O direito brasileiro prevê a possibilidade de que a pessoa seja financeiramente reparada por um dano sofrido na esfera dos sentimentos. Trata-se da indenização por danos morais, que servirá para reparar a pessoa que, em razão da conduta anti-jurídica de outrem, passa por intensa dor sentimental ou é submetida a uma situação vexatória e constrangedora.

Considerando que as indenizações por danos morais passaram a ser tema frequente no Judiciário brasileiro, e tendo em vista a subjetividade do dano sofrido de forma sentimental, a doutrina jurídica e os tribunais superiores estabeleceram critérios que devem ser obedecidos na apreciação dos danos morais. Dentre eles, chegou-se ao entendimento de que a sentença condenatória deverá: servir para reparar a vítima, levando-se em conta a intensidade do dano, e para punir o ofensor, de modo a coibi-lo de cometer aquela conduta novamente. Essas duas funções foram chamadas de efeitos da sentença. O primeiro é o efeito reparatório e o segundo o punitivo.

Para que se atinja o efeito reparatório, a sentença deve ser arbitrada em valor suficiente para compensar a vítima pelo dano moral sofrido. Ele, que não pode ser tão grande, a ponto de causar seu enriquecimento, nem tão pequeno que não permita que se sinta reparado.

Para atingir o efeito punitivo, a sentença indenizatória deve ser arbitrada em valor que efetivamente sirva como punição ao agente, para que se sinta desestimulado a cometer aquele ato novamente.

Contudo é uma tarefa complicada atingir concomitantemente os dois efeitos da sentença - especialmente quando a vítima possui uma condição financeira muito inferior à condição do causador do dano.

Nesta situação, o julgador se vê em um impasse. Se a indenização for arbitrada em valor módico, a não enriquecer ilicitamente a vítima, o causador do dano, que tem condição financeira muito melhor, não sentiria a perda pecuniária, o que poderia o estimular a continuar a praticar a conduta ilícita. Por outro lado, se a condenação for alta para punir o agente, a vítima se verá ilicitamente enriquecida.

A solução encontrada por alguns magistrados seria de que, inicialmente, a indenização fosse arbitrada em valor suficiente para punir e desestimular o agente. Se aquele valor fosse alto demais, a ponto de causar o enriquecimento da vítima, somente parte da indenização seria a ela destinada, até o limite suficiente para repará-la sem enriquecê-la, e o valor remanescente seria destinado a uma instituição de caridade.

Esta condenação arbitrada em favor de uma entidade filantrópica com objetivo de atingir o efeito punitivo da sentença, quando aplicada em face de grandes empresas, tem sido chamada de danos sociais, ao argumento de que a conduta ilícita reiterada da empresa causaria danos à sociedade. Todavia, esta aplicação tem se mostrado polêmica. Com a pretensão de punir e desestimular o causador dos danos, tais condenações têm ignorado diversas disposições do Código de Processo Civil (CPC). Isto porque, ao proferir uma sentença com parte da condenação em danos morais e parte em danos sociais, o julgador estará concedendo benefício que sequer foi pedido pelo autor, proferindo, assim, uma sentença extra petita.

Além disso, o CPC veda que uma sentença confira benefícios a terceiros estranhos à lide (artigo 472), bem como determina que o juiz não pode conhecer de questões não suscitadas (artigos 2º e 128), nem condenar o réu em objeto diverso do demandado (artigo 460).

Assim, atento a estas afrontas ao CPC, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu Recurso Especial interposto por um grande banco que foi condenado por ter efetuado uma cobrança referente a um cartão de crédito não solicitado por uma cliente. A condenação recorrida determinou que o banco efetuasse o pagamento de R$ 5 mil por danos morais causados à autora e R$ 10 mil a título de danos sociais em favor de uma instituição de caridade. O STJ tomou o caso como representativo de controvérsia repetitiva e determinou a suspensão de todas as demandas em trâmite nos Juizados Especiais que, sem pedido, tenham condenado as instituições financeiras no pagamento de indenizações por danos sociais em favor de terceiros estranhos à lide.

Diante de tal contexto, num futuro próximo a comunidade jurídica terá um posicionamento do STJ sobre as condenações em danos sociais em favor de instituições de caridade. A expectativa é a de que sejam reconhecidas as sérias ofensas aos dispositivos do Código de Processo Civil, vícios estes que definitivamente não podem ser ignorados em prol de se atingir o efeito punitivo da sentença indenizatória.


Fonte: Valor Econômico