"Jogar um adolescente num presídio comum? Para quê? Para sair daqui a 10 anos dez vezes pior do que entrou? Não, obrigado!", afirma Caco Ciocler, ao G1, quando questionado sobre a redução da maioridade penal. Esse é o tema abordado em "De menor", da diretora Caru Alves de Souza (filha da cineasta Tata Amaral), que venceu o Festival do Rio do ano passado e estreia nesta quinta-feira (4). "É preciso cuidar desse jovem para que ele se torne um adulto melhor. Jogar esses adolescentes numa cadeia comum vai torná-los adultos melhores? Eu duvido".

No filme, o ator interpreta um juiz que atua na área de adolescentes no Fórum de Santos (SP). Para isso, Ciocler conta que acompanhou algumas audiências. "Fiquei apaixonado pela maneira que o juiz conduzia os julgamentos, porque mais do que fazer um trabalho bem feito, ele devolvia ou dava àqueles adolescentes uma figura paterna", diz. "De menor" já foi exibido nos festivais de San Sebastián (Espanha), Toulouse e Biarritz (ambos na França), e Havana (Cuba). A atriz Rita Batata, que vive a defensora Helena, venceu prêmios no Festival de Cinema Sul-Americano de Marselha, na França, e no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá.

Ciocler também comentou sua estreia como diretor de "Esse viver ninguém me tira", documentário que retrata a trajetória de Aracy, mulher do escritor João Guimarães Rosa que salvou judeus na Alemanha nazista. O filme foi exibido pela primeira vez no Festival de Gramado deste ano. "Vi muita gente muito emocionada e agradecida.
Quem teve um olhar mais analítico, mais viciado num tipo de documentário jornalístico, ficou na falta, naquilo que o filme não é".
Leia a entrevista completa abaixo:
G1 - O que te atraiu a participar desse filme?
Caco Ciocler - Eu tinha um sonho antigo de trabalhar com a Tata Amaral. Então, o que primeiro me seduziu nesse projeto foi a possibilidade dessa parceria. Não conhecia a Caru. Obviamente que depois o foco foi mudando. A Tata saiu da direção do filme ainda durante os ensaios, eu fui conhecendo e me apaixonando pela condução da Caru. Na época meu filho tinha 16 anos, começava a aprontar e esse era um assunto que interessava muito.

G1 - Você chegou a ir a alguma audiência da Vara da Infância e da Juventude?
Ciocler
- A Caru tinha uma referência concreta muito clara do juiz que gostaria que eu fizesse no filme. Então fui até o Fórum de Santos, onde esse juiz trabalha, para testemunhar como tudo funciona, para assistir a audiências e tentar entender, emocionalmente, o que se passa com as pessoas envolvidas numa situação de julgamento. Fui para ficar de olho nesse juiz.
G1 - 'De menor' retrata bem a questão da delinquência juvenil. O que mais te chama atenção nesse assunto?
Ciocler
- Primeiro foi a desconstrução daquilo que meu imaginário entendia como um julgamento. Nada de grandes salões, nada de cadeira pomposa e elevada para o juiz, nada de promotores e advogados de defesa com argumentações exaltadas, teatrais e cheias de genialidade. Depois, eu fiquei apaixonado pela maneira que o juiz conduzia os julgamentos, porque mais do que fazer um trabalho bem feito, ele devolvia ou dava àqueles adolescentes uma figura paterna, um modelo paterno muito importante para suas formações. Não sei que tipo de referência paterna esses meninos e meninas tinham dentro de casa, mas aquele juiz cobria essa lacuna. E isso contribui para a formação. Esse juiz conseguia um tipo de autoridade afetiva rara. Isso foi o que mais me comoveu e o que mais norteou minha construção do personagem.

G1 - O filme é um elemento no debate sobre a maioridade penal. Qual sua opinião sobre a redução para 16 anos?
Ciocler
- Sou contra. Em primeiro lugar porque temos um sistema penitenciário falido. Jogar um adolescente num presídio comum? Para quê? Para sair daqui a dez anos dez vezes pior do que entrou? Não, obrigado! Não consigo enxergar a mínima contribuição para a sociedade, para as famílias e para os adolescentes. Em segundo lugar, é provado cientificamente que a parte do cérebro que controla nossos impulsos só fica totalmente desenvolvida aos 18 anos. É a idade em que o ser humano pode responder por seus atos. Não estou defendendo que não aja punição. Mas eles merecem atenção especial. É preciso cuidar para que ele se torne um adulto melhor. Jogar adolescentes numa cadeia comum vai torná-los adultos melhores? Eu duvido. É preciso que jovens infratores sejam pegos, levados para uma espécie de avaliação. Não é possível que uma lei só dê conta de todos os casos.
G1 - Você lançou seu primeiro longa como diretor no Festival de Gramado e disse que o filme o ajudou a descobrir uma parte de sua própria trajetória.
Ciocler -
Gramado foi a primeira vez que mostrei o filme e que pude, então, começar a ouvir como ele chega para as pessoas. Tive dois tipos completamente distintos de retorno. Acho que todo contato com uma obra de arte tem muito à ver com a troca de conteúdos inconscientes. Quem se permitiu um contato nesse nível com o filme teve uma experiência profundamente emocional. Vi muita gente muito emocionada e agradecida. Quem teve um olhar mais analítico, mais viciado num tipo de documentário jornalístico, ficou na falta, naquilo que o filme não é.
G1 - Qual você acha que vai ser o interesse do público pela vida da Aracy de Carvalho Guimarães Rosa?
Ciocler
- Eu faço uma analogia com o filme "Tubarão", do Spielberg. Ele teve um problema com seu robô tubarão, que ficou muito falso. Não poderia mostrá-lo. Então, teve a brilhante ideia de mostrar apenas sua barbatana para que cada espectador construísse, no seu imaginário, seu próprio tubarão. Com Aracy foi mais ou menos assim. Ela é conhecida como a mulher do Guimarães Rosa que salvou judeus na Alemanha nazista. Sobre sua atividade subversiva na Alemanha nazista não existe nenhum documento. Na minha opinião, esse desafio foi o grande pulo do gato do filme. Mostramos a "barbatana" e deixamos que o espectador construísse sua Aracy. Quem embarcou nessa viagem teve uma experiência linda e emocionante. Porque o filme fala de memória, fala da finitude da existência e das próprias memórias. Fala do tempo. Fala sobre o que fica e o que não fica. Quem ficou tentando ver o tubarão e suas engrenagens, infelizmente ficou na falta.

G1 - Depois de 'Esse viver ninguém me tira', pretende dirigir um longa de ficção?
Ciocler
- Sim, pretendo. Quem sabe ano que vem já não tenhamos novidades.

Fonte: G1