As varas de violência doméstica recebem duas vezes mais processos que as de família e quatro vezes mais do que as criminais de mesma competência territorial. Os dados foram apresentados pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Marcio Luiz Freitas na tarde desta segunda-feira (7/8) durante a XVII Jornada Lei Maria da Penha.

Segundo ele, contudo, há pouca diferença entre o tempo de tramitação dos processos, de acordo com a Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), mantida pelo CNJ e alimentada com informações dos tribunais. Na análise do conselheiro, para além da importância da celeridade, as estatísticas evidenciam a necessidade de que seja priorizado o aumento dessa especialização de varas para lidar com a matéria de violência contra a mulher.

“Certamente a vítima que passa por atendimento especializado e recebe tratamento mais adequado, tendo respeitadas a sua segurança e a sua privacidade, tende a se sentir mais satisfeita do que aquela sujeita a múltiplas vitimizações ao longo do processo”, afirmou.

O conselheiro também defendeu a relevância da melhor prestação jurisdicional para essa mulher, em momento de extrema vulnerabilidade. Ele, que é supervisor da Política Judiciária de Enfrentamento da Violência Doméstica, recordou que, por esse motivo, a análise no próximo ano do Prêmio CNJ de Qualidade levará em conta a estrutura adequada das unidades no acolhimento à mulher.

Segundo o Relatório “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, ingressaram no Poder Judiciário, em 2022, 640.867 processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio. Foram proferidas 399.228 sentenças, computadas tanto as com resolução de mérito, quanto as sem resolução de mérito, e baixados 674.111 processos. Estavam em tramitação ao final do ano, um milhão de processos.

O conselheiro ressaltou que a mudança na metodologia de alimentação dos dados apoiada pela presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, propiciou maior uniformidade e consistência nos dados que passaram a ser integrar o DataJud. “É essencial termos dados confiáveis para uma política pública, mormente uma política judiciária. Só assim, saberemos os pontos que mais merecem atenção e onde temos de centrar mais esforços”, destacou Marcio Freitas, que participou do painel “O Panorama Atual e a Evolução Histórica da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário”.

Abolição da defesa da honra

O painel foi presidido pelo conselheiro do CNJ e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, que ressaltou a importância da abolição pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da possibilidade de que os autores de feminicídios passam alegar “defesa da honra”.

Segundo ele, essa prática refletia a cultura brasileira machista, patriarcal e violenta contra as mulheres, que sempre foram tratadas como propriedade dos homens. Em um exercício de alteridade, ele questionou: “Vamos dizer que as mulheres tivessem direito de matar os homens que traíssem. O que aconteceria?”.

Por este motivo, ressaltou, essa pauta não deve ser só das mulheres, mas também dos homens. “É preciso educar a sociedade e precisamos entrar nas escolas. Isso é reponsabilidade do Poder Judiciário”, afirmou.

Como painelistas, participaram também a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid), Ana Lúcia Lourenço, e a presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) e juíza do TJRJ, Katerine Jatahy.

Em sua apresentação, Ana Lucia Lourenço fez uma retrospectiva das principais atividades e contribuições do Cocevid ao combate à violência doméstica contra a mulher. Ela ressaltou a importância do trabalho de diálogo interinstitucional realizado com representantes também dos demais Poderes, tais quais do Ministério da Justiça e Segurança Pública e o da Mulher, bem como das comissões da Mulher na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Uma das iniciativas de parceria destacada pela presidente do Cocevid foi a de levar informações sobre o funcionamento do uso da tornozeleira eletrônica ao Ministério das Mulheres. “Todas as coordenadorias têm 15 dias para informar as dificuldades e resultados para aprimorarmos a ferramenta”, anunciou.

Katerine Jatahy relatou que 64% das vítimas são jovens e a maior parte, negras. Ela destacou que, embora a Lei Maria da Penha seja uma das três melhores do mundo, o Brasil é o quinto em crimes de feminicídio. “Geralmente a violência acontece dentro das próprias casas, um lugar que deveria ser de acolhimento e respeito para as mulheres. Por isso, a lei representa uma mudança de paradigma”, pontuou.

Alteração na Lei Maria da Penha

O primeiro dia da XVII Jornada Maria da Penha foi encerrado com painel sobre a Lei 14.550/2023, que alterou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). “Ela chegou para reforçar a interpretação do dever estatal presente na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), de proteção da mulher”, afirmou uma das coordenadoras do Núcleo Permanente Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), juíza Luciana Rocha.

Para a magistrada, a alteração reafirma o foco na prevenção e na proteção do feminicídio da Lei 11.340/2006. Entre as mudanças, a nova lei, que entrou em vigor em abril deste ano, traz a obrigatoriedade do juízo em relação às medidas protetivas e sua concessão e aplicação na perspectiva de gênero.

A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP) Valéria Diez Scarance, sustentou que a Lei Maria da Penha é uma carta de direitos muito importante, mas não existe por si só. “A violência não é igual. Há violências de diferentes complexidades e estamos agindo sem fazer distinção. Se qualquer violência é de gênero, podemos não ter braço para tratar de todos esses casos. Se ampliar demais, não vamos proteger”, argumentou.

Já para a professora e jurista Alice Bianchini, o objetivo da Lei 14.550 está alinhado ao pensamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “A lei fortalece a proteção da vítima e dá força à palavra da vítima. (…) E o Sistema de Justiça precisa de estrutura”.

Fonte: CNJ