A necessidade de colocar em prática a reforma tributária é tema recorrente nos debates do Congresso. Uma comissão que funcionou em 2008 na Câmara dos Deputados não conseguiu fazer avançar o texto. Desde então, o Congresso tem votado a proposta de forma fatiada. Em julho deste ano, a Câmara criou uma comissão especial para novamente analisar o tema. Integrantes defendem, entre outros pontos, a simplificação tributária e uma contribuição fiscal mais equânime entre pessoas físicas e jurídicas.
Para o juiz Agnaldo Rodrigues Pereira, titular da 2ª Vara de Feitos Tributários de Minas Gerais, a multiplicidade de regimes de cobrança de impostos vigentes no país desestimula, e muito, os investimentos. Nesta entrevista ao site da Amagis, o magistrado afirma ainda que a definição dos repasses da União para estados e municípios deve ser priorizada na votação da reforma.
Por que é tão difícil fazer avançar a reforma tributária? Os donos do poder realmente estão interessados que ela aconteça?
Mudanças só são fáceis quando há consenso. A reforma tributária envolve interesses antagônicos da União, dos estados e municípios, como entes arrecadadores que querem ter total autonomia orçamentária e financeira, e dos contribuintes, que não suportam mais qualquer aumento da carga tributária. Ninguém quer perder receita, e, na divisão do bolo, cada ente público quer manter a maior fatia. Calha aqui o dito popular: “Em casa que falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”. Sobra, então, para o contribuinte que poderia ser desonerado de alguns tributos, redução de alíquotas e simplificação na forma de pagamento dos impostos, continuar arcando com os ônus.
Em sua avaliação, quais as medidas mais polêmicas e as mais urgentes de aprovação no texto da reforma tributária que tramita no Congresso?
As medidas que envolvem a propalada “guerra fiscal” entre os estados são das mais polêmicas, já que o ICMS é o “carro-chefe” em termos de arrecadação estadual. Conciliar os interesses dos estados e do Distrito Federal em atrair investimentos, manter a arrecadação e, ainda, propiciar que os produtos fabricados/produzidos nos seus respectivos estados sejam competitivos nos demais é uma tarefa hercúlea. Em termos de urgência, a definição dos repasses da União para os estados, Distrito Federal e municípios deve ser priorizada.
O ICMS é, portanto, o maior problema do sistema tributário brasileiro? A proposta de unificar as 27 leis estaduais do imposto seria suficiente para pôr fim a essa “guerra”?
Essa questão é, efetivamente, muito polêmica. As desigualdades regionais são gritantes. Nós temos as regiões Sul e Sudeste com alto grau de competitividade e de capacidade para atrair novos investimentos, já que contam com infraestrutura para produção e exportação e, ainda, com um gigantesco mercado consumidor. Outras regiões estão “engatinhando” e precisam de incentivos para conseguir atrair recursos externos. As regiões mais castigadas pela seca, por exemplo, são as que mais precisam atrair novos empreendimentos, mas são justamente aquelas em que os recursos são mais escassos, com pouca disponibilidade financeira para infraestrutura, e qualquer desoneração implicará a desestruturação do próprio orçamento. A unificação pode ser uma das alternativas, desde que haja alguma compensação.
A reforma tributária aumentaria o Produto Interno Bruno (PIB) brasileiro? Por qual motivo?
A reforma tributária pode, como efeito reflexo, possibilitar o crescimento do PIB, já que poderá ocorrer a redução da carga tributária e, com isso, aumentar a capacidade de investimento das empresas. A própria segurança jurídica, com a definição dos impostos que serão pagos e a sua simplificação, já conduz para novos investimentos e aumento da produção e, consequentemente, para o aumento do Produto Interno Bruto.
Outro grande problema no Brasil é a diversidade de regimes tributários, que provoca um enorme desestímulo para que as empresas cresçam. Como o senhor analisa essa questão?
Essa multiplicidade de regimes tributários é, efetivamente, um fato que desestimula os investimentos. O Congresso Nacional está analisando o aumento do limite do Simples Nacional para mais de R$ 14 milhões anuais, pois já está provado que muitas empresas preferem manter a atual capacidade de produção para não sair do Simples. Isso é péssimo, porquanto precisamos que as nossas empresas cresçam e se multipliquem, gerando novos empregos e renda.
Temos uma tributação da folha de salários extremamente alta no país. O governo até começou a implementar a chamada desoneração da folha (a substituição da contribuição sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento). O senhor aprova esse modelo?
O custeio da folha de pagamento impacta diretamente na competitividade dos produtos e serviços fornecidos pelas empresas brasileiras. Se o custo com pessoal é muito alto, em razão dos impostos que incidem diretamente sobre a folha de pagamento, cabe ao Estado reduzir a carga tributária, sob pena de inibir o crescimento das empresas e, consequentemente, de fomentar o próprio desemprego. Estamos vivendo em um mundo globalizado. Não adianta o Brasil manter benefícios e tributos que impactam a folha de pagamento e que são incompatíveis com o mercado globalizado. O efeito é perverso e imediato: as empresas não conseguem manter a competitividade para inibir a importação e, ainda, perdem competitividade para exportação.
Qual seria a solução para incentivar as empresas a buscar um crescimento no mercado e aumentar sua competitividade?
A simplificação do regime tributário e a unificação de alíquotas. A adoção do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) compartilhado (albergando o IPI e o ICMS) deve ser fomentada. A desoneração da folha de pagamento, em igual diapasão, não pode ser esquecida.
O senhor acredita que a reforma avance este ano?
Temos que acreditar. Sonhar. Cobrar dos nossos parlamentares que eles “façam o dever de casa”. Não temos eleições este ano. Os deputados e senadores não estão disputando cargos municipais, estaduais ou federais. Portanto, os parlamentares dispõem de todas as condições para estudar e aprovar a reforma tributária. É uma questão de empenho, boa vontade e, conforme já dito, reconhecer que o “cobertor é curto” e que deverão buscar atender a todos, para que nenhum ente da federação “fique com frio”, sem onerar ainda mais o contribuinte. Ressuscitar a CPMF é suicídio.
Quem mais se beneficiaria com a reforma?
Acredito que todos serão beneficiados. A redução da carga tributária e a simplificação dos métodos de arrecadação, com segurança jurídica, beneficiam tanto as empresas quanto a população. A sociedade precisa saber quanto está pagando de impostos quando adquire qualquer produto. É indispensável que haja transparência e responsabilidade. Os entes públicos, por sua vez, poderão elaborar propostas orçamentárias mais realistas e executáveis, cumprindo fielmente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LFR).