdo intelectual do documento, sem afetar sua estrutura material. Na falsificação ideológica não há rasuras, emenda, acréscimo ou subtração de letra ou algarismo. Há, apenas, uma mentira reduzida a escrito, através de documento que, sob o aspecto material, é de todo verdadeiro, isto é, realmente escrito por quem seu teor indica. No falso ideal, o agente forma um documento até então inexistente, para, através dele, fraudar a verdade. O documento assim elaborado pelo falsificador é extrinsecamente verdadeiro, pois quem o escreve é efetivamente quem aparece no texto como seu autor; o que há nele de inverídico é o conteúdo ideológico, pois seu texto é falso ou omisso em relação à realidade que devia consignar."
Em que pese as divergências doutrinárias relativas à possibilidade ou não do processamento do incidente de falsidade quando este visa a investigação da falsidade ideológica, prefiro a distinção feita pelo ilustre mestre Frederico Marques, defendida por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery em sua obra "Código de Processo Civil Comentado", editora Revista dos Tribunais, ao comentarem o tema, que viabilizam o exame em incidente do que chamam vício do documento.
Segundo defendem "se o vício é do documento, tenha ele conteúdo material ou ideológico, a doutrina admite a instauração do incidente. O vício do documento pode consistir em deturpação material ou em deturpação ideológica do documento (Frederico Marques, Instit., III, 786, p.323 e segs.). A deturpação material do documento e técnicas que provoquem deterioração do que ele contém, para que fique parcial ou totalmente alterada sua substância ou a compreensão de seu conteúdo. Deturpação ideológica do documento consiste em fazer com que originariamente sejam introduzidas "afirmações não feitas pelas partes, ou atos não presenciados pelo oficial público" (Frederico Marques, Instit., III, 786, p.324)."
Assim, admitindo que a causa de pedir se reveste na indicação de vício do documento, cabível sua análise por meio deste incidente.
O incidente visa a declaração da falsidade do documento juntado às fl.07, já que teria conteúdo diverso a vontade de declarar e a declaração.
Nesse sentido ensina Vicente Ráo em sua obra "Ato Jurídico", publicado pela editora Revista dos Tribunais, 1994, p.187, que "o conflito entre os elementos volitivos e o conteúdo da declaração não se presume, nem mesmo nos casos que sua verificação comportam. Presume-se, sim, a coincidência entre os elementos volitivos e a declaração. Mas essa presunção não é absoluta, não confere, sempre, à declaração a força irremovível de prevalecer contra aqueles elementos. De presunção relativa aqui se trata, suscetível de prova em contrário, a ser produzida por quem o conflito alega: quem alega