Na véspera de o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, dar o voto de desempate quanto à aceitação dos embargos infringentes no processo do mensalão, ministros da Corte dão como certo que o colega votará pelo cabimento dos recursos. Caso essa tendência seja confirmada, 11 réus que receberam ao menos quatro votos pela absolvição serão julgados novamente pelo STF, o que levará a Ação Penal 470 a se estender até 2014.

Quatro ministros ouvidos pela reportagem avaliam que dificilmente Celso de Mello votará contra a validade dos infringentes. Todos acreditam que ele manterá o entendimento que expressou em 2 de agosto de 2012, no primeiro dia de julgamento do mensalão, quando, ao se manifestar contra o desmembramento do processo, o decano frisou que esses recursos são cabíveis. “Não sendo um julgamento unânime serão admissíveis embargos infringentes do julgado e com uma característica: a mudança da relatoria”, afirmou Celso de Mello, no ano passado.

Entre os ministros que consideram o posicionamento do decano pela possibilidade de novo julgamento de parte dos réus, dois votaram pelo cabimento do recurso e dois contra. Interlocutores de outros dois magistrados também avaliam como improvável uma mudança de Celso de Mello em relação à validade dos infringentes. Um dos ministros avalia que os votos proferidos em plenário, tanto os favoráveis quanto os contrários aos novos recursos, terão como efeito a rapidez na próxima etapa do processo, pois a maior parte dos ministros defendeu agilidade no caso.

O ministro Marco Aurélio Mello, embora reconheça que o decano é “muito seguro” em relação a suas posições, ainda nutre a expectativa de que o colega possa “evoluir” em sua opinião sobre os infringentes. “O ministro Celso é muito seguro em tudo o que faz. Ele realmente apontou que os infringentes são cabíveis, mas a questão não estava em julgamento quando discutimos o problema do desmembramento. Foi uma justificativa (dele) de que haveria a possibilidade do recurso, ficou como uma opinião. Mas sabemos que somente os seguros evoluem”, destacou Marco Aurélio.

SERENIDADE O ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto, que atuou no julgamento do mensalão entre agosto e novembro do ano passado, quando se aposentou compulsoriamente, afirmou que o ambiente de pressão sobre Celso de Mello não influirá. “Ele é homem de sólida formação técnica e psicológica que se agrega à experiência de mais de 20 anos de judicatura no Supremo”, disse Britto, que presidia a Corte durante os primei- ros meses de julgamento do mensalão.

Esse preparo dá a Mello condições de decidir de forma sóbria “em qualquer circunstância, dando satisfações apenas à própria consciência”, reforçou o ministro aposentado. “Ele decidirá com serenidade e sensatez, ao modo dele, de acordo com sua consciência”, completou. Ayres Britto não quis revelar sua posição sobre a admissibilidade dos embargos infringentes. “Não tenho falado sobre o julgamento para não parecer assédio técnico sobre os colegas que ficaram, de quem deixou a Casa e ficou fazendo pressão. É uma questão de foro íntimo”, justificou o ex-presidente do STF.

Na avaliação do advogado constitucionalista Erick Wilson Pereira, nenhuma pressão “seria capaz de mudar a convicção do ministro Celso de Mello”. “Ele sempre foi um ministro de posições muito convictas”, disse o doutor em direito constitucional pela PUC-SP.

Só têm a possibilidade de apresentar embargos infringentes os réus que receberam, no mínimo, quatro votos pela absolvição na análise dos crimes pelos quais foram condenados. A possível aceitação desses recursos levará o Supremo a julgar novamente réus como os deputados José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP), o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Os três últimos poderão se livrar de cumprir pena no regime fechado e passar para o semiaberto caso sejam absolvidos no novo julgamento. Os réus podem ainda ter as penas diminuídas, mas há a possibilidade também de as condenações serem mantidas.

EQUÍVOCO O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou de “equívoco” a interpretação de que haverá um novo julgamento em relação a réus no processo do mensalão. O ministro alerta que somente uma parte menor das decisões tomadas pelo plenário no ano passado poderá ser reanalisada. As declarações foram dadas em entrevista ao grupo “A Gazeta”, durante visita que o ministro fez ao Espírito Santo, onde proferiu palestra. “O julgamento que durou mais de 50 sessões permanece absolutamente íntegro e as decisões ficam intactas. Se considerar que os embargos infringentes estão valendo, é que serão discutidos determinados aspectos do julgamento.”

Já o ministro Gilmar Mendes afirmou ontem, em Cuiabá (MT), que, mesmo acolhidos, os embargos infringentes não devem resultar em alterações no resultado do julgamento do mensalão. “Acho que nós deveríamos rejeitar os embargos infringentes. Acho que não seria cabível, mas, no tribunal, se a maioria entender que os embargos são cabíveis, nós devemos decidir isso com rapidez. Mas eu também não tenho expectativa de que haverá mudanças ou grandes mudanças em razão do acolhimento formal dos embargos infringentes”, disse Mendes, em entrevista coletiva em Cuiabá, onde ministrou palestra. (Colaborou Ana D Angelo e Renata Mariz)

Perfil técnico e independente

Aos 67 anos, dos quais 43 dedicados à atuação jurídica, o ministro Celso de Mello é conhecido pelo perfil extremamente técnico. A extensão, por vezes inquietante, dos votos contrasta com a lista reduzida de amigos. Reservado, o ministro, que estará sob os holofotes do país inteiro amanhã, quando vai declarar se aceita os embargos infringentes dos réus do mensalão, não frequenta rodas sociais. Os passeios mais comuns se limitam à livraria, ao engraxate no aeroporto e ao McDonald’s. Apesar da personalidade discreta, Mello é reverenciado entre colegas de profissão, que são unânimes em citar a independência do magistrado. “Se alguém o convencer, tecnicamente, pela não admissibilidade dos embargos, ele o fará sem qualquer temor de ser criticado por, digamos, mudar o voto. Caso contrário, manterá o entendimento que já externou”, opina um colega de Ministério Público de São Paulo, onde Mello atuou como promotor e procurador ao longo de 19 anos. Para o advogado José Rubens do Amaral Lincoln, com quem o ministro passou a infância em Tatuí, interior de São Paulo, Mello não se renderá a qualquer pressão social. Lincoln relembra o perfil combativo do amigo como promotor, depois de passar em primeiro lugar no concurso para o cargo. “Uma coisa posso dizer: Celso de Mello não é covarde”, afirmou Lincoln.

Fonte: Estado de Minas