Um ano depois da publicação do Marco Civil da Internet, a Lei 12.965/2013 que trata do funcionamento da internet no país é considerada um avanço na legislação brasileira. A norma, porém, ainda necessita de regulamentação para que possa vigorar integralmente.
“A regulamentação tem o papel de deixar alguns pontos mais claros e também de definir como a lei será implementadas. Uma questão bastante importante é a forma como os dados devem ser guardados pelas empresas. No debate no Congresso ficou claro que isso deveria ser feito por regulamentação porque a tecnologia muda muito rapidamente”, afirmou Luiz Fernando Moncau, professor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV Rio.
Ainda que haja questões a serem esclarecidas, Moncau diz a norma contribuiu significativamente para nortear as decisões do Poder Judiciário. O mais importante do Marco, diz ele, é a questão prevista no artigo 19 da lei, que envolve a responsabilização das empresas, plataformas que armazenam conteúdos produzidos por terceiros, diante de material ilegal ou ofensivo.
“O Marco Civil determinou que a plataforma não é responsável até que o juiz determine que o conteúdo é ilegal e mande remover. É uma medida que garante a liberdade de expressão, a segurança jurídica para a plataforma (como intermediário) e a garantia daquele que se sente ofendido a requerer a exclusão de um conteúdo que eventualmente seja considerado ilegal”, disse.
É justamente o artigo 19 que tem sido o principal pivô de discussões no Judiciário. Segundo Omar Kaminski, advogado e gestor do Observatório do Marco Civil, apesar da definição da responsabilidade das partes, há margem para nuances de interpretações sobre a identificação do conteúdo.
“A jurisprudência não tem sido unânime a respeito do que é 'identificação clara e específica do conteúdo'. Bastaria apontar a URL? Serviria uma ata notarial? E na hipótese de não ser possível de obter a URL, ou na falta de conhecimentos técnicos para tanto, como ficaria a questão?”, indaga Kaminski.
Neutralidade da rede
A neutralidade da rede é outro capítulo ainda pendente de regulamentação. A lei estabelece que a neutralidade deve ser assegurada pelos provedores de rede, porém não esclarece a forma como isso será feito nas exceções previstas (no casos de serviços de emergência e para respeitar requisitos técnicos necessários à conexão).
Outra pendência a ser resolvida é a questão da privacidade versus o acesso das autoridades aos dados. Para Moncau, a regulamentação vai contribuir para que o direito à privacidade seja respeitada, mas o assunto deverá permanecer em discussão para além da regulamentação.
“Esse talvez seja o ponto mais importante. É onde o Marco Civil da Internet ficou mais desbalanceado. Ele tem uma inclinação bastante forte pela segurança nesse aspecto e precisaria de alguns contornos de privacidade mais bem delineados que o decreto [de regulamentação] não vai criar, mas que pode deixar mais claros”, avalia o professor.
Falta de clareza
Na visão do advogado Bruno Carvalho, do Marcelo Tostes Advogados, que atua na área de consultoria de empresas, a ausência da regulamentação traz dificuldades para o setor privado. O problema é que os envolvidos ficam sem referência pela falta de clareza.
“Hoje as empresas que atuam no seguimento de internet estão sem saber como fazer a aplicação do Marco Civil da Internet e sem saber como deve ser feita, por exemplo, a coleta de dados, a proteção da privacidade, a proteção dos dados pessoais”, disse.
A advogada Carla Rizek Munhoz, doDias Munhoz Advogados, destaca que tão ou mais importante que o próprio conteúdo da lei “foi o avanço representado pela participação ampla, plural e extremamente democrática no processo legislativo que resultou na construção de texto da Lei", assim como está ocorrendo para a elaboração do decreto.
O debate sobre a regulamentação ocorre através de consulta pública desde janeiro deste ano. O prazo para apresentação das propostas vai até o dia 30 de abril.
Fonte: Marina Gama Cubas/Conjur