Uma varanda e um quarto de duas residências simples localizadas nos municípios vizinhos de Vespasiano e São José da Lapa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, transformaram-se em salas de audiência onde o juiz auxiliar da Comarca de Vespasiano, Gustavo Corte Real, realizou na tarde desta terça-feira, 27, entrevistas em processos de interdição de dois idosos com problemas de saúde.  

Maria Lelis Castanheira, 86, portadora da doença de Alzheimer, e Osvaldo do Lino Pereira, 76, que sofre de demência, não tinham condições físicas e mentais de se dirigirem ao fórum de Vespasiano para serem ouvidos pelo magistrado. Diante disso, o juiz decidiu ir até a casa dos interditandos para realizar a audiência lá mesmo. Nos dois casos, todo o procedimento durou menos de 10 minutos e serviu de base para a sentença do magistrado favorável aos familiares que pediam a interdição definitiva dos idosos.   

Juiz Gustavo Corte Real realiza audiência na casa da idosa Maria Lelis Castanheira

 

Sentado em uma cadeira ao lado da cama de Maria Lelis, o juiz constatou a completa incapacidade da idosa de praticar atos da vida civil por conta do Alzheimer em estágio avançado. Na cozinha da residência, ele assinou a ata da audiência. “Vi a Justiça sendo feita dentro da minha casa. É um alívio para toda a família”, comemorou Rodrigo Castanheira, filho de Maria Lelis.

De acordo com a advogada da família de Rodrigo, Marina de Alcântara, todo o processo durou apenas três meses, o que é um alento para as partes envolvidas. “A iniciativa do magistrado de ir ao jurisdicionado é benéfica para todos. Quando o juiz vem até o cidadão que está em condições tão frágeis, acelera o processo e diminui a dor dos familiares. Aqui, nesta residência, presenciamos de fato o princípio da celeridade sendo cumprido”, destacou a advogada. 

                                           

Gustavo Corte Real e a advogada Mariana de Alcântara assinam ata da audiência cozinha da residência

 

Na varanda da residência de Osvaldo Pereira, Gustavo Corte Real viu o interditando não saber responder a perguntas simples, como o que havia almoçado naquele dia, quem era o presidente do Brasil e quantos anos tinha. Com base nisso, ali mesmo, o magistrado redigiu à mão a ata da audiência. “É uma satisfação muito grande receber um juiz na nossa casa e ainda mais para nos dar uma alegria. A vinda dele facilitou a nossa vida, que já é bem sofrida”, afirmou a esposa de Osvaldo, Maria Ferreira Amorim.

“Saio dessas casas me sentindo acolhido. Em todas as residências que vou sou muito bem tratado. Quando preciso viajar horas para chegar a um local, sou sempre recebido com um cafezinho. Lidamos com milhares de processos e assinamos centenas de documentos, mas é no local onde essas pessoas vivem que sentimos o que é entregar a jurisdição a elas. São pessoas dignas, que pagam seus impostos. Essa é uma forma de retribuirmos o que elas também nos dão em serviço”, disse o magistrado.  

Magistrado realiza entrevista de interdição na varanda da casa de Osvaldo Pereira 

 

CPC

O artigo 751 do novo Código de Processo Civil determina que, não podendo o interditando deslocar-se até o juiz, o magistrado o ouvirá no local onde ele estiver. Nos processos de interdição, a entrevista pessoal é necessária para evitar possíveis fraudes e para o magistrado conhecer de fato aquela pessoa que poderá ter tantos direitos suprimidos. “A lei determina que o juiz veja o jurisdicionado. O magistrado deve ver a prova, ver a dificuldade em que vive esse cidadão e entender por que é necessária a ação da Justiça. Essas pessoas têm poucos recursos financeiros, dependem do SUS e de laudos médicos que nem sempre vêm completos. O sistema é mais difícil para elas”, afirmou o juiz. 

Gustavo Corte Real redige ata da audiência na residência do interditando

 

Inspiração

Gustavo Corte Real realiza audiências na casa do jurisdicionado há cerca de 10 anos, quando ingressou na magistratura. Com as histórias e explicações sobre doenças senis que ouvia de sua esposa, uma médica geriatra, o magistrado passou a entender melhor a importância de não ocasionar mais transtornos a esse tipo de paciente. “Sou um pouco influenciado pela minha esposa. Ela me explicou o que é uma demência, o que causa o Alzheimer na vida de alguém, por exemplo. São doenças incapacitantes. Tudo isso tem que ser levado em consideração na hora de o juiz optar por esse tipo de audiência”, afirmou o magistrado.

Para Gustavo Corte Real, o magistrado deve estar onde o povo está, e os juízes que ingressaram recentemente na carreira devem compreender que eles assumiram um compromisso com o cidadão. “Esse é o papel do juiz. E não é apenas o papel social do magistrado, é um dever dele, que é servidor público. Estou no meu horário de trabalho, exercendo a minha jurisdição. Vários servidores saem de seus locais de trabalho e visitam o cidadão. Não tem nenhum problema o juiz fazer o mesmo. Há relatos de vários magistrados em Minas e em outros estados fazendo esse tipo de audiência. Há juízes no Amazonas que viajam horas de barco para ir até o cidadão. São exemplos que partem dos próprios colegas e devem ser seguidos”, ressaltou Gustavo Corte Real.

Assista ao vídeo sobre as audiências realizadas pelo juiz Gustavo Corte Real na casa de idosos em Vespasiano: