Se durante a Copa das Confederações parte dos protestos na capital mineira deixou rastro de destruição, com atos de vandalismo contra vários estabelecimentos , no ano que vem o cenário pode ser ainda pior. Essa é a avaliação da juíza Valéria da Silva Rodrigues, da Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte. Ela participou ontem, com autoridades da Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público estadual e da Defensoria Pública do estado, de reunião na Assembleia Legislativa que avaliou a atuação da PM nos protestos.
A magistrada teme combinação entre o destaque de um evento como a Copa do Mundo’2014, o período eleitoral e o perfil dos adolescentes envolvidos, tomando como base as características dos apreendidos. Segundo ela, os jovens são de classe média baixa, não têm ficha policial, não são ligados a nenhuma ideologia e nem têm ideia elaborada sobre a motivação do movimento. Para a juíza, isso indicaria que mais jovens podem ser recrutados para outras quebradeiras. Segundo a Polícia Civil, entre 17 e 29 de junho, 57 adolescentes foram encaminhados à delegacia e 21 apreendidos à disposição do Juizado da Infância e Juventude. Desses, cinco permanecem acautelados.
Durante a reunião, a juíza contou que em conversa com um dos meninos apreendidos, de 12 anos, questionou o motivo que o levou a participar do protesto. “Ele respondeu que era contra a PEC 37”, diz Valéria, emendando com o fato de que o garoto não tinha noção do significado daquela proposta de emenda constitucional derrubada na semana passada pelo Congresso Nacional. Essa resposta, para a magistrada, mostra que os adolescentes estavam ali sem um propósito e podem ter sido aliciados, independentemente de partido político ou organização. “Esses que foram presos agora não serão mais arregimentados para as próximas manifestações porque eles já têm passagens pela polícia. Vão ser chamados novos que ainda não têm (ficha). Como estaremos perto das eleições, creio que será ainda pior”, projetou a juíza durante a audiência na assembleia.
Outra questão que chamou a atenção da magistrada foi a presença de pais próximos aos filhos, o que indica que eles podem ter sido coniventes com os atos de vandalismo. Segundo a juíza, essas pessoas também podem responder judicialmente, caso sejam identificadas e o Ministério Público faça algum pedido de providências. Uma das possibilidades é um processo na esfera cível por causa da situação de risco a que os menores foram submetidos em meio ao quebra-quebra.
Gravado
Durante o encontro, vídeos sobre os protestos foram exibidos. As imagens levadas pela PM foram produzidas por duas emissoras de televisão, por um cinegrafista amador e pela própria corporação. De acordo com o Ministério Público, entre 500 e 600 pessoas participaram de atos de vandalismo. Foram designados oito promotores para acompanhar os protestos, sendo quatro da área de direitos humanos que ficaram de plantão, dois na linha de frente das manifestações e dois no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) provisório, que funciona na Cidade Administrativa.
Segundo o comandante do Policiamento Especializado da PM, coronel Antônio de Carvalho, desde o momento em que o Brasil foi confirmado como o país sede da Copa das Confederações e da Copa do Mundo a PM tinha ciência de que enfrentaria manifestações, como ocorreu em outros países que receberam eventos da Fifa. “Agora, temos um conhecimento bem mais amplo, que nos permite planejar dentro de outro contexto”, afirma. Ele acredita ainda que o trabalho de investigação para identificar vândalos será importante.
VALÉRIA RODRIGUES, Juíza da Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte
1) O que a senhora imaginava sobre os jovens que participaram dos protestos e foram apreendidos por vandalismo?
Eu imaginava que eram atos aleatórios inconsequentes de adolescentes que aproveitam para se divertir de uma forma errada. Fiquei estarrecida, não sabia que era uma coisa tão organizada, conforme a Polícia Militar demonstrou pelas imagens.
2) Qual é a projeção para o ano que vem?
Será pior, porque a Copa do Mundo precede um período de eleições muito importantes para o país, o que ganha uma conotação muito maior. Já que é tudo armado e não depende de facção ou partido, imagino que virá com ainda mais força, com a possibilidade de novos jovens arregimentados.
3) O que deve ser feito para evitar consequências piores na Copa do Mundo?
Precisamos de um planejamento em cima do que aconteceu, envolvendo todos os órgãos da segurança. Pela experiência que tivemos, temos de preparar um plano de prevenção para evitar o pior. Conversei com os promotores da Infância e Juventude e eles querem que a Polícia Militar nos mostre como pretende atuar durante a Copa do Mundo.
PM diz que agiu para evitar o pior
Um dos pontos discutidos na reunião na Assembleia Legislativa entre representantes de várias instituições da segurança pública foi a atuação da Polícia Militar durante os três principais dias de manifestação em BH. Nessas datas, correspondentes aos jogos da Copa das Confederações realizados no Mineirão (Nigéria x Taiti, 17 de junho; México x Japão, dia 22; e Brasil x Uruguai, 26) , manifestantes saíram da Praça Sete, no coração da cidade, e marcharam até o cruzamento das avenidas Antônio Carlos e Abrahão Caram, local onde houve atos de vandalismo e confrontos. O tenente-coronel Alberto Luis, assessor de comunicação da PM, falou a respeito da atitude da corporação na quarta-feira passada, quando os militares foram questionados por não terem agido a tempo de evitar a quebradeira.
Na avaliação do tenente-coronel, as imagens exibidas na audiência deixavam claro que especialmente no dia da última manifestação, quando Brasil e Uruguai jogaram pela semifinal do torneio, baderneiros se posicionaram entre dois grandes grupos de manifestantes. Um bloco cumpriu o que foi combinado e seguiu pela Antônio Carlos, enquanto outro ficou assistindo à quebradeira e serviu de escudo para vândalos. “Se atuássemos nesse momento correríamos o risco de ter muitas pessoas machucadas, algumas até caindo do viaduto. Por isso, a ação dos arruaceiros era se misturar com gente de bem”, afirma o militar, garantindo que a prioridade é a preservação de vidas.
Questionado sobre militares que atingiram pessoas que estavam se manifestando pacificamente, especialmente em 17 de junho, data do primeiro ato de protesto, o assessor da PM disse que naquela ocasião as ações ainda eram uma novidade para a corporação e por isso foram feitos bloqueios na Avenida Antônio Carlos, antes do cordão de isolamento. “Nesse caso não tínhamos condições de diferenciar quem era bem intencionado e quem era arruaceiro”, afirmou o tenente-coronel.
Polícia pede prisão de envolvidos
Enquanto as investigações da Polícia Civil caminham em duas frentes para responsabilizar vândalos que agiram nas manifestações na capital – uma que investiga grupos radicais organizados e outra para punir vândalos isolados –, a corporação já tem em mãos mandados de prisão temporária contra baderneiros expedidos pela Justiça. Segundo a delegada Gislaine de Oliveira Rios, que coordena a força tarefa montada para apurar as quebradeiras, por questões de sigilo não é possível informar quantas pessoas estão sendo procuradas. A policial adiantou que com a conclusão de alguns inquéritos, tanto Ministério Público quanto Justiça já se manifestaram a favor de prisões.
Ainda não é possível saber quando toda a apuração estará concluída, principalmente por causa do volume de imagens à disposição dos investigadores. “Como são muitas filmagens, o trabalho é demorado. Ainda precisamos qualificar outros autores para finalizar os inquéritos”, diz a delegada. Uma medida importante que pode ajudar a Polícia Civil a associar o vandalismo a determinadas pessoas é a presença de provas técnicas, como o DNA.
Durante a reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com a presença de diversas autoridades que assistiram a vídeos dos confrontos entre manifestantes e Polícia Militar, o superintendente de Investigações e Polícia Judiciária da PC, Jeferson Botelho, afirmou que foram feitas 80 perícias em locais dos crimes. Houve coleta de sangue e urina que podem ser usados no momento que as investigações avançarem para grupos mais restritos de suspeitos. Nesse caso, eles teriam o material genético confrontado com o que foi colhido. “Esse tipo de prova nos garante a materialidade do delito”, afirma Botelho.
Fonte: Estado de Minas