Nenhum Estado está perto de tornar eletrônicos todos os processos, dois anos após vigência de lei sobre o assunto (Estado de São Paulo - 15/09)

A realidade nos protocolos dos tribunais brasileiros faz lembrar ainda hoje o setor de carga e descarga de um supermercado. Quase dois anos depois de entrar em vigor a lei de informatização dos processos judiciais, as pilhas de papéis de petições, inquéritos e ações continuam a chegar aos tribunais em caminhões e carros dos Correios, como antigamente.

Até hoje, nenhum Estado brasileiro, mesmo os mais ricos, está perto de completar a informatização dos processos. E pelos cálculos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais dez anos serão necessários até tornar eletrônicos todos os processos.

Todo esse atraso gera situações que deveriam estar ultrapassadas nos tribunais. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, dois carteiros cumprem rotina típica de um estivador. Diariamente, o carro dos Correios pára a 200 metros do protocolo, carregado com 1.200 processos que chegam ao tribunal. Os dois funcionários descarregam toda manhã de 80 a 120 malotes, cada um com aproximadamente 25 quilos. São quatro carregamentos de processos, disponibilizados em carros-gaiola comprados pelo STJ. À tarde, os dois voltam ao tribunal para buscar outros 150 malotes recheados de processos. Resultado dessa soma: mais de 6 toneladas de papel movimentadas todo dia.

Para piorar a situação, os carteiros foram proibidos de estacionar em frente ao protocolo, onde os processos são deixados. A segurança teria recebido reclamação de um ministro da corte, que afirmou que a carga e descarga de processos "enfeia" o STJ. Mais um problema para os dois: a sala onde os processos são entregues é pequena, o carrinho usado pelos Correios não entra. E os carteiros são obrigados a arrastar os processos pelo chão. "Minhas costas começaram a doer", reclama o carteiro Edcarlos Leite.

Na mais alta corte do País, o Supremo Tribunal Federal (STF), a papelada toma conta dos gabinetes dos ministros. Em muitos, ocupam todas as estantes disponíveis e se espalham pelo chão na falta de prateleiras. Diante do volume de processos, o tribunal comprou um carrinho motorizado para carregar a papelada. Mas o que mais se vê nos corredores são funcionários terceirizados levando pilhas de processos em carrinhos puxados a mão.

Essa é apenas uma parte do problema gerado pelas ações em papel. Depois que chegam aos protocolos dos tribunais, os processos enfrentam uma longa burocracia até chegar aos juízes, trâmite que envolve carimbos, assinaturas e diversos despachos. Tudo isso contribui para o maior dos problemas da Justiça: a morosidade. "Boa parte da tramitação desses processos é consumida nesse vai e vem", afirmou o juiz Antônio Umberto, que integra o CNJ.

Dados divulgados pelo conselho no ano passado mostram que 70% do tempo gasto na tramitação de um processo é despendido em atos gerados pela burocracia do papel, como a expedição de certidões, protocolos, registros ou o ato antiquado de carimbar os processos.

Além disso, geram um custo milionário, que seria suplantado pelos computadores. Um processo de papel de 20 folhas custa em torno de R$ 20. Se 20 milhões de processos chegam a cada ano ao Judiciário, o custo material é de R$ 400 milhões.

PRAZO

Ex-presidente do CNJ, a ministra Ellen Gracie previu, quando a lei entrou em vigor, que a informatização dos processos levaria dois anos. Passado esse tempo, o mesmo conselho admite que o prazo está distante da realidade. "O prognóstico foi feito sem o devido diagnóstico do problema", explicou o secretário-geral do CNJ, Álvaro Ciarlini. Hoje, com informações que dão a real dimensão do problema, o conselho trabalha com um prazo cinco vezes maior."Temos um planejamento que vai se estender pelos próximos dez anos", afirmou Ciarlini.

O primeiro passo é suprir os tribunais estaduais, especialmente do Norte e do Nordeste, de computadores e programas que permitam a tramitação informatizada dos processos. O atraso de alguns é tanto que no ano passado o CNJ gastou R$ 76 milhões para compra de equipamentos. Além da escassez de computadores e programas, outro problema atravanca a modernização da Justiça. "Existe uma questão cultural. Juízes, procuradores e as partes se assustam com um processo que não esteja em papel", afirmou Antônio Umberto. O receio é que os processos sejam alterados ou sumam no espaço virtual. "As pessoas não percebem que o processo eletrônico é mais seguro", disse. "Elas têm que perceber que esse é um processo irreversível."

O CNJ também procura viabilizar que os diferentes programas desenvolvidos nos tribunais de cada Estado sejam compatíveis. Só então o conselho vê chances de implementar em definitivo os processos integralmente informatizados.

Fonte: Migalhas