Juiz Fernando Galvão da Rocha

Para as gerações posteriores ao período da ditadura militar (1964-1985), a Justiça Militar é uma ilustre desconhecida. Mesmo aos alunos mais dedicados dos cursos de Direito, a rotina de trabalhos desta Justiça especializada é totalmente desconhecida. No momento em que o Supremo Tribunal Federal volta suas atenções para o período de exceção da história recente do Brasil, ao enfrentar a discussão sobre a validade jurídica da lei de anistia e a possibilidade de punição para os crimes praticados pelos agentes do Estado durante a repressão, é pertinente observar como, nos dias atuais, a Justiça Militar insere-se no contexto democrático.

Ao tempo do regime ditatorial, a Justiça Militar da União recebeu competência para o processo e o julgamento dos crimes praticados contra a segurança nacional. No exercício de tal competência, a Justiça Militar federal desempenhou papel de destaque no contexto da repressão militar. Como revelou o projeto de pesquisa levado a efeito pela arquidiocese de São Paulo, denominado Brasil: nunca mais, a Justiça Militar da União não foi capaz de punir as graves violações aos direitos humanos praticadas pelos agentes da repressão política. Não houve uma condenação sequer pelas torturas e mortes realizadas por agentes do Estado brasileiro. Essa atuação fez com que, até os dias atuais, a sociedade brasileira vinculasse a justiça especializada ao período de exceção e à dívida contraída pelo Estado repressor viesse a ser cobrada na suprema corte.

Hoje, no entanto, vivenciamos novos tempos. Tempos de iluminação, de liberdade e de responsabilidade social. Todas as instituições nacionais renovaram seus quadros, e o ideal libertário voltou a orientar a atuação da justiça especializada militar. Superamos aqueles dias de trevas e, justamente por isso, independentemente do resultado do julgamento histórico do Supremo Tribunal, pelo trabalho de cada dia, estamos construindo uma identidade democrática para a Justiça Militar. Sobretudo no que diz respeito à atuação de seu ramo estadual, que é o competente para o julgamento dos crimes militares praticados por policiais e bombeiros militares, a vocação democrática da Justiça Militar se acentua. Havendo excessos praticados por policiais militares contra civis, no exercício das funções de policiamento ostensivo, a Justiça Militar garante os direitos do cidadão frente ao aparato repressivo do Estado. Considerando as dificuldades inerentes aos serviços próprios ao enfrentamento da criminalidade, a justiça especializada também assegura um julgamento justo ao cidadão que serve à comunidade usando um fardamento militar. Longe de ser uma Justiça de exceção, a Justiça Militar é um ramo especializado de atuação do Poder Judiciário democrático que está a serviço do cidadão, seja ele civil ou militar.

Perfeitamente integrada aos esforços que o Poder Judiciário nacional empreende para a melhora da qualidade e da eficiência dos serviços que asseguram a tutela dos interesses maiores da sociedade, a Justiça Militar do Estado de Minas Gerais firma compromissos cada vez mais claros com o Estado Democrático. Esperamos que a sociedade acompanhe de perto esse trabalho, oferecendo suas críticas e contribuições para que possamos alcançar o nível de excelência que a sociedade mineira merece.

* Fernando Galvão da Rocha é juiz civil corregedor da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, professor adjunto da Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Minas Gerais.

Este artigo foi publicado na editoria de Opinião do jornal Estado de Minas, edição desta terça-feira, 13/04/2010.