Bruno Terra Dias*


Os últimos dias mostraram-se desfavoráveis à magistratura estadual. Três notícias chamam a atenção. Refiro-me a duas entrevistas da ministra e corregedora Eliana Calmon, à revista ‘Veja’ (última semana de setembro) e ao jornal ‘Estado de S. Paulo’ (30 de setembro), nas quais ela expõe um entendimento relativo à realidade dos 27 judiciários estaduais como se fossem corrompidos por esquemas de vantagens carreiristas e outros males, bem como à notícia, veiculada no sítio Conjur (20 de outubro), da aprovação, em reunião dos presidentes de Comissões de Defesa das Prerrogativas das seccionais da OAB, da “proposta de criação do Cadastro Nacional de Violação das Prerrogativas do Advogado”, isto com a justificativa de que serviria como base de dados para um suposto critério de avaliação de ingresso de magistrados aposentados na OAB.

Ao mesmo tempo em que a nova corregedora faz afirmações que deslustram a magistratura estadual, e o Conselho Federal da OAB se prepara para votar a instituição do que ficou conhecido como "cadastro de inimigos", vimos nossos colegas, como a juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, às voltas com ausência de estrutura para instrução e julgamento de causas complexas; vimos também a falta de adequada segurança em nossos fóruns ser exposta da forma mais cruel, com a morte do vigilante Paulo Aparecido de Jesus, no Fórum de Contagem.

Afora a conhecida ausência de recursos materiais e de pessoal, para dar conta do assustador movimento forense (o magistrado tem a sua disposição recursos de artesão para solucionar conflitos que batem à porta da Justiça em escala de linha de produção), os problemas de gestão, um orçamento insuficiente, uma Lei de Responsabilidade Fiscal que não contempla, realisticamente, o Poder Judiciário, um histórico de pouca evolução (em técnicas, recursos materiais e humanos) desde o advento da República, emendas constitucionais concebidas sem consideração ou oitiva da primeira instância das diversas especializações judiciais (v. g. a instituição das férias individuais, que privam os magistrados do efetivo gozo do período necessário à recomposição das suas forças); enfim, com toda a carga negativa, a respeito de que poderíamos discorrer alongadamente, deparamos, agora, com essa realidade que, duplamente, nos desconforta e requer posicionamento firme de toda a classe.

A falta de melhor conhecimento das múltiplas realidades dos tantos judiciários estaduais - sua história e estágios de evolução - necessário ao adequado relacionamento da sra. ministra corregedora com tribunais e juízes e à realização administrativa de avanços, pode ser suprida com a leitura do banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (o que não é suficiente) e com a disposição de visitação das diversas regiões do país, além de certa sensibilidade para compreender díspares situações.

Da sra. ministra Eliana Calmon, o que se espera é o rápido aprofundamento no conhecimento dos judiciários estaduais, além de sua reconhecida coragem para decidir, e indispensáveis temperança (para compreensão da realidade com que lida), equidade (para que em sua atividade administrativa não se transforme em instrumento de injustiças) e sabedoria (para distinguir o melhor para a coletividade) para que, na missão que lhe cumpre, não perpetre injustiças.

Do Conselho Federal da OAB, constitucionalmente garantidora da democracia neste país, o que se espera é que seja capaz de compreender o papel que lhe cabe, não transformando o relacionamento entre profissionais (advogados, magistrados, promotores, procuradores, autoridades policiais etc) em arena de violência e sacrifícios.

As pessoas não podem impor suas preferências aos desígnios maiores justificantes da criação das instituições que representam. É por este motivo que a OAB não deve acolher "cadastro de inimigos", como o Judiciário não o faz e as demais instituições, com responsabilidade de garantia da democracia, certamente não o fazem. A ocasião em que alguma das instituições referidas, por menor descortino de seus representantes, acolher tal iniciativa, estará ofertando às demais idêntica possibilidade; o relacionamento entre profissionais não se regerá mais por regras de civilidade a que denominamos ética, e o espaço para amizade e fraternidade se reduzirá a quase nada.

Independentemente de tudo isso, a nós cumpre o reconhecimento de nossa potencialidade para superação das dificuldades materiais, de pessoal, orçamentárias e de gestão. Cabe a nós lutar por melhores condições de trabalho e segurança, subsídios, resgate de direitos, bem como ofertar nossa visão para solução dos problemas que constrangem a Justiça Mineira. Somente assim, e com instrumentos de boa convivência entre instituições e pessoas, todos os atores do cenário da Justiça cumprirão seu papel.

(*) Presidente da Amagis