A mesa antiga de madeira embaixo da sombra de uma jaqueira com tamboretes improvisados se transformou em uma sala de audiência onde o juiz Rafael Arrieiro Continentino, da Comarca de Santa Maria do Suaçuí, realizou na manhã de terça-feira, 30, um interrogatório em processo de curatela de José Maria Batista do Nascimento, de 102 anos.
Sem condições de sair de casa por conta da idade avançada, que gerou sérios problemas de locomoção, José não teria como ir ao fórum, distante cerca de 10Km de onde mora, para que sua audiência fosse realizada. Morador da zona rural do município, o jurisdicionado não tinha acesso a carro ou a qualquer outro meio de transporte para comparecer diante do juiz.
Sabendo da condição de José, Rafael Continentino não pensou duas vezes e agendou a audiência para a casa do jurisdicionado. O magistrado e o oficial de Justiça Jocilan Andrade dos Santos foram recebidos por José e seus familiares com uma mistura de surpresa e satisfação. “É como se eles não acreditassem que um juiz estivesse mesmo ali, na casa deles. Costumo bater um papo para descontrair um pouco e deixar a pessoa mais à vontade. Às vezes, tomamos até um cafezinho. Só depois inicio o trabalho”, conta o magistrado.
Quando entrou na casa de José, Rafael Continentino se deparou com a precariedade do local. “Vi que lá dentro não tinha sequer um lugar para nos sentarmos. Então, fomos para a área externa da casa. Fui anotando as respostas à mão porque não havia condições de usar o computador”, afirma.
Após o interrogatório, o magistrado afirma ter saído da casa de José com a convicção do dever cumprido. “Saí de lá sentindo alegria e satisfação por saber que, enquanto juiz, posso de fato ajudar a população e trazer melhorias para a comarca”, diz.
Acesso à Justiça
Esta não foi a primeira vez que o magistrado precisou ir até um jurisdicionado para dar andamento a um processo. Certa vez, idosos de um asilo na cidade de São Sebastião do Maranhão, que faz parte da comarca, tinham processos semelhantes ao de José. Para dar celeridade aos trâmites e evitar a locomoção dos idosos, Continentino decidiu ir até o asilo e fazer lá mesmo todas as audiências.
Em outra situação, o magistrado foi até o carro de uma senhora que estava com a saúde muito debilitada e não conseguia subir as escadas do fórum. “Fui ao estacionamento do fórum, onde a senhora estava, entrei no carro dela e a gente conversou ali mesmo”, diz o juiz.
Para facilitar o acesso dos jurisdicionados à Justiça, Continentino está batalhando, junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), para aprovar a construção do novo fórum de Santa Maria do Suaçuí, mais acessível.
O juiz afirma que atitudes como a dele estão relacionadas a um novo perfil de magistrado, que vê a importância de sair de seu gabinete e ir - literalmente - até o cidadão, quando necessário. “O isolamento que ainda existe por parte de alguns juízes é cultural e depende do perfil de cada magistrado. É natural. Agora, há outros juízes que não trabalham de forma isolada e gostam de conversar com a comunidade e conhecer a realidade da população, como é o meu caso”, afirma.
Para Continentino, o magistrado também tem esse papel de ir ao encontro do cidadão e levar a Justiça efetivamente a quem precisa. “Isso é uma forma de garantir o amplo acesso ao Poder Judiciário. O fato de uma pessoa apresentar um problema não pode impedi-la de ter essa garantia fundamental”, diz.