Primeira mulher a chegar à presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ministra Laurita Vaz será empossada no cargo nesta quinta-feira (1º), às 17h30, no Pleno da corte. Originária do Ministério Público, a nova presidente, que integra o tribunal há quase 16 anos, acredita que o Poder Judiciário tem se mostrado capaz de atuar com firmeza quando provocado.
“O Brasil está atravessando um momento econômico – e, sobretudo, político – bastante conturbado. E é justamente em momentos de crise que as instituições que sustentam um Estado democrático devem se apresentar para, cumprindo seu papel constitucional, contribuir para a retomada do equilíbrio e da estabilidade do país. Nesse cenário, acredito que o Poder Judiciário tem atuado de maneira independente e imparcial”, afirma ela.
A nova presidente do STJ formou-se em direito pela Universidade Católica de Goiás. Especialista em direito penal e direito agrário, iniciou a carreira como promotora de justiça em Goiás. Foi nomeada para o cargo de procuradora da República de segunda categoria, com atuação no Supremo Tribunal Federal (STF). Promovida à primeira categoria, oficiou no extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR), na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho de primeira instância. Ocupou ainda os cargos de procuradora regional e de subprocuradora-geral da República.
Em 2001, Laurita Vaz tornou-se a primeira mulher oriunda do Ministério Público a integrar o STJ. Foi ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e corregedora-geral da Justiça Eleitoral. Desde 2014, ocupava a vice-presidência do STJ.
Cautelosa, acompanha a jurisprudência do STJ, seguindo a ideia de que alterar o entendimento repentinamente tumultua e traz insegurança jurídica. Sobre o acúmulo de processos, diz que é preciso “combater o excesso de recursos existentes na lei. Isso não tem sentido, pois o número excessivo de recursos faz com que ocorra um desvirtuamento da natureza dos tribunais superiores”.
Terceira instância
O crescente número de processos encaminhados ao STJ é uma das grandes preocupações da ministra Laurita Vaz. Segundo ela, o problema está na transformação dos tribunais superiores em terceira instância. Isso acaba impedindo a corte de cumprir o seu papel constitucional, que é, precipuamente, o de uniformizar teses jurídicas na interpretação da lei federal.
“Esse claro desvirtuamento da função institucional do STJ, que hoje se ocupa muito mais em resolver casos do que em estabelecer teses, tem provocado irreparáveis prejuízos à sociedade, porque impõe ao jurisdicionado uma demora desarrazoada para a entrega da prestação jurisdicional”, ressalta a ministra.
Um dos objetivos da gestão da nova presidente do STJ é sensibilizar o Congresso Nacional sobre a inadiável necessidade de se racionalizar a via recursal para a instância superior, de modo que seja resgatada a real missão do tribunal.
“É, portanto, crucial a aprovação de uma emenda constitucional para instituir um filtro de relevância para as questões a serem deduzidas no recurso especial para o STJ, nos moldes da repercussão geral exigida no recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, incluída pela Emenda Constitucional 45, de 2004”, afirma.
A ministra, entretanto, reconhece o enorme esforço dos ministros e dos servidores da corte, com resultados surpreendentes em termos de produtividade. “Todas as medidas que já foram adotadas em gestões passadas lograram êxito, no sentido de aprimorar e acelerar o julgamento dos processos, atendendo satisfatoriamente as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Mas precisamos resolver o problema na origem”, frisa Laurita Vaz.
Novo CPC
Sobre a possibilidade de o novo Código de Processo Civil trazer agilidade aos julgamentos, Laurita Vaz elogia seus inegáveis avanços, mas acredita que a nova lei não é capaz, por si só, de promover melhoras instantâneas.
Segundo ela, é também importante que todos os envolvidos – partes, advogados, promotores, juízes, conciliadores, mediadores e árbitros – comprometam-se com o espírito pragmático do legislador, que, em muitos pontos, pretendeu simplificar e agilizar a tramitação dos processos e a solução dos conflitos.
“A meu sentir”, diz a ministra, “as melhorias prenunciadas dependerão muito mais da postura dos que operam o direito do que propriamente da norma escrita. O STJ, por sua vez, tem promovido vários estudos, seminários e debates a fim de ajustar-se às mudanças, preparando e adaptando suas estruturas e rotinas de trabalho para tornar efetivas as normas processuais civis.”
Delação premiada
Para a nova presidente do STJ, o país precisa de respostas firmes a inúmeros desmandos desbaratados pelo trabalho duro, comprometido e independente de membros da Polícia Federal, do Ministério Público e da magistratura, que acabou por desvelar casos sistêmicos de corrupção na estrutura do Estado.
Segundo ela, a delação premiada pode ser um dos instrumentos utilizados para subsidiar o magistrado na hora de decidir uma medida cautelar ou prolatar uma sentença. Entretanto, ressalta a ministra, não será ela, sozinha, suficiente para impor uma constrição ou uma condenação a quem quer que seja.
“É importante entender que o instituto da delação premiada é uma das várias fontes das quais se vale o processo penal para angariar elementos de prova, a fim de subsidiar o magistrado na formação de sua convicção. Também parece claro e inegável que a delação tem sido instrumento de fundamental importância para orientar a linha de investigação e a produção de outras provas em muitos casos noticiados pela imprensa”, destaca Laurita Vaz.
E acrescenta: “O país precisa de uma reação imediata e proporcional ao tamanho do problema. Ninguém mais aguenta tanta desfaçatez, tanto desmando, tanta impunidade. A corrupção é um câncer que compromete a sobrevivência e o desenvolvimento do país.”
Mulher na presidência
Embora se diga honrada pela condição de ser a primeira mulher a presidir o STJ, Laurita Vaz considera que a questão de gênero não é a única que pode fazer diferença na atuação de um órgão julgador.
“Penso que a diversidade humana, que se traduz na pluralidade de pensamentos, experiências e ideias, essa sim é importante no engrandecimento das instituições, que devem nortear-se pelos princípios democráticos e de representatividade preconizados na Constituição Federal. Daí a necessidade de se fazerem presentes, em um colegiado, não só as perspectivas de homens e mulheres, mas também as de diferentes estratos sociais”, afirma.
A ministra lembra que, por ser mulher, vivenciou inúmeras dificuldades, principalmente para conciliar os estudos e a carreira com as tarefas domésticas e a criação dos três filhos. Mas, em nenhum momento, essas dificuldades a desanimaram.
“Não teria conseguido sem o carinho e o apoio incondicionais da família, que soube compreender a importância das funções que assumi e a necessidade de desempenhá-las com dedicação”, conta ela.
A nova presidente confia que o cenário de dificuldades e de preconceito contra as mulheres, aos poucos, está sendo deixado para trás: “No futuro próximo, a posse de uma mulher em um cargo relevante de direção não será mais nenhuma novidade e, por isso, nem sequer renderá notícia de destaque.”
Fonte: STJ