A juíza Andréa Calado da Cruz, titular da Vara da Infância e Juventude de Olinda (PE), está sendo investigada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por supostas irregularidades na concessão da guarda provisória de uma criança. A Corregedoria-Geral do Ministério Público de Pernambuco (MP-PE) encaminhou documentação acusando a magistrada de suposto favorecimento a um casal formado por um piloto norte-americano e uma esteticista carioca, com residência em Fort Lauderdale, cidade da Flórida. Eles não estavam inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, como prevê a lei, e passaram na frente de 37 famílias olindenses. No topo da lista de espera, estão a artista plástica Bernadete Moraes, 54 anos, e o aposentado Adamir Anghinoni, 61, que esperam há dois anos para adotar uma segunda criança.

O suposto favorecimento começou a ser desvendado em maio deste ano, quando a esteticista procurou a Promotoria da Infância e Juventude afirmando que adotaria a menina M.A., com 9 meses de vida, que vivia em um dos abrigos do município. “Questionamos como ela a conheceu, já que o acesso ao local é restrito e necessita de autorização judicial. Não se pode ir direto ao abrigo escolher uma criança, precisa seguir as normas do Cadastro Nacional de Adoção e haver o cruzamento de dados para se verificar a compatibilidade”, explicou a promotora Henriqueta de Belli.

A mulher alegou à promotora que foi ao local fazer uma doação e que, por acaso, conheceu a menina. Também confessou, ao ser questionada, não fazer parte do cadastro. Ela então foi informada de que não conseguiria a guarda da criança, porque há lista de espera. Na mesma semana, a equipe do abrigo relatou à Promotoria que o casal estava visitando M.A. diariamente com autorização judicial — inclusive com saídas para passeios. “Nem casais com cadastro possuem esse direito”, criticou a promotora.

Em 21 de maio, o pedido de guarda provisória foi oficializado na Justiça. O parecer do MP-PE foi contrário. Mesmo assim, em 10 de junho, a juíza Andréa Calado concedeu a guarda. A Promotoria só tomou conhecimento da decisão 15 dias depois, porque a equipe técnica entrou em contato com o órgão. “Em momento algum, a magistrada deu vista ao MP-PE para que pudéssemos nos posicionar”, pontuou a promotora Henriqueta. Na decisão, segundo ela, a juíza autoriza a emissão de passaporte para a menina para viagem internacional. “Por lei, nenhum casal estrangeiro pode sair do país com uma criança apenas com a guarda. Primeiro, precisa adotá-la, o que só acontece aos 3 anos de idade.”

Para a Promotoria, essa autorização é outro indício de que se trata de adoção internacional e de que houve forte favorecimento, pois, normalmente, o tempo de espera de casais do exterior é de quatro anos, mas, em dois meses, o casal conseguiu a guarda. A promotora denunciou ainda que os requerentes forjaram o aluguel de uma casa em Olinda. “Isso foi feito às pressas para comprovar que eles tinham a intenção de residir na cidade enquanto a guarda permanente não sai. O casal mora e trabalha nos Estados Unidos e deve voltar para lá.”

Diante da possibilidade de a criança sair do país, a Promotoria pediu à Corregedoria-Geral do MP-PE para levar o caso ao CNJ e à Corregedoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE). “Nossa preocupação maior é abrir um precedente. Houve desrespeito ao Cadastro Nacional de Adoção e há fortes indícios de uma adoção fraudada”, concluiu Henriqueta.

Se comprovadas as irregularidades, a juíza Andréa Calado pode ser penalizada. A reportagem entrou em contato com as assessorias do CNJ e da Corregedoria do TJ-PE. Ambas confirmaram as investigações, mas informaram que os titulares das instituições não se pronunciam sobre o caso.

Segredo de Justiça
Por meio de nota, a juíza Andréa Calado “explica que ainda não foi notificada sobre a denúncia (do CNJ). Também esclarece que a decisão sobre o assunto foi tomada com base em lei para resguardar o interesse da criança, e que o processo corre em segredo de Justiça.

Ainda sobre a decisão, Andréa informa que o Ministério Público recorreu e o processo ainda será analisado. Na decisão da guarda provisória, a juíza cita que “a menor encontra-se abrigada há mais de oito meses, sem ter sido inscrita no Cadastro Nacional de Adoção, inviabilizando cada dia mais a sua rápida colocação em uma família substituta, bem como apresenta sérios problemas respiratórios, necessitando de cuidados especiais extremos”.

Para conceder a guarda permanente, a magistrada aguarda parecer positivo da equipe técnica da Vara da Infância e Juventude, que realiza visitas frequentes ao casal, e também o resultado do recurso do MPPE que ainda será analisado pelo TJ-PE. Andréa Calado, 35 anos, completou 10 de carreira como juíza. Em janeiro, ela assumiu a Vara da Infância e Juventude em Olinda.

“Nossa preocupação maior é abrir um precedente. Houve desrespeito ao Cadastro Nacional de Adoção e há fortes indícios de uma adoção fraudada”
Henriqueta de Belli, promotora

Na fila há dois anos
Há cerca de dois anos, Bernadete e Adamir decidiram aumentar a família. Seguiram todos os procedimentos convencionais, como exige a legislação, e entraram para o Cadastro Nacional de Adoção. Não fizeram distinção de faixa etária, sexo ou cor, como ainda é comum entre outras famílias candidatas. O casal é o primeiro da lista de espera em Olinda, e até hoje aguarda por um comunicado da Vara da Infância e Juventude para conhecer um pretendente a filho ou filha. “É a empatia entre a gente e a criança que vai determinar se vamos ficar juntos”, disse Bernadete. A artista plástica e o marido têm dois filhos: Luigi, 26 anos, e Júlia, 12, adotada há quase seis anos.

Fonte: Correio Braziliense