A edição desta quarta-feira, 25, do jornal Valor Econômico traz artigo intitulado "Sistema Prisional e a Economia no Brasil" de autoria do juiz de Minas Gerais Thiago Colnago Cabral. Leia abaixo na íntegra.


Valor Economico

Sistema prisional e a economia do Brasil


Por Thiago Colnago Cabral*


A recente rebelião ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, trouxe à pauta do país extenso debate a respeito das condições do sistema prisional, marcado por um déficit real de mais de 300 mil vagas (população prisional versus vagas das unidades prisionais existentes), acrescido do que se poderia chamar de déficit virtual de outras 300 mil vagas, representadas pelos mandados de prisão já expedidos pelo Poder Judiciário mas ainda pendentes de cumprimento.

Vozes várias apressaram-se em declinar a necessidade de criação de novas vagas no sistema prisional, tendo o governo federal se apressado em difundir sua providência, já adotada anteriormente, de liberar recursos contingenciados do Fundo Penitenciário, que é composto pelos valores provenientes das condenações criminais ao pagamento de multas em todo o país e cuja receita mantinha historicamente liberação extremamente limitada ante opção de controle contábil adotada pela União.

Nada foi dito, todavia, acerca dos reflexos econômicos das medidas anunciadas, providência de inegável relevância frente ao cenário atual das finanças públicas do país, marcado por uma das maiores crises já vividas pelos Estados.


Talvez a referida omissão decorra justamente da carência de produção intelectual científica a respeito dos custos do sistema de Justiça criminal brasileiro, no que se inclui o aparato prisional, circunstância que, entretanto, não legitima que a atuação do poder público que descuide do referido enfoque.

O Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados sobre o sistema prisional, ainda em 2009, identificou que o custo mensal da manutenção de pessoa encarcerada era de R$ 1.031,92 por mês, ao passo que a criação de vaga alcançaria a cifra de R$ 22.261,91, sendo que, corrigidos pelo INPC, os referidos valores representariam hoje, respectivamente, R$ 1.711,32 e R$ 36.918,81.

Ora, neste quadro, uma ação que tenha por finalidade reduzir o déficit de vagas do sistema prisional em 50%, criando novas 150 mil ocupações em unidades, acarretaria investimento inicial da ordem de R$ 5,5 bilhões mas, ainda assim, ensejaria a manutenção de carência de vagas muito representativa.


Ainda que o referido recurso possa ser fruto de investimento da União Federal, em socorro aos Estados, a criação de 150 mil vagas repercutiria para os Estados destinatários das novas unidades prisionais com um custeio mensal da ordem total de R$ 256 milhões, sendo que parcela significativa do referido valor tocaria a despesas com pessoal encarregado pela segurança e atendimento dessas unidades.

A atual economia brasileira, que repercute de forma mais grave nos Estados Federados, alguns deles com histórico de parcelamento e até inadimplência da remuneração de servidores e praticamente todos às voltas com os rigorosos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, demonstra, até a olhos desatentos, que as medidas propostas esbarram nas incontornáveis regras do mercado.

O tratamento da grave situação do sistema prisional brasileiro exige medidas imediatas, mas, certamente, o país não logrará melhores resultados fazendo mais do mesmo. O país precisa combater eficazmente seu déficit de vagas mas os ditames da economia demonstram que a pura e simples construção de novas unidades prisionais não só esbarra em limitações financeiras evidentes como revela resultados pouco efetivos.

Tanto assim que EUA, China e Rússia, únicos países que encarceram mais do que o Brasil e reconhecidos por economia muito mais robusta que a brasileira, implementaram na última década medidas de redução de seus índices de encarceramento em percentuais de até 24%, em ferramenta de política criminal destinada a promover a antecipação da soltura de encarcerados.

É imprescindível que o Brasil reveja a eficiência de seu sistema de Justiça criminal como um todo de modo a reservar, de fato, o cárcere àquele que não dispõem de condições para cumprimento de sanção penal em liberdade, o que não se faz apenas com obras.



*Thiago Colnago Cabral é juiz de direito em Minas Gerais, mestrando em direito penal e criminologia pela USP, orientador dos cursos de formação e aperfeiçoamento de magistrados da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ganhador do Prêmio Innovare em 2013