kildare_site.jpg
O desembargador Kildare Gonçalves Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, considera que a principal virtude da Constituição de 1988 foi ter rompido com uma era constitucional autoritária e ter garantido, no nosso ordenamento jurídico, o respeito aos direitos humanos fundamentais. Ele, porém, acredita que a Constituição poderia ser aprimorada, por exemplo, com uma reforma no sistema federativo brasileiro, que potencializasse a atuação de Estados e Municípios.

Kildare Carvalho é um estudioso do constitucionalismo e já publicou diversas obras sobre o tema, entre elas os livros “Direito Constitucional Positivo” e “Teoria do Estado e da Constituição, ambos pela Editora Del Rey.

Nesta entrevista à reportagem da Amagis, dentro da série especial sobre 25 anos da Constituição de 1988, o magistrado fala mais sobre o tema.

O que a Constituição de 1988 trouxe de mais importante para a sociedade brasileira?

Possibilitou a abertura para transformações em nosso País, em termos de ordem jurídica e de interpretação de todo o Direito, em especial no que diz respeito aos direitos humanos fundamentais e à inclusão social e política. Por ser uma Constituição de princípios, de justiça social e de direitos fundamentais, o texto promulgado em 1988 é um marco em nosso constitucionalismo democrático, pois rompeu com uma era constitucional autoritária, adotando matrizes e, portanto, tendo uma sinergia com várias Constituições da modernidade, entre as quais se destacam a Constituição de Portugal, de 1976, e a da Espanha, de 1978.

E o qual o principal problema?

A busca da efetividade, que não depende apenas do que se acha expresso no texto constitucional, mas, sobretudo, de uma legislação regulamentadora (para se ter uma ideia, o número de dispositivos constitucionais não regulamentados está na casa de 39% do texto constitucional) e da formulação e execução, pelo Executivo, de políticas públicas adequadas. De qualquer maneira, o Judiciário vem cumprindo sua parte, pois tem viabilizado, mediante uma interpretação construtiva e democrática da Constituição, que direitos e garantias sejam assegurados, à falta de leis e de providências normativas, aquelas porque o Legislativo se abdica de sua função de legislar, e estas porque o Executivo não atua naqueles setores em que deveria atuar.

O que ainda precisa ser feito?

Além da reforma política, necessária para o combate à corrupção no âmbito da dinâmica política e eleitoral, talvez uma reforma do sistema federativo brasileiro possa contribuir para maior desempenho dos Estados e Municípios na construção de alternativas para o desenvolvimento de suas potencialidades e, com isso, viabilizar a implementação descentralizada de políticas sociais e ambientais.

Houve, recentemente, uma proposta de Constituinte para fazer a reforma política. Essa proposta é viável?

Penso que o modo de reformar a Constituição se acha previsto no seu art. 60, que trata do processo de emenda, com a definição dos titulares da iniciativa de proposta da emenda, dos limites procedimentais, matérias e formais. A formação de uma Constituinte exclusiva, com o objetivo de se promover uma reforma política, cujos modelos são em grande número, não me parece justificável, tendo em vista, principalmente, que a convocação e a instalação de uma Assembleia Constituinte originária dependem de uma ruptura da ordem jurídica, fundada numa nova ideia de direito que irá substituir a ordem anterior que perdera a legitimidade. No caso de que se trata, não vejo caracterizada a ruptura da ordem constitucional, que leve à instalação de uma Constituinte, ainda que parcial, seja porque a atual Constituição tem perfil democrático, seja porque essa Constituinte atropelaria o processo de alteração da Constituição, que acima mencionei.

O Brasil já teve sete Constituições ao longo de sua história. O senhor acredita que podemos vislumbrar algum dia uma Constituição brasileira mais perene como a dos Estados Unidos?

Os 25 anos de vida da Constituição de 1988 devem ser comemorados por todos nós, apesar das dificuldades e das vicissitudes por que passou o texto constitucional ao longo desses anos, e que, apesar de ter sido alterada, até esta data, por 74 emendas constitucionais, e mais 6 emendas de revisão, já é a segunda Constituição mais longa de nossa história. Constituição eterna não existe, o que há são textos dotados de maior duração, permanência ou estabilidade na vida de um povo. A Constituição dos Estados Unidos, a despeito de mais dois séculos de existência, é dotada de uma peculiaridade própria do sistema jurídico norte-americano: apesar de poucas emendas, a jurisprudência da Suprema Corte (são prateleiras e prateleiras de jurisprudência) promove alterações e adaptações daquele documento constitucional, para atender às exigências do país e de seu povo.


Foto: Marcelo Albert/TJMG