Combater a violência doméstica e familiar contra a mulher é um desafio permanente. As agressões continuam ocorrendo e se intensificaram no atual momento de pandemia do coronavírus, em que muitas pessoas ficam confinadas em suas casas.
Na Comarca de Águas Formosas, iniciativas implementadas pelo juiz Matheus Moura Matias Miranda para agilizar o fluxo de atendimento às mulheres resultaram em um crescimento expressivo dos pedidos de medidas protetivas que chegam à Vara Única.
Logo após o atendimento na delegacia, vítima de violência doméstica comparece ao fórum para ser ouvida pelo juiz Matheus Moura Matias
Conforme os dados do Sistema de Informatização dos Serviços das Comarcas (Siscom), em 2017 foram recebidos 12 pedidos de medida protetiva. Em 2018 e 2019 houve uma diminuição, registrando-se 10 e 8 pedidos, respectivamente.
Já em 2020, até agosto, foram solicitadas 43 medidas protetivas por mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Um aumento de mais de 400% em relação ao ano anterior.
Ouça o podcast com o áudio do juiz Matheus Moura Miranda:
Demandas represadas
A partir da constatação da dificuldade de acesso aos meios públicos de proteção, o magistrado, que está na comarca desde dezembro de 2019, criou um novo fluxo de atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar.
O magistrado constatou que as medidas protetivas solicitadas anteriormente estavam reprimidas e deixavam de chegar ao Poder Judiciário, embora houvesse mulheres em situação de violência necessitando de serem amparadas pela legislação em vigor.
Para aproximar os órgãos de assistência social da região e debater o tema, a comarca realizou o 1º Seminário da Rede Socioassistencial. Leia mais.
No evento e em outras discussões, foi diagnosticado que um dos fatores que contribuíam para esse represamento era a falta de atendimento especializado na Delegacia de Polícia, que exigia um novo agendamento com retorno da vítima para prestar mais esclarecimentos.
O juiz Matheus Moura concluiu que o retorno da vítima significava uma barreira muitas vezes intransponível. A sede da delegacia fica no Município de Águas Formosas e atende outras seis cidades, muitas distantes 40 ou 60km, e não há transporte público regular.
“Além da distância, exigir da vítima que retornasse à delegacia em outro momento servia de desestímulo, dadas as sabidas dificuldades simbólicas, psicológicas e emocionais envolvidas no ato de procurar ajuda. O próprio delegado informou que, nos últimos anos, muitas mulheres não retornavam na data agendada”, disse.
Novo fluxo de atendimento
Como resultado dos encontros, a Delegacia Civil de Águas Formosas editou uma portaria na qual determinou que todas as mulheres que comparecerem ao local, sob alegação de terem sofrido qualquer tipo de violência, seriam ouvidas de imediato, em espaço reservado que preservasse sua intimidade, independentemente de agendamento prévio.
Também ficou definido que todas as vítimas seriam orientadas sobre seus direitos, previstos na Lei 11.340/06 (Maria da Penha), e assinariam termo manifestando se desejavam ou não requerer medidas protetivas.
Segundo o magistrado, ficou estabelecido que, em caso de vítima com lesão corporal, o relatório médico seria aceito como elemento inicial e não seria exigida de imediato a apresentação de exame de corpo de delito para prosseguimento das instruções penais.
O Ministério Público também editou uma recomendação com o objetivo de padronizar a atuação das Polícias Civil e Militar no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
No documento, o órgão ministerial recomenda que sejam promovidas reuniões de capacitação com a chefia e os demais servidores para torná-los aptos ao atendimento humanitário e com conhecimento das peculiaridades da Lei Maria da Penha. O atendimento deverá ser realizado, preferencialmente, por pessoa do sexo feminino.
Além disso, em todos os boletins de ocorrência lavrados pela Polícia Militar relativos a violência doméstica, deverá ser consignado o interesse da vítima em obter medidas protetivas (após orientação). Cópias do boletim de ocorrência deverão ser remetidas ao Ministério Público, ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Crea) e ao Conselho Tutelar, se envolver criança ou adolescente.
Judiciário
Tanto na portaria da Polícia Civil quanto na recomendação do MP, ficou definido que, caso seja dia de expediente forense, a vítima será encaminhada ao fórum da comarca para contato direto com o magistrado logo após sua ida à delegacia.
Segundo o juiz Matheus Moura Matias, essa medida evita a necessidade de expedir mandado para intimação da vítima, trazendo maior celeridade ao processo de concessão de medidas protetivas.
Essa mudança no fluxo de atendimento é essencial em uma comarca como Águas Formosas, que tem vasta extensão territorial e conta com apenas um oficial de justiça para o cumprimento de todos os mandados de urgência e de rotina.
“Além disso, no momento do atendimento da vítima, a ela é explicado que as medidas protetivas não envolvem questões de natureza cível, de modo que lhe é facultado constituir advogado dativo para propositura de ações de natureza civil (divórcio, ações de alimentos), uma vez que não há unidade da Defensoria Pública, para que ela já saia com nome e endereço do advogado dativo”, destacou.
Aplicativo
O magistrado acrescenta que tem usado o WhatsApp como meio de comunicação entre a parte e o Poder Judiciário. “Trata-se de importante espaço de fala e de rompimento de barreiras para o acesso à Justiça, principalmente no momento de pandemia por que passamos. Ele não é utilizado para esclarecimentos de mérito acerca de eventual ação penal, nem qualquer outra finalidade a não ser deixar a vítima ciente do movimento processual, para intimações e notificações de praxe”, explica.
O juiz comenta que o WhatsApp serve também como canal de comunicação para a vítima, que não precisa comparecer ao fórum ou constituir advogado para se manifestar nos autos, podendo informar mudança de endereço ou mesmo a reconciliação com o suposto agressor. Nesse caso, antes de deliberar sobre a revogação das medidas, o juiz aciona a rede de proteção, que encaminha um técnico do Creas para conversar com a mulher.
Para acompanhar os casos de violência doméstica pela rede de proteção, foi criado um grupo de WhatsApp com representantes de cada um dos órgãos do sistema de Justiça e da rede socioassistencial. No aplicativo são enviadas informações em tempo real sobre os casos de violência doméstica, inclusive para que os órgãos se preparem para o recebimento da vítima.
Retorno
Após a adoção do novo fluxo de atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar, entre março e abril, já foram deferidas 43 medidas protetivas. Em apenas uma, em dados atualizados em agosto, houve um descumprimento, que resultou na prisão preventiva do agressor.
O magistrado comenta que, apesar da conhecida influência da pandemia no aumento da violência, na grande maioria dos casos recebidos em Águas Formosas já existia violência anterior. Apenas duas afirmaram não ter sofrido qualquer tipo de agressão antes da fase de isolamento social.
Fonte: Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom
Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG