O julgamento de um dos processos que mais procupam as duas maiores empresas de tabaco no Brasil, a Souza Cruz e a Philip Morris, foi adiado no Tribunal de Justiça de São Paulo. A ação foi ajuizada em 1995 pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante (Adesf), que pede indenização pelos danos morais e materiais causados a consumidores fumantes e ex-fumantes associados à Adesf e que moram em São Paulo. A ação coletiva foi a primeira ajuizada no país por danos atribuídos ao fumo.

A associação alega que as empresas estariam prejudicando os consumidores com propaganda enganosa e abusiva, já que os anúncios de cigarros veiculados por elas passariam a imagem de fumantes como pessoas bem sucedidas, saudáveis e bem relacionadas. Além disso, as empresas são acusadas de omitir informações sobre a dependência provocada pela nicotina e os riscos à saúde.

Em 2010, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que as empresas fabricantes de cigarro não podem ser responsabilizadas pelo desenvolvimento de doenças associadas ao consumo do seu produto. E foi exatamente esse o argumento dos advogados da Souza Cruz e da Philip Morris, respectivamente Antônio Lopes Muniz e Fernando Dantas.

O relator do caso, desembargador Henrique Nelson Calandra (foto), e o revisor, Luiz Antônio Costa, negaram provimento à preliminar da ação, em favor das empresas, mas o terceiro juiz, Miguel Brandi, pediu vista por achar que foram levantadas questões importantes durante a sustentação dos advogados de defesa durante audiência nesta quarta-feira (28/1).

Sustentações
O advogado da Adesf Manuel de Paula e Silva foi pontual em seu argumento, pendendo pelo lado humanitário: “O Poder Legislativo tem feito alguma coisa. Se o Poder Judiciário abraçar a causa, um precedente poderoso será aberto no sentido de se fazer justiça e salvar vidas”.

Mas Antônio Lopes Muniz, da Souza Cruz, sustentou o argumento da inexistência da culpa exclusiva: “A publicidade não é causa única indutória do ato de fumar. O artigo 403 do Código Civil diz que o dano a ser indenizado e a culpa do agente depende de ano direito exclusivo. E se, neste caso, o dano não é direito e nem exclusivo, o único argumento da demanda está superado”, ressaltou. Segundo ele, o tema não apresenta a controvérsia alegada.

Já Fernando Dantas, da Philip Morris, foi incisivo ao dizer que o tema não é novidade e que o Judiciário brasileiro vem enfrentando o tema desde 1995, quando essa ação foi ajuizada. Segundo ele, de lá para cá, mil decisões – entre sentenças e acórdãos – foram proferidas pela rejeição das demandas. Dantas afirmou que, se as decisões por improcedência julgam que a propaganda da indústria do cigarro não é abusiva nas ações coletivas, nas ações individuais elas também não poderia ser.

Além disso, o advogado da Philip Morris atentou para o conceito de dependência: “O conceito sofreu significativa alteração ao longos dos anos e continuará a mudar pode ser um conceito científico. Mas o que não se alterou nos últimos anos é uma realidade que todos conhecemos: as pessoas param de fumar”. Ele apresentou dados do IBGE que afirmam que há mais ex-fumantes (26 milhões) do que fumantes (24,6 milhões) no Brasil. “Ao consumidor deve ser imputada culpa exclusiva, porque fumar é uma opção que envolve riscos conhecidos e nada impede que o fumante decida parar de fumar em qualquer tempo, já que a nicotina não afeta a autodeterminação do consumidor”, pontuou.

Votos
Relator do caso, o desembargador Calandra citou o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Renato Nalini, ao destacar que a jurisprudência brasileira “não pode ser alterada sistematicamente na medida que variam as apresentações e espécies porque tanto a população quanto as empresas e o governo querem a certeza do que vai acontecer e que, portanto, uma associação que representa os consumidores deve esperar uma decisão serena”. Ele ainda deu um depoimento pessoal: “Estou há 20 anos não fumante, depois de fumar por décadas. Realmente, os males do cigarros são constatados facilmente, mas são causados pelo abuso, não pelo simples fato de fumar um cigarro ou dois”.

Com esse entendimento ele negou provimento ao recurso, mantendo a sentença. Ele foi seguido pelo revisor, desembargador Luiz Antônio Costa: “Fico alegre pela repercussão do caso porque mostra uma confiança da sociedade no Poder Judiciário. Essa matéria já foi discutida incessantemente. A atividade da empresa é lícita e o número de pessoas fumando é menor hoje justamente por causa de propaganda, quando no passado a mídia e o cinema foram culpadas pelo glamour do cigarro. Hoje ninguém pode defendê-lo. O que resta é a questão da propaganda”.

O terceiro juiz, desembargador Miguel Brandi, no entanto, pediu vista: “Os 56 volumes dos autos — sem contar os adendos — estão no meu gabinete. As sustentações de hoje me ajudaram muito em minha convicção, mas algumas questões eu quero verificar melhor”.

Caso antigo
O litígio já dura 20 anos. Em 2008, o TJ-SP anulou a sentença de uma decisão favorável de 1ª instância à Adesf por considerar que a condenação das empresas sem a produção de provas violava o direito constitucional à ampla defesa. O processo foi devolvido à 19ª Câmara Cível de São Paulo e, depois de produzidas as provas (incluindo perícia médica e publicitária), foi reconhecida a improcedência dos pedidos da associação.

Já em 2011, uma sentença reconheceu os riscos associados ao consumo do produto, bem como a licitude da atividade e da comercialização de cigarros, a ausência de defeito no produto, a regularidade da publicidade veiculada pela companhia, o papel limitado na publicidade na decisão pessoal do fumante e a ausência de dever de informar antes da publicação da lei federal que instituiu as advertências em 1988.

Fonte: Conjur