A DOR HUMANA     

                                             (*) José FERNANDES FILHO

Sítio que pessoa alguma será capaz de medir ou avaliar, a dor humana é sagrada. Da mãe, ventre vazio, à perda do feto indefeso; do pai, órfão invertido, à partida do filho promissor; dos hóspedes da velhice, torturados pela contagem regressiva, a anunciar sinais do fim. Dor de qualquer vivente, apto para gerar, proibido de criar, a dor humana não cala.

Não importa sua causa; seu efeito é o mesmo: a aventura de viver, de sonhos e esperança, passa a ter o sabor amargo do nada. Filhos dos mesmos pais não preenchem a ausência dos que partiram. Os que foram não voltam, sobre diferentes dos que ficaram.

Ainda assim, a vida continuará. Capenga, o homem prosseguirá, faça chuva ou sopre o vento. Marcado a ferro, terá de fazer tijolo da terra árida, e fogo, das cinzas. Nascido para viver e ser feliz, o ser humano divisa a cruz, de muitos braços, que o espreita. Ombros vergados a seu peso, continuará na Terra até o dia em que também vier a ser chamado.

A rigor, não há confronto entre a cruz e a ressurreição. Ambas nos convocam à vida, livres para erguer catedrais, ou avestruzes humanas, incapazes de voar.

À procura da verdade, recorro ao espelho. Vejo-me como sou. Recolho, veraz, a resposta que dele emerge: de paz, ou de angústia maior.

A vida engrandece ou empobrece, tudo a depender do homem. Ato de grandeza, de quem caminha e olha nos olhos, da verdade ninguém experimenta vergonha ou remorso. À semelhança da roupa a ser lavada, o testemunho, gesto de poucos, nos esfrega, torce e retorce. Cheiro de sabão, limpa, quase perfume, alegria do usuário.

A dor humana e a capacidade de sua superação são forças de atração, que somam e aglutinam; jamais se repelem. Uma e outra escapam ao severo escrutínio dos videntes e sábios. As duas advertem: vivemos em terra calcinada, onde muitos dependem de nós. Serei digno deles? Caídos, sob a cruz, são por mim amparados, ou, insensível, apresso-me em recolher a mão, antes fraterna?

Entranhada em suas palavras e gestos, a ambivalência do homem pode salvá-lo. Escolha entre valores diversos, até opostos, escancara sua inquietação. A sociedade o prefere quente ou frio, jamais morno, somente coisa. Cedo ou tarde, ele descobrirá o caminho da vida plena. Livre e salvo, abraçará o próximo, seu irmão, antes ignorado, ou, pior, rejeitado.

Alguns, “abensonhados” (Mia Couto), não conhecem a dor humana; outros, provados, a experimentam. Assim é a vida, de luzes e sombras, janelas abertas ou porta fechada. Felizes os que, conhecedores do mistério, abrem a porta e adentram na Casa. Os eleitos. 

(*) Ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais