Tribunal do Mercosul
Gilmar Mendes - A idéia foi colocar para debate a possibilidade de um tribunal, como se fosse uma evolução natural desse processo, não como uma corte arbitral permanente, mas como um tribunal permanente.
Mas isso está colocado como uma interrogação, apenas como um debate doutrinário, porque esse tema simplesmente desperta interesse no plano acadêmico, claro que no plano doutrinário e no plano jurisprudencial. A questão está posta, portanto, nesta perspectiva: acadêmica e jurisprudencial.
É necessário mudar esse modelo? Podemos avançar para um sistema próximo da corte de justiça européia? Já há ambiente para isso? São perguntas que estão sendo discutidas e por isso esse painel [no 6º Encontro de Cortes Supremas do Mercosul]. Apenas há um debate entre os membros das cortes supremas sobre essa possibilidade.
Possibilidade do fim da extradição entre países da América do Sul
Gilmar Mendes - Também foi uma proposta colocada, tendo em vista a prática, que é objeto de controvérsia, inclusive do ponto de vista da constitucionalidade. Mas o que se quis foi trazer essa discussão para o nosso âmbito. Somos tão integrados, até fisicamente, e muitas vezes acabamos tendo até arbitrariedades cometidas no âmbito das fronteiras, empurra-se alguém para o outro lado simplesmente para que ele seja preso por conta da dificuldade do processo de extradição.
Daí a idéia do mandado de captura. Na medida em que nós nos aproximamos em termos de paradigmas do Estado de direito, isso significa dizer que todos os estados do Mercosul seguem o paradigma democrático. Podemos eventualmente nos aproximar também nesta prática. Também é um tema que foi colocado em debate e o Ministério da Justiça tem todo o interesse nesta prática.
Os senhores sabem que a extradição consome uma energia muito grande. No Brasil, inclusive, é uma energia que consome do Supremo Tribunal Federal, o que é um dado específico. As pessoas ficam presas, às vezes, por dois ou três anos, e acabam cumprindo a pena aqui. Então tudo isso poderia ser simplificado se nós conseguíssemos, pelo menos nesse contexto, avançar no âmbito do mandado de captura. Mas é, de novo, uma idéia, uma concepção institucional que está sendo colocada para debate.
Mandado de captura
Gilmar Mendes - Claro que nós temos que fazer as nossas adaptações, os senhores sabem que nós somos sempre criativos, mas o ponto de inspiração é o mandado de captura europeu.
Inicialmente o mandado de captura já teria abrangência sobre os nacionais de outros países. É um dos problemas efetivos que nós temos. Em relação a brasileiros, nós poderemos ter outros problemas. Já temos problemas, por exemplo, colocados a partir do tribunal penal internacional. Já se coloca a questão de saber se nós podemos seguir essa norma em toda sua integralidade. E depois podemos discutir também modelos de persecução criminal, de modo a garantir a persecução criminal no Brasil. Em suma, o mandado de captura já teria um objeto mais amplo, porque aplicável a aos nacionais de outros países do Mercosul.
Como caminhar do debate para a prática?
Gilmar Mendes - É preciso que haja esse consenso básico entre os países, para que possamos de fato celebrar um acordo nesse sentido, para que nós tenhamos condições de fazer esse acordo, que é realmente desafiador, muda por completo a ordem jurídica. Os senhores estão percebendo, inclusive, que suscita problemas constitucionais relevantes, mas que vai precisar, sem dúvida, de aprovação do próprio Congresso Nacional. Se for o caso, de alguma modificação de tratado. Nesse contexto é que temos que olhar.
Mas precisamos começar a debater essas mudanças e é importante que o Judiciário, que é o órgão ativo nesse processo, participe dessas mudanças. Acredito que não há necessidade de mudança constitucional, mas certamente é preciso que haja aprovação no contexto do plano da lei, que poderia ser suprida pela aprovação de tratados
Funcionamento do mandado de captura
Gilmar Mendes - A idéia básica é a de, havendo um processo contra alguém em algum país e uma ordem judicial de prisão, que se efetive essa prisão em outro país e que essa pessoa seja entregue.
Diferenças entre mandado de captura e extradição
Gilmar Mendes - A extradição, na realidade, é um processo bastante formal, bastante solene, inclusive com contraditório mínimo, que exige a prisão, a oitiva, a regularidade desse processo todo. Nós fazemos aqui uma aferição, inclusive, sobre a existência do crime lá e cá, se não há prescrição. Em suma, é um processo muito mais foral.
Eu não tenho a média, mas eu diria que dificilmente uma extradição se consume antes de três anos. Esse mandado de captura é claro que teria de passar por atendimento de requisitos de formalidade, mas ele seria muito mais expedito, muito mais no sentido de uma integração territorial efetiva do que acontece num modelo de extradição, que pressupõe ainda a idéia tradicional de soberania, aquele modelo de cooperação tradicional entre os estados soberanos.
Seria o fim da extradição no Mercosul?
Gilmar Mendes - Também nós teríamos de examinar se esse modelo acabaria por absorver por completo ou se haveria ainda remanescente para a extradição. Estamos todos fazendo um aprendizado institucional, por isso que a gente colocou esse painel.
A atividade é direta dos próprios juízes, a questão seria muito mais técnica. É claro, a extradição tem esse padrão.
Como garantir a ampla defesa num processo menos burocratizado?
Gilmar Mendes - Parte-se da idéia de que uma ordem de prisão dada por um juiz de um pais já pressupõe o atendimento dessas regras básicas. Em relação à própria ordem de prisão, não se discute o direito ao contraditório e à ampla defesa; fará a defesa no país do qual emanou essa ordem.
Cassação do governador Cássio Cunha Lima, da Paraíba
Gilmar Mendes - [Quando o caso chegar ao STF] terá toda a celeridade que esses temas merecem. Isso nem saiu do TSE. Os senhores mesmo já informam que isso foi decidido ontem à noite [pelo TSE]. Certamente não foi ainda publicada a decisão. Então não houve ainda recurso.
Infidelidade partidária e cassação de mandato eletivo: até que ponto o cumprimento da decisão pode ser protelado?
Gilmar Mendes - Eu tenho a impressão que as questões são um pouco diferentes. Essa decisão do TSE quanto a deputado é a primeira decisão que se toma nesse processo de infidelidade partidária. Daí toda essa delicadeza, toda essa perplexidade. Estou informado que o agravo de instrumento ou os agravos de instrumento interpostos no TSE já chegaram ao Tribunal [o STF], estão sendo processados e distribuídos. E nós vamos ter o encaminhamento devido dessa questão.
Este outro tema [cassação do governador Cássio Cunha Lima] já é uma matéria de competência comum do TSE, de modo que certamente poderá caber recurso extraordinário, virá para o Tribunal [o STF], mas é uma outra rotina.
Medida Provisória (decisão do presidente do Senado sobre MP das entidades filantrópicas)
Gilmar Mendes - Os senhores vão me poupar de responder a isso, até porque pode haver uma judicialização contra esse ato do presidente do Senado. Os senhores sabem que há uma crise desse modelo de medida provisória, eu tenho falado sobre isso e até tenho apontado a exaustão desse modelo. Eu falo com toda a sinceridade, fui assessor de governo, advogado-geral da União, de certa forma era um pouco apontado por aí como o responsável pela edição de todas as medidas provisórias. Trabalhei no modelo da Emenda [Constitucional] 32, esse que reviu o modelo das medidas provisórias. Na época, me lembro que falei com o [então] senador José Fogaça, que batia muito nessa fórmula do trancamento de pauta. Eu dizia, se nós continuarmos com esse modelo, de um número excessivo de Medidas Provisórias combinado com trancamento de pautas – até essa imagem os senhores já usaram na mídia –, nós vamos ter um tipo de roleta russa com todas as balas no revólver. Você pára o Congresso toda hora. E é o que está acontecendo. Tanto é que o Congresso, agora, diz que só decide dentro daquelas janelas deixadas pelas MPs. Portanto, ele foi expropriado do seu direito de agenda. É isso que aconteceu. E por isso o Congresso começa a buscar alternativas. Se essa alternativa é correta ou se não é, isto o tempo dirá.
Nova proposta de indiciamento de Daniel Dantas confronta com os dois habeas corpus concedidos pelo STF?
Gilmar Mendes - O Habeas Corpus aqui só discutiu prisão provisória e prisão preventiva. Investigação, denúncia, isso é coisa da primeira instância mesmo. Aqui só se discutiu se havia pressupostos ou não para a prisão provisória. Há um erro muito elementar que até experts fazem – vocês fazem também – mas os experts em geral, às vezes os procuradores, de confundir os pressupostos da prisão preventiva, da prisão provisória, da prisão cautelar em geral, com os pressupostos para oferecimento da denúncia. Significa dizer, se há ou não a prática em tese do delito. Se há ou não a prática do delito, isso justifica o oferecimento da denúncia. Agora, se a pessoa pode fugir, se pode de fato evadir-se, se pode consumir provas, etc, podem estar ou não presentes os pressupostos da prisão provisória. São coisas totalmente diferentes. Vejam se vocês ajudam os procuradores, inclusive, a entenderem isso.
Medidas provisórias – sugestão para conter abusos
Gilmar Mendes - Eu tenho a impressão de que se tem que encontrar um modelo. Veja, o STF tem respondido a essas questões dizendo que não se deve usar MP sobre crédito extraordinário para situações banais. Essa é uma prática corrente.
Temos já dois pronunciamentos claros do STF nesse sentido, ainda que por uma maioria lá não muito expressiva – 6 a 4, 7 a 3. Então o Tribunal tem contribuído para uma reflexão sobre isso.
O Congresso Nacional está nessa situação de letargia, de inércia, um pouco por conta deste modelo de funcionamento das MPs. Por outro lado, os senhores sabem também que não se pode dispensar as MPs.
Por exemplo, neste quadro agora, de crise, em que adentramos, o mundo todo, as MPs se revelam indispensáveis, para que tenhamos um instrumento expedito. Então, nós precisamos encontrar um justo equilíbrio aqui. De um lado, permitir que o Congresso delibere projetos de lei – talvez o governo devesse mandar mais projetos de lei, e trabalhar neles, e não mandar tantas MPs. Deixar as MPs, realmente, para situações de urgência e de emergência. Acho que aqui poder-se-ia trabalhar em um modelo de equilíbrio.
Na Câmara – eu até já participei de uma discussão na Câmara –, há um projeto de Emenda Constitucional tentando mudar esse modelo do trancamento de pauta.
Eu cheguei a aventar, numa discussão na Câmara, que talvez devesse haver um limite numérico de MPs – o presidente só pode editar número “x” de MPs. Não sei se essa idéia seria a melhor. E, para extravasar esse limite, precisaria de uma justificativa adicional, especial. Em suma, a gente consegue imaginar saídas. O que se sabe é um pouco aquele lema modernista: a gente não sabe o que quer, mas sabe o que não quer. O que não se quer é esse modelo que está aí, que está levando a esses impasses sucessivos.
Julgamento de Paulo Medina – já foram dois dias de julgamento, mas ainda não se entrou efetivamente no mérito, só nas preliminares, na defesa. Existe um excesso de cautela nesse caso, por ele ser ministro do STJ?
Gilmar Mendes - Não. É assim que o Tribunal trata processo penal. Se os senhores olharem os habeas corpus que são discutidos aqui, [vão perceber] o cuidado que nós temos ao tratar desses processos. Os senhores tiveram oportunidade de acompanhar o julgamento. O STF tem uma importância muito grande porque ele decide o caso, principalmente em uma matéria como essa, de direitos fundamentais, mas a sua decisão se projeta para além do caso. As pessoas começam a citar frações da ementa, pedaços da ementa, para dizer que o Tribunal decidiu desta ou daquela maneira. Por isso que nós temos que ter muito cuidado. Formulamos nossos votos e fazemos aquilo que na linguagem técnica se chama “obter dictum”, coisa dita de passagem, para deixar claro o que nós pensamos sobre isso, para não fazermos autorizações indevidas, que depois podem dar ensejo a práticas arbitrárias.
E eu até disse ontem uma coisa, sobre a qual venho refletindo: um Tribunal como este é muito importante pelo que ele faz, em termos de realização de direitos. Mas ele é muito mais importante pelo que ele evita que se faça. Significa dizer: pelo tipo de pedagogia que ele introduz, e evita que agentes policiais, procuradores, juízes e delegados perpetrem arbitrariedades. Por isso que nós temos que ter cuidado quando temos um julgamento como esse.
Infidelidade partidária – discussão de PEC no Congresso
Eles discutem se vão fazer por projeto, por PEC, temendo que o Supremo já se pronuncie com uma ação de inconstitucionalidade a respeito disso. O senhor acha que isso pode causar um choque?
Gilmar Mendes - Não. Temos o melhor entendimento com o Congresso. Vamos encerrar esse capítulo de infidelidade partidária. Os senhores sabem, eu acho que nós acertamos em cheio quando decidimos essa questão da fidelidade partidária. Talvez esteja entre as dez, entre as cinco decisões mais importantes desses últimos vinte anos, essa decisão sobre a fidelidade partidária. E quanto mais há controvérsia sobre isso, mais cresce a minha convicção de que nós acertamos.
Agora, se o Congresso vai fazer uma nova disciplina sobre o tema, certamente poderá haver impugnação perante o STF. E, havendo impugnação, o Tribunal vai se pronunciar com a serenidade devida.
Fonte: STF