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Lei da Copa é constitucional e não põe a soberania em risco
09/05/2014 13h38 - Atualizado em 09/05/2018 15h57
A Lei Geral da Copa, em alguns de seus pontos, foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4.976 da Procuradoria Geral da República contra a Presidência da República e Congresso Nacional.
Como já dissemos anteriormente em outros trabalhos acadêmicos, artigos e comentários legislativos específicos a Lei Geral da Copa (Lei 12.663, de 5 de junho de 2012), trata da formalização do hosting agreement[1] ou Host City Agreement no âmbito legislativo pátrio. Ou seja, contempla as garantias governamentais firmadas entre o país sede da Copa do Mundo — o Brasil — e a entidade internacional administradora da modalidade — a FIFA — contendo todas as exigências e padrões que esta última exige do país sede para que possa receber o evento.
Nesta linha, é comum ocorrerem alterações legislativas no país sede, ainda que temporárias e provisórias, para atender aos anseios da entidade detentora dos direitos do evento desportivo.
Os 71 dispositivos insculpidos na Lei Geral da Copa representam a convergência das exigências da entidade máxima do futebol com as possibilidades e garantias do poder público brasileiro e que juntas possibilitam a realização do evento Copa do Mundo de Futebol. A lei materializa compromissos assumidos pelo país sede com a entidade organizadora, portanto faz com que se honre com a palavra empenhada quando da assinatura dos termos da candidatura.
Ademais, em resposta a comoção popular que envolve a edição da Lei Geral da Copa e da suposta afronta aos princípios e dispositivos constitucionais cumpre-nos esclarecer que semelhantes ações foram tomadas em países que anteriormente receberam a Copa do Mundo em seus países, tais como a Alemanha e a África do Sul. Em nenhum momento a soberania de tais países foi posta em cheque e, no caso do Brasil, não há nenhum dispositivo diferente dos que foram firmados anteriormente entre os países sede e a FIFA.
Cumpre ressaltar que não houve ingerência à soberania nacional vez que a Lei seguiu o devido processo legislativo, da mesma forma que em qualquer outra de sua natureza, ou seja, com aprovação por deputados e senadores nas duas casas legislativas, seguida de sanção presidencial. Ademais, as garantias não foram impostas pela FIFA, mas o Brasil aderiu a tais condições espontaneamente, assim como todos os países que pretendiam realizar o evento.
Ainda nesse sentido, nada foi acrescido à lei que pudesse colocar em cheque a autonomia do país, uma vez que a norma possui como seu principal escopo abarcar situações particulares e específicas que ocorrem e ocorrerão antes e durante a realização do evento, tendo sua vigência esgotada ao final do ano da realização do evento. Isto porque o ordenamento pátrio possui eficácia limitada em face a estas situações de fato e de direito que poderão ocorrer, não estando o país apto a solucionar possíveis controvérsias apenas com a sua legislação original.
Pois bem, frente à edição da Lei foi proposta pela Procuradoria Geral da República Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, autuada sob o número 4.976 e relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, para debater alguns artigos da Lei.
Primeiramente, cumpre relembrar as características do instituto em tela, qual seja, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, utilizada para controle direto de constitucionalidade de leis e atos normativos e exercido perante o STF tem por objetivo retirar do ordenamento jurídico lei incompatível com preceito esculpido na Constituição Federal. O fundamento de tal ação encontra-se no artigo 102 da Constituição Federal:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.”
A competência para propor Ação Direita de Inconstitucionalidade está prevista no artigo 103 da Constituição Federal, nos incisos I a IX, sendo eles: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional e; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
A ADI em face de dispositivos da Lei Geral da Copa foi proposta pela PGR, questionando especificamente os dispositivos 23, 37 a 47 e 53, transcritos abaixo:
“ Art. 23. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.”
“Art. 37. É concedido aos jogadores, titulares ou reservas das seleções brasileiras campeãs das copas mundiais masculinas da FIFA nos anos de 1958, 1962 e 1970:
I - prêmio em dinheiro; e
II - auxílio especial mensal para jogadores sem recursos ou com recursos limitados.”
“ Art. 38. O prêmio será pago, uma única vez, no valor fixo de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao jogador.”
“Art. 39. Na ocorrência de óbito do jogador, os sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial expedido a requerimento dos interessados, independentemente de inventário ou arrolamento, poder-se-ão habilitar para receber os valores proporcionais a sua cota-parte.”
“ Art. 40. Compete ao Ministério do Esporte proceder ao pagamento do prêmio.”
“Art. 41. O prêmio de que trata esta Lei não é sujeito ao pagamento de Imposto de Renda ou contribuição previdenciária.”
“ Art. 42. O auxílio especial mensal será pago para completar a renda mensal do beneficiário até que seja atingido o valor máximo do salário de benefício do Regime Geral de Previdência Social.
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, considera-se renda mensal 1/12 (um doze avos) do valor total de rendimentos tributáveis, sujeitos a tributação exclusiva ou definitiva, não tributáveis e isentos informados na respectiva Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.”
“Art. 43. O auxílio especial mensal também será pago à esposa ou companheira e aos filhos menores de 21 (vinte um) anos ou inválidos do beneficiário falecido, desde que a invalidez seja anterior à data em que completaram 21 (vinte um) anos.
§ 1o Havendo mais de um beneficiário, o valor limite de auxílio per capita será o constante do art. 42 desta Lei, dividido pelo número de beneficiários, efetivos, ou apenas potenciais devido à renda, considerando-se a renda do núcleo familiar para cumprimento do limite de que trata o citado artigo.
§ 2o Não será revertida aos demais a parte do dependente cujo direito ao auxílio cessar.”
“ Art. 44. Compete ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) administrar os requerimentos e os pagamentos do auxílio especial mensal.
Parágrafo único. Compete ao Ministério do Esporte informar ao INSS a relação de jogadores de que trata o art. 37 desta Lei.”
“Art. 45. O pagamento do auxílio especial mensal retroagirá à data em que, atendidos os requisitos, tenha sido protocolado requerimento no INSS.”
“ Art. 46. O auxílio especial mensal sujeita-se à incidência de Imposto sobre a Renda, nos termos da legislação específica, mas não é sujeito ao pagamento de contribuição previdenciária.”
“ Art. 47. As despesas decorrentes desta Lei correrão à conta do Tesouro Nacional.
Parágrafo único. O custeio dos benefícios definidos no art. 37 desta Lei e das respectivas despesas constarão de programação orçamentária específica do Ministério do Esporte, no tocante ao prêmio, e do Ministério da Previdência Social, no tocante ao auxílio especial mensal.”
“Art. 53. A FIFA, as Subsidiárias FIFA no Brasil, seus representantes legais, consultores e empregados são isentos do adiantamento de custas, emolumentos, caução, honorários periciais e quaisquer outras despesas devidas aos órgãos da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, em qualquer instância, e aos tribunais superiores, assim como não serão condenados em custas e despesas processuais, salvo comprovada má-fé.”
Sustenta a PGR que tais dispositivos afrontam os seguintes dispositivos constitucionais: arts. 5º; 19, III; 37, § 6º; 150, II e 195,§ 5º. Tais artigos tratam basicamente do seguintes temas: (i) Artigo 5º; (ii) Artigo 19, III – vedação à União, Estados e Municípios de criar distinções entre brasileiros e preferências entre si; (iii) 37, § 6º – “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”; (iv) Artigo 150, II – “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos” e; (v) Artigo 195, §5º - “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.
Os artigos questionados podem ser divididos em temas e debatidos de acordo com os argumentos da Procuradoria. Iniciando-se pela responsabilidade da União abordada no artigo 23 da Lei Geral da Copa e que diz respeito à responsabilidade objetiva do Estado. É de responsabilidade da União arcar com a reparação de danos que seus agentes, ou aqueles agindo em conformidade com tal posição, venham a causar à FIFA.
O PGR alega que a responsabilização viola a previsão constitucional acerca da responsabilidade da Administração Pública, pois alega que a Lei da Copa “(...) adota a Teoria do Risco Integral, pois impõe à União a assunção da responsabilidade por danos que não foram causados por seus agentes. O dispositivo impugnado prevê a dispensa da comprovação da falha administrativa, de forma a responsabilizar o ente público inclusive pelos prejuízos decorrentes de atos de terceiros e de fatos da natureza”.
Ocorre que nestes casos, por mais que não se impute ao lesado a comprovação de culpa do Estado na conduta danosa é facultada a defesa da Administração Pública que aponte que o evento não foi por ela causado, deste modo limitando a responsabilidade civil do Estado.
O segundo tópico diz respeito a criação do prêmio em dinheiro (correspondente a R$ 100 mil) e de auxílio mensal aos jogadores das seleções campeãs, que representaram o Brasil nas Copas de 1958, 1962 e 1970. O PGR considera que a medida instituída é inconstitucional, pois “as vantagens concedidas são de índole estritamente privada, não envolvendo nenhum projeto de interesse do povo”. Ademais, quanto ao benefício mensal, alega que este possui natureza previdenciária e que não havendo indicação de fonte de custei, o benefício foi criado sem anterior previsão financeira, somente havendo remissão a figura genérica do Tesouro Nacional.
O terceiro e último ponto em questão é a isenção de custas processuais e outras despesas judiciais à FIFA, suas subsidiárias, representantes legais, consultores e empregados. O PGR alega que este dispositivo viola o princípio constitucional da isonomia tributária, disposto no artigo 25º, II da Constituição. Este não entende o tratamento diferenciado da FIFA e seus relacionados e entende que se classifica como um favorecimento ilegítimo.
Entretanto, pode-se dizer que o benefício não é ilimitado, vez que a condenação ao pagamento de custas, emolumentos, caução e honorários periciais será possível no caso de comprovada má-fé dos beneficiários.
Pois bem, diante do exposto, a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dez a um, votou pelo indeferimento dos pedidos da PGR, afastando-se a inconstitucionalidade da norma com a improcedência da ADI 4.976 e confirmando a validade da Lei Federal 12.663 de 5 de junho de 2012.
Importante salientar que a única diferença de entendimento se deu com relação ao artigo 53 da Lei. O relator, ministro Lewandowski, votou pela improcedência da ADI, seguido pelos ministros Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Ficou vencido em parte o presidente ministro Joaquim Barbosa, que votou pela inconstitucionalidade do artigo 53, que trata das isenções de custas e despesas judiciais, ao entender que a concessão de isenções fiscais à entidade privada viola o princípio da isonomia.
Todos os votos proferidos pelos ministros merecerão nossa leitura atenta, quando publicados, vez que apresentados de forma fundamentada e densa, principalmente o voto do relator ministro Lewandowski.
Cabe por fim destacar que foi sustentado pelo Advogado Geral da União e repetido por alguns ministros que a lei deriva dos compromissos assumidos pelo Brasil para realizar o evento e também que o Brasil não foi obrigado a receber a Copa, ao contrário, voluntariou-se e venceu uma disputa para realizá-la.
[1] Hosting agreement é um termo em inglês que descreve um pacto, uma convenção entre partes. Especificamente neste caso significa o acordo entre o país candidato a sediar determinada competição desportiva firmado com a entidade internacional de administração desportiva. Na Copa do Mundo de Futebol o país sede formula um pacto com a FIFA, aceitando alguns pré-requisitos da entidade para concorrer à condição de sede da competição. Cumpre lembrar que este tipo de situação se repete em diversos eventos internacionais onde países ou cidades – como no caso dos Jogos Olímpicos – se voluntariam para receber determinado evento.
Fonte: Conjur - Gustavo Delbin e Paula Gambini Vazquez