Monarquista oriundo da elite açucareira pernambucana, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo é lembrado cem anos depois de sua morte, em 17 de janeiro de 2010, como um dos grandes intérpretes do Brasil e a figura que mobilizou a opinião pública nacional pela abolição da escravidão. Como reconhecimento a esse político, diplomata, historiador, jurista, jornalista e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras é que, em junho do ano passado, a Lei nº 11.946 instituiu o ano de 2010 como Ano Nacional Joaquim Nabuco, em celebração ao centenário de sua morte.
De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, a afirmação de Nabuco de que as consequências da escravidão permaneceriam por mais de um século como a característica nacional do Brasil é “uma das previsões de longo prazo mais corretas já feitas entre nós”.
Foi no dia 13 de maio de 1888, um domingo, que a Princesa Isabel declarou extinta a escravidão no Brasil. Nabuco estava ao lado dela. E ainda hoje permanece atual o debate sobre os efeitos dos 300 anos de regime escravocrata na última nação das Américas a abolir o tráfico negreiro.
Um exemplo é a discussão sobre a constitucionalidade das ações afirmativas, criadas aqui por meio de reserva de cotas para negros e outras etnias nas universidades federais brasileiras. Esse debate será capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de ações que contestam a legitimidade e o acerto dessa forma de compensação do que, para os que a defendem, seria um resgate de uma dívida histórica. Os que são contra as cotas apontam um discurso de vitimização, entre outros equívocos, nessa lógica de compensação.
Nos próximos dias 3 e 5 de março, o STF realizará audiência pública sobre o tema. Na ocasião, 38 especialistas, entre antropólogos, juízes, professores e representantes de universidades federais de todo o país, participarão dos debates sobre a política de ações afirmativas de acesso ao ensino superior.
Abolição com planejamento
A luta contra a escravidão mobilizada por Joaquim Nabuco alicerçava-se em razões éticas e na tentativa de combinar o regime monarquista com mudanças que favorecessem o capitalismo no Brasil. Ele defendia a criação de colônias para escravos libertos, a democratização da terra e propunha que a abolição fosse acompanhada de uma massiva alfabetização.
Nabuco sempre esteve atento às medidas adotadas pelos Estados Unidos para administrar o fim da escravidão, com a promoção de políticas de mudança no padrão da posse da terra.
Com muito prestígio internacional, Nabuco obteve apoio de instituições estrangeiras de renome, como a inglesa Anti-Slavery Society (Sociedade Antiescravista). Seu afinco na luta abolicionista lhe rendeu o apelido de “Leão do Norte” e, em 1880, Nabuco participou da fundação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão.
Oito anos depois, a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel. Como informa artigo da revista Veja, no auge da campanha abolicionista, o integrante mais popular do movimento tornou-se marca de cigarros (Nabuquistas e Príncipes da Liberdade), de cerveja (Salvator Bier) e de modelo de chapéu.
Mas Nabuco era muito mais do que uma espécie de “garoto-propaganda” da abolição. Segundo o professor de história Ronaldo Vainfas, Joaquim Nabuco percebeu, “com rara acuidade”, as peculiaridades históricas da escravidão no Brasil. “Nabuco afirmou que, ao contrário da escravidão nos EUA, a brasileira não passava rigorosamente pela linha da cor, pois muitos libertos tinham se tornado pequenos escravistas e alguns até se envolveram com o tráfico de escravos”, afirma o historiador em artigo publicado na Folha de S.Paulo.
Vida multifacetada
Escritor, jornalista, diplomata e deputado, Joaquim Nabuco tinha uma visão liberal da política, da relação do indivíduo com a sociedade e com o poder constituído. Sua percepção orgânica da Constituição fica explícita em discurso proferido em 1879, um ano depois de se eleger deputado pela província de Pernambuco. “A nossa Constituição é um grande maquinismo liberal e um mecanismo servido de todos os órgãos de locomoção e de progresso. É um organismo vivo que caminha e adapta-se às funções diversas que em cada época tem necessariamente que produzir”, disse na ocasião, quando se debatia a reforma constitucional.
Fatos notórios
São inúmeros os fatos notórios da biografia de Joaquim Nabuco, entre eles estão a amizade com Machado de Assis, com quem trocou correspondência durante anos, a participação na fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, e a defesa que fez de um escravo acusado de assassinar o patrão, em 1869. Nabuco fez a defesa quando ainda estudava Direito, em Recife. Ele ingressou na faculdade de Direito de São Paulo em 1866, onde estudou com Ruy Barbosa, tendo concluído os estudos na capital pernambucana.
Nabuco foi nomeado o primeiro embaixador do Brasil em Washington, em 1905. Exímio orador, Nabuco brilhou ao realizar uma série de palestras em renomadas universidades norte-americanas, sendo sucesso de público e de crítica nos jornais e entre acadêmicos. Nessas conferências, Nabuco promovia a imagem do Brasil como parceiro dos EUA nas Américas, fazendo-se porta-voz do pan-americanismo, movimento que buscava fomentar as relações dos Estados da América em diversos âmbitos de interesse comum.
“Quincas, o belo”, como apelidado por seu físico e aparência privilegiados, Nabuco trabalhava como embaixador em Washington quando morreu em 1910, ainda desiludido com o fim da monarquia brasileira, em 1889. Deixou para a posteridade três livros considerados clássicos por sua excelência literária e acurada análise da realidade brasileira: "O Abolicionismo", "Um Estadista do Império" e "Minha Formação".
No edifício-sede do STF, em Brasília, uma escultura de Joaquim Nabuco em forma de busto (foto), de autoria de Rodolpho Bernardelli, adorna o Hall dos Bustos da Corte.
Fonte: STF