Uma sentença do juiz Antônio Augusto Pavel Toledo, titular na Comarca de Miradouro há quase 23 anos, e respondendo pela Comarca de Palma há dois anos, na Zona da Mata mineira, chamou a atenção e ganhou destaque na mídia.   

Em um processo de usucapião que envolvia o prédio onde há mais de 50 anos funciona o Fórum Wilson Alvim Amaral, da Comarca de Palmas, o magistrado redigiu a sentença em forma de versos.


“Por se tratar de um prédio histórico, um dos primeiros no município, fiz a sentença em versos para chamar a atenção para o imóvel, que não possui registro ou documentação”, disse o juiz Antônio Augusto.   


Com sua sensibilidade, e tendo o hábito da leitura de poesia desde criança, o magistrado avaliou que a sentença merecia ser diferente por se tratar um bem histórico da cidade. “Faço citações poéticas em sentenças, inclusive com versos meus, e, por se tratar de um prédio histórico, achei que, assim, registraria melhor o momento e o fato”, considerou.   

O juiz Antônio Augusto explica que procurou cumprir todos os requisitos para aplicar uma sentença. “A sentença está fundamentada com todos os requisitos, que é o relatório, a fundamentação e o disposto. Mesmo sendo em versos, a sentença possui as três partes necessárias, e os artigos de lei citados com as disposições legais que embasam a sentença e as provas produzidas”, afirmou.   

O juiz explica que não irá adotar este método em outros processos, pois isso depende da sensibilidade do juiz e do fato no processo. “Depende da inspiração do juiz e o que toca na sensibilidade do magistrado ao julgar”, comentou.   

  

"Pede o Estado de Minas Gerais 

Que se declare, por usucapião, 

Observados os termos legais, 

Em originária aquisição, 

A propriedade de um sobrado 

Onde se encontra instalado 

Todo o serviço judicial: 

O Fórum Wilson Alvim Amaral. 

E para tanto o Estado argumenta, 

Que desde a década de quarenta, 

No século próximo passado, 

Tem a posse do bem mencionado. 

Alega que o possui mansamente, 

De forma pacífica, inconteste, 

Ausente lapso de interrupção. 

Sem ato primitivo que documente, 

Apresenta, como prova que o ateste, 

A placa histórica da reconstrução. 

E para melhor embasar o pleito, 

Cita doutrina e jurisprudência. 

Pede que se reconheça o direito, 

Decidindo-se pela procedência. 

Procedidas todas as citações, 

E cada notificação de rigor, 

Seguiu-se o rito sem altercações. 

Nenhuma objeção apresentada, 

Manifestou o Douto Promotor 

A favor da medida pleiteada. 

Sendo este o breve relato, 

O necessário e adequado resumo, 

Estando tudo nos termos, no prumo, 

Atento ao instrutório correlato, 

Focado nos limites do pedido, 

Passo a analisar e decido. 

Antes do estudo de mérito, 

Remontando o tempo pretérito, 

Faz-se importante ressaltar, 

Que a história deste lugar, 

Tem o Fórum como marca. 

O surgimento do Município, 

Se confunde, desde o princípio, 

Com o nascer da Comarca. 

Imponentemente erguido, 

Na Praça Getúlio Vargas, 

Por alguém temido e destemido, 

De passagens boas e amargas, 

Que firmo não ter existido, 

Igual nesta e noutras plagas. 

E assim tão bem erigido, 

No centro e coração de Palma, 

É testemunha eloquente 

De um povo, sua gente, 

De uma terra e sua alma. 

É, portanto, um monumento, 

Um portentoso e belo edifício. 

Que aos olhos do habitante, 

E mesmo do mero viajante, 

Demonstra a pujança do início. 

Não cabe deixar sem registro, 

O bem histórico representado, 

Acéfalo do seu legítimo dono. 

Necessário preservar tudo isto, 

Evocando o tempo passado, 

E protegendo do abandono. 

Define-se no Código Civil: 

Aquele que mansamente se viu, 

Possuidor de um bem imóvel, 

Adquire-lhe a propriedade, 

Tendo o domínio por móvel, 

Ânimo de dono e autoridade. 

Mas deve exercer esta posse, 

Por década e meia, ao menos; 

Sem interrupção, nem oposição. 

Ter o bem como se próprio fosse. 

Justo título e boa fé é de somenos; 

Irrelevante, pra fundar a pretensão. 

Poderá pedir, então, ao juiz, 

Conforme o estatuto diz, 

Que o declare em julgamento. 

Para servir de documento, 

Que, espelhando a realidade, 

Lhe outorgue a titularidade. 

As provas colhidas mencionam 

Que os serviços funcionam 

No prédio objeto do pedido 

Há mais tempo que o exigido. 

Sugerem os dados coligidos, 

Que a posse realmente remonta 

O limiar do século passado. 

Época áurea de tempos idos 

Que, segundo a história conta, 

Fora um período abastado. 

Não há, como se confessa, 

Documento primitivo a respeito. 

Mas outros demonstram o direito: 

A posse aquisitiva pregressa. 

Apura-se exata demonstração 

Da época da reconstrução: 

Mil novecentos e setenta e sete, 

A mil novecentos e oitenta. 

Respalda, assim, o que se pede; 

O que na exordial se sustenta. 

Prova-se devidamente o alegado, 

Inclusive com a placa que marca 

O centenário da Comarca, 

Efusivamente comemorado, 

Em mil novecentos e noventa e dois. 

E ainda lá se encontra o edifício 

Servindo, assim como no início, 

Passados tantos anos depois. 

Além do acervo fotográfico, 

Há nos autos, emblemático, 

O depoimento de Dona Fia. 

Tomado da varanda de sua casa, 

De onde vê o que se passa, 

Enquanto o terço desfia. 

Testemunha presente da história, 

Arquivo vivo da memória, 

De um povo e seu dia-a-dia. 

Sra. Maria Rodrigues Pinto, 

Altiva e de porte distinto, 

Do alto de mais de cem anos, 

Coerente, segura, sem enganos, 

De forma clara, declara: 

Desde a década de cinquenta 

O prédio que se lhe apresenta, 

Serviu somente ao Judiciário; 

E não há prova em sentido contrário. 

A instrução assim produzida, 

Indica, sem um vacilo qualquer, 

Que se deve acolher, dar guarida, 

À pretensão nos autos trazida, 

Àquilo que o Estado requer. 

Pelo exposto e fundamentado, 

Provada a posse e o tempo exigido, 

Demonstrados os requisitos legais, 

Não há como não ser acatado, 

Na integralidade, o pedido, 

Provado o fato, a não poder mais. 

É assim que julgo procedente, 

A pretensão estatal pertinente, 

Declarando a aquisição originária 

Da propriedade do bem descrito. 

Determino expedição cartorária 

Do mandado pra “lançar” o registro. 

Não havendo qualquer resistência, 

E como o Estado, ademais, é isento, 

Descaracterizada a sucumbência, 

Ao final deste pronunciamento. 

E por conta desta circunstância 

Repercutem, como corolários, 

Ao menos nesta primeira instância: 

Ausências de custas e de honorários. 

Tendo a decisão por proferida, 

Que atue o serviço, em seguida, 

Intimando e também registrando, 

Publicando para conhecimento. 

E cerrem-se os autos, arquivando, 

Após cumprido o julgamento. 


Antônio Augusto Pavel Toledo - Juiz de Direito"