O que era para ser um furo de reportagem da revista IstoÉ sobre corrupção no Judiciário se transformou numa condenação de R$ 40 mil por danos morais. A revista foi condenada a pagar a quantia para os ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, por publicar reportagem em que os dois são acusados de vender decisão judicial.
A indenização foi fixada pelo juiz Fabrício Fontoura Bezerra, da 10ª Vara Cível de Brasília (clique aqui para ler a decisão). Ainda cabe recurso. Medina, atualmente, está afastado do STJ e responde a processo no Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva e prevaricação.
A reportagem da IstoÉ foi assinada pelos jornalistas Carlos Hugo Studart e Rudolfo Lago, teve como título O esquema de Bertholdo e foi publicada no dia 19 de junho de 2006. O texto conta que o advogado Roberto Bertholdo, preso no Paraná por tráfico de influência, subornou o ministro, hoje aposentado, do STJ Vicente Leal para reverter um caso em favor de seu cliente. A reportagem também afirma que os ministros Gallotti e Medina foram denunciados por venda de sentenças. No entanto, a denúncia contra os ministros nunca existiu.
De acordo com a revista, o cliente de Bertholdo era o empresário paranaense Tony Garcia que, para se candidatar a um cargo político, precisava de um Habeas Corpus para trancar um processo no qual era acusado de crime contra o sistema financeiro. O advogado teria feito seu cliente acreditar que teria de pagar R$ 600 mil para que Vicente Leal concedesse a liminar (HC 23.464/PR).
O caso veio à tona depois de Bertholdo brigar com seu sócio, Sérgio Costa Filho, que resolveu se vingar do ex-amigo contando ao Ministério Público suas atividades ilícitas. Segundo Costa Filho, o filho do ministro Felix Fischer, Octavio Campos Fischer, era o responsável por intermediar a venda de sentenças dos ministros do STJ com Bertholdo.
Depois que a reportagem foi publicada, os três ministros — Gallotti, Medina e Fischer — e o advogado Octavio Fischer negaram as acusações e recorreram ao Judiciário para pedir indenização por danos morais. Alegaram que a reportagem tinha cunho sensacionalista, típico de imprensa marrom.
Acrescentaram que, se os jornalistas tivessem procurado os ministros, saberiam que a decisão do processo indicado no texto foi totalmente desfavorável ao cliente de Bertholdo. Questionaram também a verdadeira motivação da reportagem, além de sustentarem que nunca tiveram nenhum grau de amizade com Bertholdo, o advogado preso.
Felix Fischer ressaltou que seu filho é advogado tributarista, não atua diretamente no STJ e nem freqüenta o tribunal.
Em sua defesa, os jornalistas alegaram que descreveram apenas os fatos narrados pelo advogado Sérgio Costa Filho na denúncia do MP e que os ministros são citados em vários diálogos interceptados a pedido dos promotores. “A reportagem relata apenas fatos, não havendo abuso na matéria jornalística de interesse público, nem dolo ou culpa da revista nas reportagens, já que o texto não adentrou na seara da vida pessoal dos autores.”
Ofendidos ressarcidos
O juiz Fabrício Fontoura Bezerra acolheu apenas os pedidos dos ministros Medina e Gallotti. Sobre o ministro Fischer, considerou que não há menção de seu nome na reportagem, “salvo o fato de que seu filho foi citado por Sérgio Costa Filho”. O pedido de indenização contra o filho de Fischer também foi negado porque, segundo o juiz, Octávio Fischer, além de não ter poder de decisão, não é ministro nem juiz da ação envolvendo Bertholdo. Não estaria, portanto, envolvido no caso. Vicente Leal, o outro ministro acusado por Bertholdo, que se aposentou logo depois das acusações, não era parte na ação.
O juiz Bezerra considerou que apenas Paulo Gallotti e Paulo Medina sofreram danos morais com a reportagem. Para o juiz, o dano moral — diferentemente do dano material, não é destinado só à recomposição do patrimônio do ofendido, mas às aflições da alma humana provocadas por lesões íntimas.
Bezerra afirmou que não tem dúvida de que a reportagem teve grande repercussão na vida dos autores, “juízes de carreira, que galgaram por merecimento, o cargo de ministro de tribunal superior”. Por isso, fixou a indenização em R$ 20 mil para cada um dos ministros.
O juiz negou também o pedido para que a decisão fosse publicada na revista IstoÉ, além de tirar do pólo passivo da ação o editor geral, Domingo Alzugaray. Ressaltou que o artigo 49 da Lei de imprensa 5.250/67 exclui a responsabilidade do editor chefe ou diretor geral pela revista, salvo se tivesse assinado também o texto ofensivo.
A defesa da IstoÉ, representada pela advogada Lucimara Ferro Melhardo, informou à revista Consultor Jurídico que entrou com apelação no dia 26 de novembro, coincidentemente na data em que o Supremo recebeu denúncia contra Paulo Medina.
Ela afirmou que não tem a informação se alguns dos ministros recorreram da decisão. Afirmou que depois da fase de apelação e contra-razões, o processo pode subir para segunda instância.
Sob suspeita
Não é a única vez que Paulo Medina viu seu nome envolvido em escândalos de corrupção no Judiciário. Medina responde a Ação Penal no Supremo por corrupção passiva e prevaricação no STF.
Ele é acusado de negociar, por intermédio de seu irmão Virgílio, uma liminar para liberar 900 máquinas de caça-níqueis aprendidas em Niterói, no Rio de Janeiro, em troca de propina de R$ 1 milhão.
Além do ministro afastado, também respondem a Ação Penal o desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região Carreira Alvim, o procurador-regional da República João Sérgio Leal, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas Ernesto Dória e Virgílio, advogado e irmão do ministro Medina.
Fonte: Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2008