Sempre que há eleições gerais para cargos públicos nos EUA, os eleitores votam em proposições legislativas de todos os tipos – desde uma proposta de cessão de um terreno para a construção de um estádio para um time local, a de legalização da maconha ou de uma emenda da Constituição do estado. São referendos populares com força de lei. Em New Hampshire, uma proposição de emenda da Constituição do estado preocupa a comunidade jurídica do país. Se aprovada, atribuirá o controle do Judiciário estadual ao Legislativo.

A proposta de emenda se refere ao artigo 73 da Constituição do estado, em sua segunda parte, que passará a ter a seguinte redação (a emenda é o que está em itálico):

"O presidente da Suprema Corte [de New Hampshire] é o chefe administrativo de todos os tribunais. O presidente deve, com a concordância da maioria dos ministros da Suprema Corte, elaborar as regras que governam a administração de todos os tribunais do estado, bem como as práticas e procedimentos a serem seguidos por todos os tribunais. As regras promulgadas devem ter força e efeito de lei. O Legislativo terá um poder concorrente de regulamentar as mesmas matérias por lei. No caso de conflito entre a lei e a regra da corte, a lei, se ela não contrariar esta constituição, deverá prevalecer sobre a regra."

A justificativa para a emenda é, em parte, a seguinte: "Se alguém em nosso sistema judiciário comete um erro constitucional, a Suprema Corte de New Hampshire pode corrigi-lo. Se a Suprema Corte comete um erro constitucional, apenas o povo pode corrigi-lo". Teoricamente, o "povo" é representado pelo Legislativo, assim como o estado é representado pelo Executivo e a lei é representada pelo Judiciário. Por isso, o Legislativo estadual quer se atribuir a autoridade final e definitiva para regulamentar, através de leis estaduais, "a administração de todos os tribunais e as práticas e procedimentos a serem seguidos por todos os tribunais", de acordo com as publicações Concord Monitor e Seacoast Online.

O ex-governador e ex-procurador-geral de New Hampshire, Stephen Merrill, e o ex-ministro da Suprema Corte do estado, Joseph Nadeau, afirmam em um artigo publicado pelo Concord Monitor que os parlamentares estaduais querem assumir o controle do Judiciário estadual. "Respeitosamente, acreditamos que essa decisão é um erro. Nos sentimos compelidos a vir a público para dizer não a essa proposta", escreveram no artigo intitulado "O Legislativo não pode governar o Judiciário".

Os autores argumentam que essa proposta legislativa é importuna e extrema, porque viola um princípio fundamental da democracia constitucional: a de que os três poderes do governo devem ser separados e independentes. "Damos valor a um poder político independente, da mesma maneira que damos valor a um poder judiciário independente". E pedem aos eleitores que rejeitem a proposta de atribuir o controle dos tribunais ao Legislativo, porque "o controle político do Judiciário não é do interesse público".

Não é a primeira vez que essa emenda é proposta aos eleitores de New Hampshire. Ela já foi rejeitada em 2001 pelo próprios parlamentares, e em 2002 e 2004 pelos eleitores. Mas, desta vez, curiosamente, a Suprema Corte do estado decidiu, "em um gesto de boa vontade com os líderes do parlamento estadual, aceitar a nova redação dada ao artigo que dispõe sobre a administração do Judiciário".

Mas, segundo os autores do artigo, a proposta contraria as disposições do artigo 37 da Constituição Estadual de New Hampshire, segundo a qual os três poderes "devem ser mantidos separados e independentes uns dos outros, conforme a natureza de um governo livre pode admitir, ou de uma forma consistente com a cadeia de conexões que atam todo o tecido da Constituição em um vínculo indissolúvel de união e harmonia". Em outras palavras menos complicadas, dizem os autores, essa proposição de emenda, se aprovada, vai acabar com a separação dos poderes, corroer a independência do Judiciário e enfraquecer a conexão entre os poderes.

Na verdade, dos 50 estados americanos, 28 atribuem algum tipo de controle do Judiciário ao Legislativo estadual. Apenas 22, até agora, têm resistido a esse arranjo, diz a Wikipédia. No entanto, de acordo com o Centro Nacional para os Tribunais Estaduais, que pesquisa, estuda e produz relatórios sobre os sistemas judiciais dos 50 estados, nenhum outro estado do país tem um dispositivo constitucional que atribui ao Legislativo a supremacia sobre a administração dos tribunais, como pretende a proposta de emenda de New Hampshire.


Fonte: Conjur