Um pedido bastante incomum foi aceito recentemente pela Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais do Distrito Federal. O juiz Edilson Enedino das Chagas declarou a insolvência civil de um morador de Santa Maria (DF), solicitada pela empresa Poli Care, especializada em assistência e internação domiciliar. A dívida com a fornecedora está estimada em R$ 56 mil.

Com a decretação da insolvência civil, o devedor, além de ficar com o nome sujo, não poderá administrar os seus bens por um período de cinco anos. Durante este tempo, um administrador nomeado pelo juiz tomará conta do patrimônio e pagará a Poli Care e outros eventuais credores.

A decisão surpreendeu especialistas. Advogados de renome e que trabalham há anos na área nunca lidaram com um caso concreto de insolvência civil - medida comum em países como os Estados Unidos.

O juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Daniel Carnio Costa, afirma que consegue contar nos dedos de uma mão os casos de insolvência que acompanhou nos seus 18 anos de magistratura. "Não é comum, embora o procedimento exista desde 1973 no Código de Processo Civil", diz.

A insolvência civil funciona de maneira semelhante a uma falência comercial. A diferença é que trata especificamente de pessoa física e pessoa jurídica que não seja empresária. Entretanto, são regidas por leis diferentes. A lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da empresa é a nº 11.101, de 2005.

Presidente da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Luiz Antonio Caldeira Miretti, alerta para os requisitos da insolvência civil. Só poderá ser declarada quando as dívidas forem maiores que o patrimônio do devedor. Quando isso acontecer, a medida pode ser requerida pelo próprio devedor, pelo inventariante do espólio do devedor ou pelo credor.

No caso específico do Distrito Federal, foi a empresa credora quem fez o pedido. O devedor não compareceu a nenhuma das audiências e também não apresentou advogado. O juiz, com base no artigo 748 do Código de Processo Civil, entendeu que, como não havia patrimônio suficiente para o pagamento da dívida, ficou "demonstrado o seu estado de insolvência".

O administrador nomeado pelo magistrado foi o advogado da empresa credora. Ele fará a pesquisa do patrimônio do devedor, encaminhará os bens a leilão para que se possa fazer a divisão proporcional entre todos os credores. Em caso de insolvência, todas as dívidas do devedor passam a ser discutidas em um processo único - da mesma maneira como ocorre na falência empresarial.

"Todas as dívidas que estavam por vencer são antecipadas para o prazo da falência. É diferente de um processo de execução, em que a empresa cobra sozinha a dívida", diz a advogada Daniela Soares Domingues, do escritório Siqueira Castro.

Normalmente, os credores, segundo especialistas, preferem o caminho da execução. Por isso, são raras decisões sobre insolvência civil, que geram mais dificuldades para o recebimento de créditos. "Não se vai em frente por causa dessa insolvência pré-conhecida", diz o advogado Rodrigo Tellechea, sócio do escritório Souto Correa.

O advogado lembra ainda dos custos para se levar adiante um pedido de insolvência. O credor tem que arcar com advogados e custas processuais e terá, segundo ele, poucas chances de reaver o montante devido.

Há especialistas, no entanto, que acreditam que os tempos de crise econômica podem levar a um aumento no número desses pedidos. Isso porque estaria ocorrendo uma migração do trabalho formal para o informal, o que dificultaria o recebimento de créditos.

"Quando você tem uma economia mais pujante, os recursos passam por meio de acessos formais, como a conta no banco e o registro de imóveis. Em um momento de crise, como o que estamos vivendo, é comum a volta de uma maior informalidade", afirma Pierre Moreau, do escritório Moreau Advogados.

De acordo com o advogado, o pedido de insolvência poderá ser usado para pressionar o devedor. "O credor pode achar que ele [o devedor] está ocultando patrimônio, por exemplo."

Fonte: Valor Online