A Terceira Turma e a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializadas em julgar causas envolvendo direito privado, sempre estão as voltas com questões de enorme relevância para sociedade. Direito do Consumidor, ações civis públicas, indenizações... Processos que podem corrigir graves equívocos ou que trazem um novo enfoque jurídico capaz de orientar os debates legais semelhantes que ainda estão por vir.

Em 2009, Sidnei Beneti, um dos ministros relatores que compõe as duas cortes de julgamento, votou e firmou entendimento entre os seus pares sobre diversos temas que merecem destaque, dentre os quais o que estabeleceu ser válida a determinação para que a execução de sentença de ação civil pública se realize mediante depósito direto em conta pelo próprio banco dos valores devidos aos clientes.

A decisão foi tomada no julgamento do recurso especial do Banco do Brasil contra a Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (Apadeco). Ao negar provimento ao recurso especial em favor do banco, Beneti pretendeu pôr fim ao que chamou de “esqueletos” que há anos foram produzidos por sucessivos planos econômicos, cujo subproduto, entre outros foi a avalanche de recursos que chegaram ao Poder Judiciário, representando centenas de milhares de processos individuais que discutem a tese.

A Apadeco ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil visando a cobrança de diferenças de correção monetária de valores depositados em caderneta de poupança. O acórdão transitado em julgado deu razão à associação, determinando que o banco depositasse diretamente na conta dos seus depositantes os valores que lhe são devidos, com a correção monetária estabelecida. O Banco recorreu ao STJ, mas o ministro Beneti entendeu que, em se tratando da defesa coletiva de direitos individuais homogêneos, é possível se conferir eficácia mandamental à sentença, sem que se verifique qualquer prejuízo processual ou de ordem material aos envolvidos.

“A providência, além de autorizada pela natureza do título executivo, torna efetiva a condenação e evita o assoberbamento do Poder Judiciário com incontáveis execuções individuais, encerrando o ciclo infraconstitucional do caso, o que permitirá definir, de vez, a questão de relevante interesse para os setores econômicos e para a massa de cidadãos que há anos aguardam a palavra final da Justiça sobre a matéria”, concluiu.

Falência X Créditos Trabalhistas

Outro tema importante relatado por Beneti foi o que reconheceu as multas e horas extras como crédito prioritário trabalhista, por possuírem natureza salarial. A questão foi debatida no recurso especial de uma ex-funcionária contra a massa falida da Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria. Na ação, ela buscava a habilitação retardatária de crédito na ação falimentar da empresa, reclamando crédito trabalhista no valor de R$ 42 mil e a inclusão dela no quadro geral de credores.

Para o ministro, tanto a doutrina quanto a jurisprudência afirmam que o crédito trabalhista tem natureza alimentar. Portanto “constitui crédito superprivilegiado frente aos demais créditos reconhecidos pelo ordenamento jurídico pátrio, podendo ser conceituado como todo aquele com caráter econômico-financeiro devido ao empregado oriundo da relação de trabalho regida pela CLT e passível de eventual reconhecimento judicial”. Com base nesta premissa, o ministro deu provimento ao recurso para determinar a inclusão das verbas indenizatórias como crédito prioritário trabalhista no processo falimentar da Encol.

Condomínio X Condôminos

Não são poucos os processos julgados no STJ que pretendem solucionar desavenças existentes em condomínios residenciais. Em um recurso especial envolvendo o condomínio do Edifício Barão de Teffé, no Rio de Janeiro, o ministro Beneti decidiu que compete ao síndico prestar contas à assembléia de moradores, conforme a Lei nº 4.591/64, relativa às edificações e as incorporações imobiliárias. “Na qualidade de representante e administrador do condomínio, não há dúvidas a respeito da responsabilidade do síndico de relatar todos os atos de sua gestão, já que lhe cabe administrar e gerir valores e interesses alheios. Forçoso, assim, reconhecer a ilegitimidade do condomínio para figurar no pólo passivo da demanda”, concluiu.

Indenização revista

O pagamento de indenização deve ter uma dupla finalidade: punir pelo ato ilícito cometido e reparar o sofrimento moral experimentado. Para cumprir este objetivo, não é necessário que o valor indenizatório por dano moral seja estabelecido em patamar especialmente elevado. Pensando assim, o ministro Beneti reduziu e fixou as indenizações a ser pagas ao ator Thiago Lacerda pela TV SBT, Canal 4 de São Paulo, pelo apresentador Gugu Liberato e pelo produtor Roberto Manzoni em R$ 40.000 para cada um.

O ator entrou com uma ação de indenização por uso indevido da imagem, dano material e moral. Em abril de 2000, o programa Domingo Legal, de responsabilidade dos três réus, transmitiu, durante cerca de 25 minutos, o leilão de uma sunga de banho supostamente utilizada por Thiago para interpretar a figura de Jesus Cristo na encenação da Paixão de Cristo na cidade de João Pessoa/PB. “O STJ tem entendimento firmado no sentido de que o valor demandado a título de danos morais é apenas estimativo. Dessa forma, ainda que a condenação seja inferior à quantia solicitada, não há que se falar em sucumbência recíproca. Incidência da Súmula 326/STJ”.

“Macrolides”

“O enfoque jurisdicional dos processos repetitivos vem no sentido de fazer agrupar a macrolide neles contida, a qual em cada um deles identicamente se repete, em poucos processos, suficientes para o conhecimento e a decisão de todos os aspectos da causa, de modo a cumprir-se a prestação jurisdicional sem uma verdadeira inundação dos órgãos judiciários pela massa de processos individuais, que às vezes inviabilizam a atuação judiciária”, explicou Sidnei Beneti ao aplicar a Lei dos Recursos Repetitivos em dois processos julgados pela
Segunda Seção que afetam diretamente a vida da população.

No primeiro deles, o recurso especial da Fundação Cosipa de Seguridade Social (Femco) debatia questões de prazo de prescrição em ação de cobrança de diferenças de correção monetária incidentes sobre parcelas recolhidas a plano de previdência privada. A Segunda Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso para estabelecer que a prescrição é de cinco anos e que seu termo inicial é a data em que houver a menor das contribuições pessoais recolhidas pelo associado ao plano previdenciário. “A prescrição quinquenal prevista na Súmula 291/STJ incide não apenas na cobrança de parcelas de complementação de aposentadoria, mas, também, por aplicação analógica, na pretensão a diferenças de correção monetária incidentes sobre restituição da reserva de poupança”.

Outro repetitivo julgado pela Segunda Seção tratava da correção de saldos de cadernetas de poupança. Seguindo o voto do ministro Beneti, a Seção decidiu ser legítimo suspender o andamento de ações individuais sobre o tema quando existem ações coletivas, “macrolides” que já estão em tramitação. “Efetivamente, o sistema processual brasileiro vem buscando soluções para os processos que repetem a mesma lide (questão). Neste recurso, a suspensão do processo individual pode perfeitamente dar-se já ao início, assim que ajuizado, porque, diante do julgamento da tese central na ação civil pública, o processo individual poderá ser julgado de plano, por sentença liminar de mérito, para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na ação coletiva, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação, poderá ocorrer a conversão da ação individual em cumprimento da sentença da ação coletiva. Não há incongruência, mas, ao contrário, harmonização e atualização de interpretação em atenção à Lei de Recursos Repetitivos”, salientou.



Fonte: STJ