Herbert Carneiro*

Tramita no Senado Federal a PEC 31/2013 que pretende reduzir a participação da Justiça Estadual na Justiça Eleitoral, aquela que é exemplo de eficiência e competência para o Brasil e para o mundo. A proposta contraria o perfil e a natureza dessa justiça especializada e traz riscos a sua eficácia e fiscalização por razões constitucionais e operacionais.

Quando definiu e aprovou a composição da Justiça Eleitoral, o constituinte priorizou o interesse público e o maior grau de legitimidade ao processo eleitoral, valorizando a experiência da Justiça comum e o tempo em que os juízes estaduais atuaram em contato direto e diário com a população nos mais de 5.500 municípios brasileiros.

Se aprovada, a PEC irá contrariar esse princípio e terá, como consequência, o enfraquecimento da Justiça Eleitoral e seu distanciamento do cidadão. Além da capilaridade, que lhe garante a presença em todas as comarcas do país, o juiz estadual conhece a vida política das pequenas, médias e grandes cidades dos estados. Outro aspecto relevante é que a eficaz fiscalização da campanha eleitoral irregular, incluída a antecipada, só é possível por meio da interiorização da Justiça estadual.

Alterar, agora, o que está dando certo, e aquilo que o mundo quer copiar do Brasil, só faz sentido se formos guiados pelo complexo de achar que o melhor é o que vem de fora ou que está para ser feito. O Brasil tem uma tarefa hercúlea de melhorar os serviços públicos que deveria, nos parece razoável, começar por aqueles que não oferecem as mínimas condições nem apresentam resultados compatíveis com as demandas de nossa realidade e da sociedade.

Todas as medidas para desafogar e aperfeiçoar o Judiciário serão bem-vindas, mas, nesse caso específico, o foco deveria ser a reforma política e eleitoral e não, primordialmente, a estrutura dos Tribunais Regionais Eleitorais. Ao contrário do que se imagina, as mudanças no Judiciário, em favor de uma Justiça mais ágil e cidadã, requerem a participação de todos, incluindo os três Poderes e a própria sociedade.

Tão equivocada como a tentativa de alterar a Justiça Eleitoral é reconhecer o atraso institucional que também pune os mesmos juízes estaduais. Apesar de serem os responsáveis diretos pelas mais democráticas e mais ágeis eleições do mundo, eles continuam impedidos de votar na eleição dos presidentes dos Tribunais de Justiça. Sequer são consultados para o planejamento estratégico e a elaboração do orçamento do Judiciário.

Após 28 anos do fim do regime autoritário no país, a redemocratização ainda não chegou ao Judiciário. O histórico atraso é mantido por uma lei baixada na ditadura, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35, de 1979), que, por interesse e lobby não explicitados, resiste à pressão das associações de magistrados por sua revisão à luz dos novos tempos e da democracia.

Por aí se vê, o tamanho das dificuldades que distanciam e afastam o Judiciário do cidadão e das necessárias mudanças. Uma delas tornou-se bandeira histórica da Amagis e demais associações de magistrados em todo o país, que é a eleição direta para o corpo diretivo dos tribunais estaduais, federais e trabalhistas.

Hoje, somente os desembargadores (2ª instância) podem escolher o presidente entre os mais antigos. Juiz e desembargador são magistrados de 1º ou 2º grau de jurisdição e não há, entre um e outro, novo cargo, mas simples diferença funcional. Além disso, magistrados de 1º e 2º graus se submetem ao mesmo presidente.

Com a certeza cristalina de que não há alternativas fora do regime democrático, só haverá o adequado aparelhamento das Varas, Juízos e Juizados - onde milhares de brasileiros comparecem diariamente como partes ou testemunhas em busca da realização da Justiça -, quando os Juízes puderem participar da escolha das mesas diretoras dos Tribunais.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (‘Justiça em Números’), confirmam, claramente, pelo número de processos que tramitam na 1ª instância, que ali estão concentrados os grandes gargalos da máquina judiciária, mais um motivo para que os juízes, que são conhecedores desses problemas, participem da definição de metas e diretrizes que serão seguidas pelo Judiciário.

Como é de sua tradição, Minas tem hoje nova oportunidade histórica de dar exemplo a todo o país na busca permanente pela modernização de suas instituições. O Poder Judiciário mineiro tem em suas mãos a possibilidade de se tornar o primeiro Tribunal estadual a aprovar a participação direta de juízes e juízas nas eleições de seus dirigentes. Essa conquista representaria notável avanço democrático só comparável à conquista da autonomia do Poder Judiciário, com a Constituição cidadã de 1988.

(*) Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros

Artigo publicado no jornal Estado de Minas