Segundo a pesquisa “Violência e Assassinatos de Mulheres” (2013), do Data Popular e do Instituto Patrícia Galvão, 98% dos brasileiros conhecem a Lei 11.340. Apelidada “Maria da Penha”, a norma, que completa uma década, foi citada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das melhores do mundo no enfrentamento da discriminação contra a mulher, atrás apenas das legislações espanhola e chilena.
A despeito disso, a violência de gênero é uma realidade no Brasil, comprovada por notícias frequentes de agressões verbais, físicas, sexuais e psicológicas, ameaças, destruições patrimoniais, insultos e até assassinatos. Parte disso se deve a tradições patriarcais, centradas na perspectiva de posse e na negação da autonomia da mulher como sujeito, no âmbito familiar e, sobretudo, na vida matrimonial. De fato, segundo especialistas, criar novos tipos penais não basta: é imprescindível dar efetividade aos instrumentos legais vigentes.
A fim de oferecer mais segurança à mulher em situação de vulnerabilidade e minorar a sensação de impunidade, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) iniciou, em 2009, a especialização de unidades jurisdicionais na capital. Atualmente, são quatro varas exclusivas. Seguindo a mesma lógica, uma resolução do Órgão Especial de junho deste ano definiu as competências cível e criminal para conhecer e julgar causas de violência doméstica e familiar contra a mulher nas comarcas do interior.
Outro passo decisivo foi a criação da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), instalada em abril de 2012 em atendimento a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A finalidade da coordenadoria é desenvolver ações para reduzir a violência doméstica e familiar contra mulheres e promover a interlocução do Judiciário com cidadãos, entidades públicas e privadas e organizações não governamentais.
A desembargadora Kárin Emmerich, superintendente da Comsiv, destaca que, a partir da edição da lei, práticas habituais passaram a ser consideradas um problema social, e o encorajamento das vítimas tornou-se uma política pública. “A erradicação da violência contra a mulher passa pela questão cultural. A Maria da Penha fez a sociedade refletir e se conscientizar da importância de um trabalho coletivo de combate à violência doméstica”, afirma.
Um levantamento de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) atribui à lei uma redução de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro da residência das vítimas. Contudo, a desembargadora esclarece que é difícil mensurar de forma objetiva o impacto da legislação, pois, devido aos diferentes graus de institucionalização dos serviços protetivos às vítimas, a redução dos crimes de feminicídio não é uniforme em todo o País.
Mudança de mentalidade
A magistrada pondera que decisões de cunho machista, embora menos comuns, persistem, independentemente do sexo do julgador, e alguns ainda se questionam se compete ou não à Justiça interferir na privacidade da família. “Dentro desta estrutura, que todos sabemos ser insuficiente, devemos nos empenhar na prevenção e na aplicação célere das medidas protetivas de urgência. É fundamental evitar prejulgamentos, considerando com imparcialidade as circunstâncias de cada caso. O grande desafio é a mudança da mentalidade e dos valores. É preciso não só incentivar o reconhecimento dos direitos das mulheres por parte dos operadores de direito e da sociedade, mas também repensar o modelo educacional”, avalia.
Para a superintendente da Comsiv, a solução não se resume a ações repressivas, mas implica a adoção de medidas capazes de contribuir para o empoderamento feminino, assegurando pleno acesso aos direitos. “É necessário direcionar recursos orçamentários para implementar uma política nacional para as mulheres”, defende.
Matéria publicada originalmente no TJMG Informativo de agosto. Para ver a íntegra da edição, cliqueaqui.
Fonte: TJMG