A juíza Marcela Decat é uma das entrevistadas do site da Amagis, na série especial em comemoração ao Mês da Mulher. Na Comarca de Mariana há três anos, a magistrada lembra de quando chegou, meses depois do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em janeiro de 2016. Para ela, os desafios foram muitos, sobretudo para conseguir dar celeridade ao processo coletivo, envolvendo mais de três mil atingidos, direta ou indiretamente, pela tragédia. “Certamente, esse foi o maior desafio da minha carreira”, conta. Ainda na entrevista, Marcela Decat fala sobre preconceito, contribuições da mulher para o Judiciário e os desafios da dupla jornada.
A senhora estava em Mariana quando da tragédia de grandes proporções envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, há pouco mais de três anos. Esse foi o processo mais desafiador que a senhora encarou na carreira até hoje?
O rompimento da barragem de Fundão ocorreu em novembro de 2015 e eu tomei posse na 2a Vara da Comarca de Mariana em janeiro de 2016. Os desafios foram muitos e, certamente, o maior da minha carreira. O principal foi conseguir dar celeridade ao processo coletivo que envolve os mais de 3 mil atingidos, direta ou indiretamente, com a tragédia. O caminho foi a conciliação. Várias audiências foram realizadas com a participação efetiva dos atingidos, culminando na realização de um acordo importante, em que as empresas responsáveis se comprometeram a indenizar todos os atingidos com base nos cadastros que estão sendo construídos com o auxílio de uma assessoria técnica contratada especialmente para o levantamento dos danos, a fim de que as reparações sejam feitas de forma completa e integral. Há valores bloqueados nesse mesmo processo para a garantia dos pagamentos. As empresas já iniciaram o reassentamento das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, cujo prazo final foi fixado em agosto de 2020.
Há quanto tempo a senhora está na Comarca de Mariana? Quais as vantagens de permanecer por mais tempo em uma mesma comarca?
Eu sou titular da 2a Vara da Comarca de Mariana há três anos e digo que, em razão do acervo elevado, é o tempo mínimo para se conseguir uma gestão eficiente dos processos e das pessoas que atuam na unidade jurisdicional. A administração judicial é uma atividade complexa e exige tempo e dedicação para se obter um resultado satisfatório para o jurisdicionado.
Ainda existe preconceito contra a mulher em diversas partes do País. Como é no Judiciário?
O preconceito contra a mulher no Poder Judiciário é sutil, mas ele existe. Um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2018, aponta que apenas 37% dos magistrados brasileiros são mulheres, percentual este que diminui ainda mais nos cargos mais altos. O percentual de mulheres entre os desembargadores é de 23% e entre os ministros dos Tribunais Superiores é de 16%. O caminho para a igualdade de gênero e o fim de todas as formas de discriminação contra as mulheres é longo, mas precisa ser enfrentado, inclusive no Poder Judiciário.
É possível conciliar a vida familiar com a carreira jurídica, sem que um lado fique desfavorecido?
Para mim, a parte mais difícil da carreira da Magistratura, que exige muitas horas de trabalho e dedicação, inclusive nos feriados e fins de semana, durante os plantões forenses, é conciliá-la com a vida familiar. Com os vários turnos de trabalho diários que uma mulher enfrenta para garantir que as atividades do lar com os filhos e marido sejam conciliadas com a carga horária profissional, é necessário desenvolver a habilidade de melhor gerir o uso do tempo para que um lado não fique desfavorecido.
Na opinião da senhora, quais as contribuições a mulher trouxe para a Magistratura?
A feminização do Poder Judiciário ao longo dos anos não deve ser analisada apenas sob um viés quantitativo. É necessário compreender o impacto desse fenômeno sobre a identidade profissional da Magistratura. Na minha opinião, a mulher tem um olhar diferente, mais humanizado e sensível sobre os litígios, além de uma enorme força, comprometimento e capacidade de liderança no exercício das suas funções.
Quais conselhos a senhora daria para as mulheres que estão ingressando agora na Magistratura?
Para as nossas colegas que estão ingressando na Magistratura, eu diria que a firmeza e a rigidez são necessárias, mas não podemos perder a nossa principal qualidade, que é a sensibilidade no ato de julgar. Não podemos ficar o tempo todo querendo provar que somos melhores. Com a chegada de um número maior de mulheres no Poder Judiciário, inclusive nas cúpulas, o que temos é uma enriquecedora novidade na carreira a partir de uma subjetividade feminina.