RIO — É curioso saber que o modelo de execução penal do Rio de Janeiro por pouco não mudou em 1989. No dia 24 de agosto daquele ano, o então governador do Rio, Moreira Franco, sancionou uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa, que determinava, entre outras coisas, a extinção da Vara de Execuções Penais e a redistribuição de seus processos remanescentes para as cerca de noventa varas criminais existentes no estado. A partir daquele momento, o juiz que condenasse o réu teria também a obrigação de executar a pena — e não passar a tarefa para outra vara, no caso a VEP.
A ideia era dar mais eficiência e agilidade aos processos, aproveitando, para a execução penal, a estrutura criminal, com muito mais juízes, defensores e promotores. Mas o Tribunal de Justiça, à época presidido pelo desembargador Pedro Américo Rios Gonçalves, alegou que a lei era inconstitucional e se recusou a cumpri-la.
Apesar da posição do TJ, alguns juízes decidiram aplicar a lei mesmo assim. Foi o caso de Maria Lucia Karan, já aposentada. Ela insistiu no cumprimento da regra e foi ameaçada pela presidência. Disseram que Maria Lucia Karan sairia da vara criminal, pela qual era apaixonada. E a ameaça foi cumprida: a magistrada acabou sendo transferida para uma vara de família.
ADENDO NA CONSTITUIÇÃO
Menos de dois meses depois, o Tribunal de Justiça conseguiu uma vitória política, ao incluir, na Constituição do estado, o seguinte trecho: “Fica criado o Juizado das Execuções Penais, provido por juízes togados (…), regulamentado por lei ordinária, proposta por mensagem do Poder Judiciário”, diz o artigo 169 (seção IX, capítulo III). A inclusão é, até hoje, uma exclusividade da Vara de Execuções Penais fluminense.
— Em nenhum país do mundo existe uma vara criada por norma constitucional, é algo estranhíssimo — analisa o advogado Técio Lins e Silva, um dos principais criminalistas do país, secretário de Justiça em 1989.
Segundo ele, o tribunal se recusou a cumprir a lei porque a VEP sempre foi uma vara problemática.
— A Justiça é elitista, valoriza o cível, não o penal. Ninguém gosta de preso, por isso a VEP é estigmatizada. Os juízes não sonham em trabalhar lá. Ela é tratada pela Justiça como os pobres são tratados na vida. Não tenho dúvida de que o cenário seria outro se o juiz que condena também executasse a pena — afirma o advogado.
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FONTE: JORNAL O GLOBO