A data é emblemática, mas o cenário não está propenso a comemorações. Ao completar 20 anos de existência, os juizados especiais cíveis são considerados um sucesso por terem ampliado o acesso da população ao Judiciário, principalmente pela informalidade e dispensa de advogado para ações de até 20 salários mínimos. Mas essa popularidade, aliada a outros fatores, levou esses órgãos a uma situação quase que caótica. O número de processos que recebem são cada vez maiores, os julgamentos lentos e o estoque de processos chega a quase cinco milhões.
Atualmente, mais de cem projetos de lei (PLs) que tramitam no Congresso propõem alterações na estrutura dos juizados, mas poucos prometem um alento à situação atual. Das propostas, pelo menos oito pedem a ampliação do "teto" dos juizados de 40 salários mínimos para até 200. A medida é criticada porque poderia aumentar ainda mais o número de ações a essa instância.
O levantamento foi feito pelo Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje). De acordo com o presidente da Comissão Legislativa da entidade, Ricardo Chimenti, a maioria das propostas prevê o acompanhamento obrigatório de advogados em todos os processos analisados pelos juizados. A proposta também é criticada pela entidade.
Há ainda, segundo Chimenti, projetos que são fruto de lobby político, como a necessidade de seguradoras serem incluídas em processos envolvendo acidentes de trânsito, quando uma das partes possui seguro. "Foram pouquíssimos os projetos aos quais encaminhamos parecer positivo", diz.
Consta na própria Lei nº 9.099, de 1995, os motivos para a implantação dos juizados especiais: criar instâncias que julgarão processos baseados na oralidade, informalidade e celeridade. A norma criou os juizados especiais cíveis e criminais. Os primeiros atendem causas de até 40 salários mínimos, sendo que nos processos de até 20 salários mínimos a presença de advogados é facultativa. Já os juizados criminais julgam as infrações penais "de menor potencial ofensivo", cuja pena máxima é de até dois anos.
Na época, a expectativa era de que as instituições poderiam contribuir para desafogar o Judiciário. Passados 20 anos, entretanto, especialistas apontam que mais do que deslocar processos que antes tramitavam na Justiça comum, os juizados possibilitaram que pessoas que antes não tinham acesso à Justiça - por conta das custas com advogados, por exemplo - pudessem também pleitear seus direitos. "Eles constituíram uma nova porta de acesso à Justiça a uma parcela da população que não tinha a Justiça como forma de solução de conflitos", diz o presidente interino da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Gil Guerra.
O fato levou os juizados - são 1,7 mil atualmente - a também ficarem lotados. Segundo o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Marco Antônio Araújo Júnior, em alguns Estados os juizados tornaram-se mais vagarosos do que a Justiça comum. "Os juizados especiais estão absolutamente atolados de processos, e demandam um acompanhamento especial do Judiciário", diz.
Por esse motivo, projetos que aumentam a alçada dos juizados preocupam. Para Chimenti, alterações desse tipo elevariam ainda mais o número de ações.
Outro tema polêmico - sobre o qual também há diversos PLs - é a obrigatoriedade de advogados em todas as ações, independentemente do valor. Para Guerra, os 20 anos de experiência dos juizados comprovaram que, em causas de pouca complexidade, a presença de advogados é facultativa.
Araújo Júnior, porém, discorda. "Já presenciei vários casos de injustiça que a presença de um advogado poderia ter evitado."
Dentre todas os PLs, entretanto, Chimenti aponta que o de maior preocupação é o Projeto de Lei da Câmara nº 5.741, de 2013. A norma, caso aprovada, criaria uma "Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal".
Segundo ele, atualmente, após uma decisão proferida nos juizados, as partes podem recorrer às turmas recursais, cabendo ainda, em alguns casos, recurso a uma turma de uniformização no próprio Estado. Caso a decisão contrarie jurisprudência consolidada, a parte pode ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). "O projeto de lei instituiria mais um degrau sem eliminar a possibilidade de reclamação ao STJ", afirma.
O advogado Francisco Antonio Fragata Júnior, do Fragata e Antunes Advogados, apoia a medida. Segundo ele, hoje em dia as decisões dos juizados são muito díspares.
Fonte: Valor Econômico