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Inelegibilidade e presunção de inocência.

05/06/2008 01h51 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

Autor: MARCO AURELIO LYRIO REIS


O princípio da presunção de inocência, também conhecido como o dogma da não culpabilidade, estabelece a inocência de todo cidadão enquanto não condenado criminalmente e com a sentença transitada em julgado.
É uma das definições basilares da Democracia e está inscrita na Constituição Federal de 1988, item LVII, Art. 5o., Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Obedecendo ao princípio, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Vê-se, pela clareza dos termos, que a condição de inocência protegida pelo princípio é a inocência penal.
Indo além, desdobrando o raciocínio na interpretação do item, pode-se afirmar que o princípio é um princípio jurídico-penal, sem qualquer ingerência quer no campo jurídico-cível, no campo administrativo ou no campo político.
Fala a Constituição em sentença penal condenatória, para que a noção de inocência não extravase para outros setores da vida do cidadão, considerando que as sentenças cíveis –aqui entendido tudo que não é criminal -, também são condenatórias.
Princípio jurídico-penal que é, não se presta a abrigar inocências outras e, assim, não pode ser invocado para acobertar idiosincrasias e para “proteger” reputações que se pretendam intocáveis.
Ninguém será considerado difamador, caluniador, ladrão, estelionatário, estuprador, traficante e etc. etc, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Diz a Constituição, no artigo 14, §3o. III, que é condição de elegibilidade, na forma da lei, o pleno exercício dos direitos políticos.
Logo, em princípio, quem está no gozo de seus direitos políticos é elegível.
Contudo, se condição inafastável para a elegibilidade, o gozo dos direitos políticos, por si só não é condição definitiva, ou seja, não garante a elegibilidade, que fica condicionada, ainda, a exigências outras, quando a Constituição fala em ”na forma da lei”.
A mudança da Lei de Inelegibilidade, pretendida pelo MOVIMENTO TIRADENTES, não quer condenar ninguém. Não pretende considerar culpado, antes do pronunciamento definitivo judicial criminal, a pessoa que tem contra si um indiciamento pela Polícia Federal em andamento ou uma ação penal.
Não.
Ela pretende, num campo onde não vige o principio da presunção de inocência, estabelecer outras condições de elegibilidade, além daquelas já previstas. E assim faz porque é esse, substancialmente, o papel das leis: regular situações de fato pré-existentes ou regular fatos futuros previsíveis.
Sem envolver pré-julgamento ou qualquer juízo de valor sobre possível conduta delituosa a lei, amplamente apoiada por disposição constitucional, afasta da disputa o pretendente a cargo público elegível que esteja sendo alvo de investigação pela Polícia Federal e já esteja indiciado ou seja réu em ação penal.
O fundamento constitucional está residente no §9o., do artigo 14, assim:
“Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
A lei é o que o Juiz diz que ela é.
E o Tribunal Superior Eleitoral, conforme o Ministro Relator Fernando Neves da Silva, no RESP 20.115, decidiu:
80054742 JCF.14 JCF.14.9 – REGISTRO DE CANDIDATO – AÇÕES CRIMINAIS – AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO – INELEGIBILIDADE – VIDA PREGRESSA – NECESSIDADE DE NORMA QUE REGULAMENTE O ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 13 DO TSE – RECURSO IMPROVIDO – 1. O art. 14, § 9º, da Constituição limita-se a ensejar que, por meio de Lei Complementar, sejam estabelecidos outros casos de inelegibilidade, além dos que ela própria previu. A impossibilidade de candidatar-se poderá decorrer da incidência da lei assim elaborada; não diretamente do Texto Constitucional. (TSE – RESPE 20115 – Rel. Min. Fernando Neves da Silva – DJU 11.09.2002).
E é aqui, no rasto do entendimento do TSE, que nós vamos agir, criando a “nossa” lei. A inelegibilidade não pode nascer, diretamente do texto constitucional e deve ser parida por lei complementar que realce a carga ética negativa da expressão vida pregressa.
Outra manifestação no mesmo sentido:
80054831 JCF.14 JCF.14.9 – INELEGIBILIDADE – VIDA PREGRESSA – CONDUTA DESABONADORA – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 14, § 9º – SÚMULA 13 DO TSE – 1. O art. 14, § 9º, da Constituição não é auto-aplicável. 2. Necessidade de Lei Complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato poderá levar à sua inelegibilidade, bem como os prazos de sua cessação.

Desse modo, negar a condição de elegibilidade a pessoas investigadas não é considerá-las culpadas, cuja competência declaratória de tal é exclusiva do universo penal e não é disso que aqui se cuida.
Na esfera administrativa e política o investigado é afastado de cargo e função enquanto perdurar o processo referente à falta que lhe é imputada. Exemplos disto tivemos nos recentes afastamentos de seus cargos e funções de um Juiz de Direito, de 02 Desembargadores do TRF 2a. Região e de um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, envolvidos na máfia dos caça-níqueis. Seu afastamento não é declaração de culpa antes da sentença condenatória crlminal, mas exigência da probidade administrativa e da moralidade no exercício da função judicante.
Resumindo: o princípio da presunção de inocência é dogma de exclusiva aplicação na área do Direito Criminal, não se estendendo para o campo do direito administrativo e ou político.
Juiz de Fora, março de 2007.
Marco Aurélio Lyrio Reis
Movimento Tiradentes