No começo deste mês, a Justiça Federal de Cuiabá resolveu que um dos acusados de pertencer a uma organização de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro deveria ser fiel depositário dos bens apreendidos, 10 veículos de luxo. Os veículos estavam apreendidos há cinco meses e precisavam de reparos. Do contrário, os bens poderiam se degradar. Se ao final do processo, os acusados forem absolvidos, ficarão com os carros. Se condenados, os bens já defasados e desvalorizados ficarão com o poder público que nada poderá fazer com eles.

Foi pensando em melhorar a lei para a recuperação de bens obtidos de maneira ilegal que o Ministério da Justiça resolveu incluir o tema no projeto Pensando o Direito. O trabalho ficou a cargo da equipe da FGV Direito Rio, que pesquisou não só a lei e a jurisprudência, mas fez um estudo com os juízes criminais do país para saber o que eles pensavam sobre os instrumentos que lhes eram concedidos legalmente.

A pesquisa abrangeu o período de agosto de 2008 a agosto de 2009. Os pesquisadores, sob coordenação do professor Thiago Bottino, primeiro quiseram saber se os juízes tinham conhecimento das mudanças decorrentes da Lei 11.719/08, que prevê a estipulação de valor mínimo para a reparação dos danos causados pelo crime. A grande maioria respondeu que conhecia muito e apenas 2% disseram não ter conhecimento.

Por outro lado, metade deles disse que não foi fixado o valor mínimo para reparação; 21% dos juízes disseram ter estabelecido em 25% das sentenças condenatórias e 12% em três quartos. Em 85% dos casos em que houve fixação, tratava-se de crime contra o patrimônio.
A pesquisa também avaliou a opinião dos juízes a respeito. Entre as respostas estão os mecanismos já existentes, como na esfera cível, em que a vítima do crime entra com ação de indenização ou, na área administrativa, com a cobrança de dívidas pela Receita nos casos de sonegação ou apropriação indébita.

Outro ponto pesquisado foi em relação às medidas cautelares para impedir que os bens fossem vendidos, por exemplo. No caso de sentenças condenatórias em que houve fixação de dano para a reparação do crime, 96% dos juízes disseram que não aplicou em nenhuma o poder geral de cautela.

Os pesquisadores também quiseram saber se o juiz considera defasada a lei sobre medidas cautelares patrimoniais penais. Do total, 57% disseram que a lei está um pouco desatualizada, 25% acham que está muito defasada e 18% entendem que não está. A pesquisa contou com a participação de pouco mais de 17% dos juízes criminais do país, a maioria de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

O professor Thiago Bottino afirma que ao estudar as propostas de alteração do Código constatou que de várias comissões que discutiram anteprojetos para modificações no Código de Processo Penal, apenas o da comissão de Frederico Marques tratou da recuperação, em 1970, portanto, quase 30 depois do Código de 1941.

Ele afirmou que as propostas atuais têm muito do que já tinha lá. Mas, hoje, disse Bottino, a realidade é diferente daquela. “Se não há detalhamento, há muita contestação. Antigamente, não era assim.”

O professor explica que as leis atuais não dão muitas opções ao juiz em matéria de medidas para garantir, por exemplo, que um bem não enferruje nos locais onde são guardados enquanto corre um inquérito ou um processo.

Iniciativas


Sem lei, fica a critério de juízes decidirem o que fazer. Foi o caso do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que decretou o sequestro dos bens do banqueiro Edemar Cid Ferreira em favor da União. O juiz foi além e decidiu transformar a casa dele em um museu.

A decisão do juiz não teve efeito. Não porque foi considerada irregular, mas devido a um conflito de competência entre o juízo da 6ª Vara Federal e a 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo.

O ministro Massami Uyeda, do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que não há motivos que impeça o juiz criminal decretar a perda dos bens obtidos de forma ilegal. Entretanto, disse o ministro na decisão, se os bens fazem parte de empresa em processo de falência, a competência para distribuir o patrimônio da massa falida é da Vara de Falências e Recuperações Judiciais, mediante provocação.


Fonte: Consultor Jurídico