O desembargador Tarcísio José Martins Costa, que assina a coluna de economia do Jornal DECISÃO, da Amagis, aborda, na edição de janeiro, o livro do economista francês Thomas Piketty, “O Capital no Século XXI”. O jornal chega aos associados na próxima semana, mas o artigo pode ser lido abaixo.




O Capital no Século XXI

Des. Tarcísio Martins Costa

É o título do livro do economista francês Thomas Piketty - Le capital au 21e siècle - de quase 700 páginas, que trata do estado atual de nosso conhecimento histórico sobre a dinâmica da distribuição desigual da renda desde o século XVIII e quais as lições que podemos tirar disso para evitar a gritante desigualdade econômica nos dias de hoje.

A obra alcançou a primeira posição da Amazon e, logo depois de lançada em 2013, teve sucessivas edições esgotadas nas livrarias francesas, figurando como a mais vendida, fato raro no campo da economia. Não tardou a se transformar em best-seller mundial, tornando-se a febre literária do momento, espalhando-se por revistas e sites do mundo inteiro.

O Capital no Século XXI

As teses defendidas pelo professor da École des Hautes Études en Science Sociales (EHESS), que versam temas como distribuição de renda, capital e justiça social, e imposto progressivo e mundial sobre a riqueza, entre outros, dos quais se ocupa há mais de 20 nos, vêm causando furor internacional, sendo o livro, traduzido em diferentes idiomas, lançado no Brasil, em 2014, pela Editora Intrínseca.

Com a autoridade que quem, há quase 50 anos, tentou ler os dois volumes do Das Kapital, do velho Karl Marx (tradução espanhola), posso afiançar que se trata de leitura incomparavelmente mais fluente, agradável e instigante, para todos aqueles que desejam conhecer a estrutura básica do capitalismo atual e as raízes da desigualdade na distribuição da renda, que voltou a aumentar nas últimas décadas, beneficiando herdeiros e prejudicando a ascensão social, o que colocaria em risco a democracia. O Brasil, ao contrário da África do Sul e da Índia, ficou fora do livro, por não oferecer dados confiáveis sobre renda e propriedade.

Acredito que o Capital no Século XXI é leitura obrigatória, sobretudo para os que se insurgem contra as desigualdades sociais e se dizem cristãos, pois a distribuição tão desigual da riqueza mundial afronta a mensagem sociológica do evangelho. Como disse o próprio Piketty à Folha de São Paulo (Caderno Mercado 2, de 20/12/2014): “A questão econômica é importante demais para ser deixada para economistas, que às vezes tentam fazer crer que dispõem de uma ciência realmente complicada que os outros não podem compreender e que é preciso deixá-los em paz. Isso é uma gigantesca piada”.

O livro se divide em quatro partes: 1ª - Renda e Capital; 2ª – A dinâmica da relação renda/capital; 3ª – A estrutura da desigualdade e 4ª – Regular o capital no século XXI. Todas divididas em temas e subtemas, estes dificilmente ultrapassando duas ou três páginas, o que facilita a compreensão, tornando a leitura mais dinâmica.

Os títulos de alguns capítulos falam por si mesmos: Dos blocos continentais aos blocos regionais; desigualdade mundial: de 150 euros por mês a 3.000 euros por mês; A lei do crescimento acumulado; O significado da moeda nos clássicos da literatura; A riqueza pública na história; O novo mundo e o velho mundo; O peso da escravidão; Capital escravo e capital humano; Bens duráveis e objetos de valor; O mistério do valor da terra; O rendimento do capital ao longo da história; Os caprichos da tecnologia; Classe populares, classes médias, classes superiores; O véu casto das publicações oficiais; Da ‘sociedade dos rentistas’ à ‘sociedade dos executivos’; O Código Civil e a ilusão da Revolução francesa; Os limites das declarações de renda; Grades salariais e salário mínimo; A ascensão dos superexecutivos; Das listas de bilionários aos ‘relatórios mundiais sobre a fortuna’; Riqueza dos mortos, riqueza dos vivos; A hierarquia moral das fortunas; A China vai possuir o mundo?; A explosão dos salários dos executivos: o papel do regime fiscal; O imposto sobre o capital, na história; O que fazem os bancos centrais; Juridicismo e política; Aquecimento global e capital público.

Aspecto interessante é que o autor incursiona na literatura (Balzac e Jane Austen), para demonstrar as estruturas desigualitárias da sociedade patrimonial clássica (século XIX), dos dois lados do Canal da Mancha. Estabelecida a premissa de que em todas as sociedades só há dois modos de alcançar melhor patamar de vida, ele evoca célebres passagens balzaquianas, extraídas das obras “Pai Goriot” e “Ascenção e Queda de César Birroteau”. Para evidenciar a grandes desigualdades do capitalismo, especialmente nos EUA, Piketty se serve também do cinema (Orson Welles, Stanley Kubrick, Tarantino e outros), e de séries de TV.

Em suas conclusões, diz claramente não conceber outro lugar para economia que não o de subdisciplina das ciências sociais, ao lado da história, sociologia, antropologia e ciências políticas. Proclama, ainda, com todas as letras: “não gosto muito da expressão ‘ciência econômica’, que me parece terrivelmente arrogante e poderia fazer crer que a economia teria atingido uma cientificidade superior, específica, distinta de outras ciências sociais. Prefiro a expressão ‘economia política’, talvez um pouco antiquada, mas que tem o mérito de ilustrar o que me parece ser a única especificidade aceitável da economia dentro das ciências sociais, a saber, o seu propósito político, normativo e moral”. Onde estiver, certamente, nosso Mestre de Economia Política, na Faculdade de Direito da UFMG, Washington Albino, estará aplaudindo de pé. A ele a nossa granítica saudade.