Em entrevista coletiva nesta sexta-feira (19), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, deu dois exemplos para mostrar os resultados positivos alcançados este ano pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Primeiro, o ministro revelou que já houve uma sensível redução no número de processos que chegaram à Corte em 2008, principalmente em razão da ampla utilização dos novos institutos como a repercussão geral e a súmula vinculante.
O segundo exemplo citado por Gilmar Mendes referiu-se aos mutirões realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que conseguiram colocaram em liberdade mais de mil presos em situação irregular, apenas nos estados do Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e Piauí. “Isso significa mais ou menos a população de três presídios de médio porte”, frisou o presidente.
O ministro falou ainda sobre o excesso na edição de Medidas Provisórias, a Proposta de Emenda Constitucional que aumenta o número de cadeiras de vereadores nos municípios brasileiros, a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, interceptações telefônicas, e a diminuição do que ele chamou de “espetacularização” das operações da Polícia Federal, entre outros temas da atualidade, questionados pelos jornalistas.
Leia a íntegra da entrevista.
Ministro Gilmar Mendes: Trago as notícias do relatório. Este foi um ano bastante profícuo para o Supremo Tribunal Federal no que concerne à aplicação dos novos institutos. Basta ver essa redução significativa na distribuição de processos, a racionalização das atividades da Corte com a Repercussão Geral e a Súmula Vinculante. Também no que concerne ao CNJ, tivemos uma atividade bastante profícua, bastante intensa e efetiva, inclusive no que concerne à atividade hoje crítica no Brasil como a questão penitenciária. O CNJ, os mutirões do CNJ, propiciaram a liberdade de mais de mil presos nesse curto período no estado do Rio, Piauí, Pará e Maranhão. Isso significa mais ou menos a população de três presídios de médio porte, verificando, portanto, pessoas que estão em situação irregular, que estavam presas em situação irregular. E esse trabalho vai ter curso no ano que vem, mas acompanhado de um esforço de informatização das varas de execução criminal e acompanhado também de um esforço de melhoria da assistência judiciária. Nós aprimoramos a técnica de julgamento no que concerne às declarações de inconstitucionalidade, especialmente ADI e ADC e também ao recurso extraordinário, mas também estamos fazendo modulação de efeito, sentenças aditivas. Ainda ontem o Senado Federal aprovou a emenda constitucional que trata dos municípios, àqueles municípios que tinham sido criados irregularmente e que tinham sido objeto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal – acho que uma decisão criativa em sede de ADI e de ação direta por omissão, porque acabou havendo uma combinação desses dois casos.
Havia aquela expectativa sobre o que aconteceria se o Congresso não cumprisse aquele apelo e aquele prazo pré-fixado pelo Supremo que se venceria em maio de 2009. E, na verdade, não houve esse aspecto negativo esperado, pelo contrário, o Congresso cumpriu de forma antecipada e encaminhou a solução para o grave problema político e jurisdicional.
Questões colocadas pelos jornalistas:
Gostaria de tratar com o senhor exatamente uma questão relativa ao Congresso Nacional. Em 2004, o Supremo, numa decisão inovadora, reduziu o número de vereadores do país. E, este ano, o Congresso aprovou um projeto em sentido contrário. Durante a semana nós pudemos acompanhar uma espécie de troca de recados entre o Supremo e o TSE e integrantes do Congresso. O que está faltando para que se consiga melhorar essa relação com o Legislativo?
Ministro Gilmar Mendes: Na verdade, nós temos aqui um aprendizado institucional permanente. Esse é um tema difícil, conhecido, em que há opiniões divergentes. O que o Supremo Tribunal Federal fixou foi o critério da proporcionalidade em relação à lei. Ao que estou informado agora, o Congresso está fazendo uma revisão, fixando um número de vereadores e praticamente resgatando aquele número existente em 2004. Portanto, é esse o quadro. Não vou emitir juízo, primeiro porque os senhores sabem, introduziu-se uma tensão dialética entre Câmara e Senado tendo em vista a existência ou não de modificação do texto aprovado pela Câmara dos Deputados, que concerne aos limites de dispensas.
Eu tenho a impressão de que nós não podemos fazer um juízo abstrato dessas questões. É preciso que nós analisemos topicamente. Se nós fizermos um balanço dos casos de forma tópica, nós vamos ver que estamos avançando no que concerne a encontrar um modo superante na relação com o Senado e com a Câmara dos Deputados.
Eu mesmo havia planejado fazer uma visita ao presidente Arlindo Chinaglia e o presidente Garibaldi Alves para estabelecer uma forma direta de comunicação e uma forma especial de comunicação no que se concerne à omissão inconstitucional, porque até hoje isso não está bem definido e, nesse caso específico dos municípios, nós tivemos uma certa divergência porque a comunicação foi ao presidente do Congresso, que é o presidente do Senado, e ele não repassou à Câmara. Portanto, houve um certo retardo em relação a isso.
Precisamos, então, aprimorar. Acredito que isso será uma tarefa para 2009 do ponto de vista institucional. Estamos fazendo essa comunicação, porém de forma diferenciada. No caso dos vereadores, ele tem as suas peculiaridades por conta do conteúdo político. Não vou emitir juízo de valor sobre a necessidade ou não do aumento desse número de vereadores e muito menos sobre a questão constitucional subjacente, que é sobre a alteração ou não do texto que foi da Câmara para o Senado na votação ocorrida na Câmara.
O senhor protagonizou, ao longo do ano, debate sobre limites e atribuições institucionais nos Poderes, em muitos momentos com um discurso de afirmação da autoridade da Corte. O que eu gostaria de saber é se essa é uma marca da sua gestão que tende a continuar em 2009, a despeito de críticas que suscita, aqui e acolá, em alguns setores.
Gilmar Mendes: Bom, por definição, e eu tenho tentando traduzir esse pensamento: jurisdição constitucional é uma instituição antimajoritária. Quem melhor formulou isso foi Hanz Kelsen, em um texto de 1928. Muitas vezes a Corte Suprema tem que contrariar as expectativas dos jornalistas, das pessoas, dos congressistas, porque, por definição, declara a inconstitucionalidade de leis que foram aprovadas, às vezes, pela unanimidade das pessoas. Então, quem quiser obter aplausos, popularidade, não deve integrar corte constitucional. Há outros caminhos.
Então, nós temos que conviver, necessariamente, com críticas. No que concerne a direitos fundamentais, em um dado momento o Brasil passou por uma profunda crise de valores, e por uma profunda crise, inclusive, quanto ao valor das instituições. Quem definia o valor de determinado direito era a justiça ou era a polícia? Nesse sentido, eu não tenho nenhuma dúvida de que, se for necessário, reafirmarei essas posições em 2009, e continuarei reafirmando quando deixar, também, a presidência do Tribunal, como já tinha feito antes, nas decisões que tinha tomado em vários HCs. Portanto, não se tem medo de polêmica, não se tem medo de crítica. Ao revés, isso é normal.
Queria que o senhor fizesse um balanço do impacto da repercussão geral e da súmula vinculante na pauta do Tribunal, se o resultado foi satisfatório no ano de 2008 e se o Supremo pensa novos mecanismos para racionalizar ainda mais a pauta do Tribunal.
Gilmar Mendes: O balanço do relatório que os senhores estão recebendo cópia é expressivo. Está havendo uma redução significativa do número de processos que chegam à Corte. Além disso, nós estamos tendo uma redução significativa do número de processos distribuídos aos ministros. Cerca de 10 mil era a média por gabinete, hoje estamos em torno de 6 mil, nesta nova fase, em 2008. Portanto, isso é significativo e decorre do modelo da repercussão geral e também da providência que se tomou no âmbito do regimento interno para que os processos enviados não fossem distribuídos e ficassem no contexto de uma assessoria especial na Presidência do Tribunal.
A súmula vinculante também vem produzindo significativos efeitos. Inicialmente, antes da minha gestão, quando a ministra Ellen Gracie ocupou a presidência, haviam sido aprovadas três súmulas. Nós, agora, já estamos celebrando a súmula de número 13, portanto aprovamos, em 2008, 10 súmulas, o que é algo significativo. Algumas são muito importantes, embora polêmicas como, por exemplo, a do nepotismo e a das algemas, que produziram significativas mudanças em termos de práticas institucionais. Outras racionalizaram os nossos afazeres, por exemplo, em matéria tributária, quanto à prescrição e decadência. Em suma, avançamos significativamente no que concerne à racionalização das nossas atividades.
Como eu já tinha dito em outras oportunidades, nós tínhamos uma crise numérica e temos ainda um pouco. Esta também é uma crise de racionalidade, em que nós estamos tentando buscar e consolidar o processo de racionalização, fazendo com que o Tribunal continue a se pronunciar sobre os temas mais importantes em questões constitucionais, mas que não tenha que se pronunciar sobre temas repetidos. É esse o esforço.
O recurso extraordinário vai ganhando um caráter pelo menos não exclusivamente subjetivo. Nós temos tido a participação intensa de amicus curiae em muitos casos. Portanto, são mudanças significativas que se estão a operar e nós esperamos consolidar isso em 2009, fazendo com que também o diálogo entre o Supremo Tribunal Federal e as demais cortes se intensifique. Nesse novo mecanismo que decorre da repercussão geral, nós temos uma situação delicada. Aceitamos um caso de repercussão geral e mandamos suspender um dado processo ou montanhas de processos nas instâncias recursais ordinárias. Nós precisamos decidir esses casos num tempo social e politicamente adequado para que os tribunais possam, também, tomar decisões sobre aquelas matérias. Então, tudo isso tem que ser articulado, mas a nossa expectativa é que continuemos nesta redução do número de processo sem redução de efetividade dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal.
Em relação à chamada jurisdição constitucional penal, também houve uma atuação muito expressiva do Supremo Tribunal Federal. Ações penais julgadas improcedentes: 10. Inquéritos ou denúncias ou queixa recebidas ou recebidas em parte: 43. Inquéritos com denúncia ou queixa rejeitada: 49. Ações e inquéritos na Procuradoria Geral: 83. Ações e inquéritos com baixa em diligência: 17. Aqui eu chamo a atenção para informar que nós temos, agora, um núcleo de acompanhamento desses processos, as ações penais, para evitar esse passeio eterno das cartas de ordem e para que haja um acompanhamento adequado. Então, estamos tendo uma cautela.
Em relação ao habeas corpus, eu gostaria de dizer que é um número expressivo: no ano de 2007, foram 3.232 processos de habeas corpus e, em 2008, 3.213. Se os senhores considerarem, muitos deles acabam esbarrando numa técnica de não conhecimento. Se forem considerados apenas aqueles conhecidos e deferidos ou indeferidos, os senhores têm uma situação muito curiosa: houve 324 concessões em 2008, para 203 em 2007.
Em relação a indeferimento, foram 1.264, em 2007, e 1.295, em 2008. Eu tenho falado muito sobre isso porque é um ponto que sempre se pergunta, portanto, em relação às concessões. Tendo como parâmetro apenas as não concessões, os indeferimentos e não os não conhecimentos, nós temos um índice de deferimento de habeas corpus de 33,17%, em 2007, e, 31,12, em 2008, o que é um índice muito alto, muito significativo. Significa que quase 1/3 dos habeas corpus que foram apreciados, portanto, que tiveram condições de serem apreciados pelas Turmas e pelo Plenário, foram concedidos. Isto depois de nós passarmos, portanto, pela 1ª instância, pelo 2º grau (Tribunal Regional Federal ou Tribunal de Justiça) e pelo STJ.
Eu vou me manter nos HC’s, o senhor deu aqui os números do Supremo, agora a gente vê em alguns casos o Supremo conceder habeas corpus em casos assemelhados em primeira instância, segunda instância, pessoas ficarem presas por um determinado período de tempo por crime que alguns consideram menores. Eu queria saber se do senhor, que já fez críticas ao desrespeito a jurisprudência por juiz de primeiro grau. O que há na Justiça brasileira, há um certo descompasso na concessão de habeas corpus? Eu queria só aproveitar e fazer uma outra pergunta. Que ações, que casos devem ser priorizados no início do ano que vem?
Gilmar Mendes: Bem, que existe descompasso é notório, como os senhores sabem e informações que talvez nós devêssemos investigar. É muito provável que, em muitos casos, o juiz decrete a prisão de alguém com base no pedido feito pela polícia ou pelo Ministério Público e é muito provável que ele mantenha a prisão em flagrante sem as cautelas devidas. Portanto, hoje é preciso observar que, segundo a doutrina, a prisão em flagrante só pode ser mantida se houver, se estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva. Essa é até uma cautela que estamos desenvolvendo no CNJ para que os juízes observem esse pressuposto. Mas muitas vezes o juiz pode referendar apenas o auto de flagrante e aí acabam acontecendo esses casos. Vejam que não é rara a concessão de habeas corpus por conta de furto de um chinelo, de uma fita de vídeo, os chamados crimes insignificantes. Veja, isso concedido no Supremo Tribunal Federal, portanto, depois de termos passado por todas as instâncias.
Então é preciso que nós, talvez seja preciso que nós façamos um esforço, especialmente com as varas criminais e com as câmaras especializadas em questões criminais para que possamos realmente ter uma certa uniformização. Nós podemos depois fazer outras discussões. Às vezes, a própria atuação midiática em determinados casos é responsável porque determinado autor de um crime ou suposto autor de um crime seja mantido na prisão. Às vezes as pessoas não se animam a enfrentar esse tipo de pressão e aí resta ao Supremo a missão de verificar os pressupostos da prisão preventiva. Então nós podemos aqui fazer uma pesquisa, esse é um bom tema não só de análise jornalística, mas também de análise sociológica.
Quanto aos casos para 2009, temos vários importantes. Vamos dar continuidade a Raposa Serra do Sol, espero logo em fevereiro, a questão do monopólio dos Correios, há uma ADPF, a capitalização dos juros, que nós temos que prosseguir, pois tem uma repercussão enorme e há muitos processos esperando, diploma de jornalistas, caso Palocci, que é da minha relatoria, poder de investigação do Ministério Público, quebra de sigilo bancário pela Receita Federal, então os temas que estão hoje pendentes de repercussão geral, 88 questões importantes, alíquota do COFINS, URV, constitucionalidade da Lei Complementar 118/2005 sob o prazo de prescrição para repetição do indébito, portanto, temos aí temas relevantíssimos para 2009, fora aqueles que acabam surgindo e que acabam provocando incidentes institucionais e pronunciamento do Tribunal.
Sobre o Conselho Nacional de Justiça, o senhor falou que os mutirões de carceragem vão continuar no ano que vem. Eu gostaria de saber que outras ações o Conselho Nacional de Justiça deverá desenvolver em 2009, e quais são as perspectivas do CNJ para o ano.
Gilmar Mendes – Os Srs. Já acompanharam as ações do Conselho Nacional de Justiça em 2008. Realmente, nós tivermos muitas atividades muito importantes. Começamos com essa atividade de planejamento e gestão. Pela primeira vez, conseguimos fazer uma reunião de todos os Tribunais para coleta de dados e para análise de situação e esperamos realizar, em fevereiro de 2009, um encontro nacional, em Belo Horizonte, já programado para após os encontros regionais, para que nós possamos fazer uma análise segura e fixar o planejamento para o Judiciário, em termos nacionais. Aqui, nós estamos tendo a oportunidade de um diálogo e de um aprendizado entre todos os órgãos jurisdicionais.
Reputo importante, também, no CNJ, o controle das interceptações telefônicas. Estamos agora afinando, fazendo um trabalho de sintonia fina entre o CNJ e a CPI – estamos, inclusive, em contato com a Anatel – mas os resultados já são auspiciosos. A despeito da contraditoriedade dos números, nós temos a séria confirmação de que houve uma queda do número de pedidos de quebra do sigilo telefônico e uma queda no número de deferimentos.
Então, independentemente das medidas que vão ser tomadas – o governo está discutindo, o Congresso está discutindo a feitura de uma nova lei de interceptação -, nós avançamos aqui, já com esta medida e esta resolução do CNJ.
Tivemos, também, aquela resolução que proíbe o uso, ou que recomenda o não uso de nomes utilizados pela Polícia Federal no âmbito Judicial. Acredito que é uma medida importante, em termos desse modelo da espetacularização de ações da Polícia.
Em relação à gestão documental, também, estamos trabalhando nisto de forma integrada. Estamos avançando e vamos dar continuidade, vamos dar continuidade ao projeto de virtualização dos processos. O desenvolvimento do Projud e a participação no desenvolvimento do Ejud.
Outro feito importante do CNJ, este ano, que vai se projetar para o ano que vem, é a implantação das tabelas processuais unificadas. Isto vai nos permitir, realmente, ter um controle do número de processos e das condições dos processos no Brasil. A partir dessa tabela de assuntos unificados vamos, então, avançar.
A corregedoria do conselho avançou, também, realizando, inclusive, audiências públicas e inspeções. Um daqueles casos foi amplamente noticiado, o caso da Bahia. Recentemente, também foi feita uma inspeção no Maranhão. E veja que essa inspeção e essa audiência pública vêm sendo realizadas a partir dos dados que o próprio Conselho tem no Justiça Aberta e no Justiça em Números.
O caso da Bahia, por exemplo, é emblemático. Se constatou que havia um número elevado de processos conclusos, sem decisão. Isso chamou atenção da Corregedoria e suscitou, então, aquela inspeção na Bahia.
O movimento pela Conciliação vem sendo exitoso. Os senhores já divulgaram os números deste ano: quase 1 bilhão de reais em acordos realizados pelo Movimento de Conciliação, apenas na Semana de Conciliação.
Avançamos no que diz respeito à criação de sistemas de controle, tecnologia da informação, Infojud, o Bacenjud, o Cadastro Nacional de Improbidade Administrativa, esse sistema Hermes para as cartas precatórias, cartas de ordens, documentos, o chamado “malote eletrônico”.
E queremos, para o próximo ano, dar seqüência a esse trabalho dos mutirões carcerários, priorizar a virtualização das Varas de Execução Criminal, incentivar o núcleo de advocacia voluntária nos vários estados, ao lado das defensorias públicas que a gente vem incentivando – porque aqui é um tema muito sensível que se presta, como eu já disse, à ação de demagogos que, de quando em vez, vêm falar de Justiça de classe.
Na verdade, nós não temos, no Brasil, justiça de classe. O que nós temos, realmente, é uma assistência judiciária deficiente. Tanto é que – os Srs. que acompanham o Supremo Tribunal Federal, os Srs. viram - o índice de concessão de habeas corpus: 30%. Na maioria, a pessoas anônimas. Então, aquela tentativa maldosa, irresponsável, leviana, de timbrar o tribunal como um tribunal de ricos, é realmente uma atitude leviana, maldosa e irresponsável.
Mas, claro, nós temos grandes carências, especialmente na área de assistência judiciária. Só para os Srs. terem uma idéia do que isso significa: o Brasil tem 5.000 defensores públicos, para tratar de todos os assuntos: família, sucessões, questões do consumidor e outras. Só na área penitenciária, nós temos 400 mil presos, dos quais a maioria - 96 % ou 97% - réus pobres. Logo, ainda que se multiplique por 10 o número de defensores, nós vamos ter insuficiência nessa área. E a necessidade é ter um pensamento alternativo. Por isso que nós estamos trabalhando – como a Justiça já vem fazendo nos juizados especiais – em expandir esse modelo, estimulando a advocacia voluntária, com responsabilidade, com regras, mas para atender a essa questão, que diz tão de perto com os direitos humanos.
Estamos, já, começando com um núcleo experimental de advocacia voluntária no Maranhão, na penitenciária de Pedrinhas.
O Cadastro de Adoção vem dando resultados expressivos. Uma idéia simples, em que o conselho tem um banco de dados que possibilita aos eventuais adotantes encontrarem os eventuais adotados. E isso vem produzindo resultados expressivos. Em vários estados nós já temos números que nos animam.
Estamos trabalhando no programa Nossas Crianças, uma série de programas em favor das crianças e adolescentes. Vamos dar continuidade, no ano que vem, ao programa lançado este ano - muitos dos Srs. viram -, o Programa Casas de Justiça e Cidadania. Aqui, a idéia básica e ter um espaço de encontro do Judiciário com a sociedade. Usar os nossos espaços eventualmente ociosos, os momentos eventualmente ociosos para que nós possamos dar cursos, fornecer informações, treinar pessoas para fazer conciliação, mediação, formas alternativas de solução de conflitos, ter centros de informações nesses locais. E nós inauguramos dois desses centros, este ano, em Montes Claros e Teresina, este especialmente bem instalado, com atividades sociais significativas.
Combate ao subregistro civil - é outro trabalho que o Conselho vem desenvolvendo. Então, aqui os Srs. têm várias atividade que já foram iniciadas este ano e terão continuidade assegurada para o próximo ano.
Claro, vamos continuar a atuar nesta questão da eficiência, da transparência do Poder Judiciário, combate ao nepotismo, combate à corrupção, atividades também importantes desenvolvidas pelo Conselho.
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, fez um balanço também das atividades da Câmara e comentou que incomodava muito quando o Poder Legislativo não tomava as decisões que precisava tomar e quando o Poder Judiciário legislava avançando numa competência que, segundo ele, é do Congresso Nacional. Ele até citou que o Judiciário também, às vezes, demora para tomar as decisões e que nem por isso os parlamentares podiam fazer justiça. O senhor acha que esse ano pode servir de reflexão para os dois poderes?
Gilmar Mendes - Creio que todos nós estamos sempre reflexivos. A verdade é que nós temos tido um diálogo em alto nível não só com presidente da Câmara, mas com o presidente do Senado e também com o presidente da República. Nós estamos tratando de resolver um ponto que é bastante sensível nessa relação que é a questão da omissão inconstitucional. Como fazer a comunicação e como fazer as duas Casas a ter o procedimento especial para atender aquilo que nós chamados agora de inconstitucional? Nós estamos buscando formas e modos que em determinados casos nós assumimos uma função regulatória, nas avançadas exigências constitucionais. Os senhores mesmo noticiaram o caso do direito de veto do servidor público matéria sobre o qual o Supremo já havia se pronunciado em 1989 e que até agora não houve nenhum pronunciamento do Congresso.
A respeito do Supremo agora ter fixado uma nova orientação não houve ainda uma decisão do Congresso sobre essa matéria. O Supremo Tribunal Federal em caso como esses tem sido cauteloso. Ele não inventou a mod. Ele apenas limitou a dizer que a lei de greve, aprovada pelo Congresso, sobre os empregados privados em geral seria aplicável também aos servidores públicos com os ajustes necessários que cada instância entendesse cabíveis. Portanto, o próprio Tribunal quando adota uma sentença aditiva tem tido a cautela de adotar aquele entendimento que o Congresso já, pelo menos nas suas linhas básicas, adotara. Então, eu tenho a impressão de que todos nós estamos muito cuidadosos e repressivos. O Supremo Tribunal Federal é muito respeitoso com as funções do Congresso Nacional. Eu tenho nos meus pronunciamentos que não há democracia sem atividade do Poder Legislativo, sem atividade política e sem políticos. Nós cansamos de destacar e essas são as premissas básicas das nossas relações.
Eu queria retornar essa questão da PEC dos Vereadores. Há uma nova expectativa em relação a este tema. Se o mandato de segurança do Senado já chegou e se há uma perspectiva de definir essa questão ainda neste ano e ainda sobre esse assunto, nesse caso o Supremo estaria definindo um assunto que deveria ser definido pelo Congresso Nacional?
Gilmar Mendes – Bem, os senhores sabem, isso é um pouco óbvio , o Supremo não sai aí pelas ruas buscando as demandas. Em geral, ele só atua por provocação e em matéria, por exemplo, de conflito político em geral é um dos contendores que, não contente, traz o tema ao STF. Inclusive não se cansava de observar que a judicialização da política decorre das desinteligências dos próprios políticos. Então nós temos aí um exemplo claro – não estou emitindo juízo de valor, mas fazendo um juízo de constatação, isso ocorre também com as ADIs, quando os partidos políticos com representação no Congresso Nacional trazem o tema ao STF. Acho que é normal quando há controvérsia sobre processo legislativo é possível haver judicialização porque nesses temas não há questão interna corporis, mas eu não conheço ainda. Só sei que haverá essa opção do mandado de segurança e só a partir daí é que nós vamos poder ter uma avaliação.
O senhor recebeu algumas críticas este ano de que estaria falando demais enquanto deveria estar preso ao pronunciamento judicial. O senhor faz uma auto-reflexão a respeito desse tema? E qual a sua auto-avaliação? O senhor realmente acabou extrapolando nos assuntos tratados em entrevistas? A segunda pergunta é: o senhor fez críticas a respeito da espetacularização da Polícia Federal. Do meio do ano para cá o senhor vê algum tipo de mudança na atitude da polícia?
Gilmar Mendes - Quanto às críticas eu tenho impressão de que elas são sempre constantes. Não me consta que eu tenha me pronunciado sobre questões judiciais que estivessem submetidas ao tribunal pelo menos questões que já não tivessem posições, que as posições já não fossem conhecidas. Algumas das advertências que fiz, fiz na condição de presidente do tribunal, de fato pronunciando sobre questões institucionais relevantes, questões preocupantes, por exemplo, para o Estado de Direito. Quando falei, por exemplo, em ameaça do estado policial, da necessidade de uma nova lei de abuso de autoridade. Tanto é que o governo mesmo se curvou a essa realidade. Não acho, portanto, que tenha falado demais. Talvez tenha havido muitas condições para que eu me pronunciasse, portanto tendo em vista as situações que se colocaram. E, infelizmente também em relação aos meus temores, eu não errei. Aquilo que eu apontara, por exemplo, quanto ao estado policial era pior e mais gravedo que eu imaginara e que todos nós imaginávamos. Mistura de ABIN com Polícia Federal, por exemplo, nós não sabíamos disso quando começamos a discussão, que havia um total descontrole nesta seara, que de fato poderia se constituir uma verdadeira ameaça para a cidadania em geral. Está se criando um super sistema e de forma anárquica. Portanto aqueles fatos revelados que levaram ao afastamento do diretor da ABIN foram realmente pretexto, os fatos agora revelados – aquilo que se tem conhecimento e certamente não temos conhecimento de tudo –, e os fatos são extremamente graves, de desvio das duas instituições. Sobre a outra pergunta, os senhores podem apelar para a sua própria sensibilidade. Eu tenho impressão que isso mudou e eu não recuso os méritos.
Outro tema que foi discutido durante o ano, envolvendo o Supremo e o Congresso, a questão de edição de medidas provisórias. Termina o ano e o Congresso não regulamentou a edição desse instrumento. Eu gostaria de saber do senhor por que o senhor acha que isso não ocorreu e se o risco de que em 2009 se repita a edição de várias medidas provisórias ?
Gilmar Mendes - Bem, os senhores viram que o STF se pronunciou em pelo menos duas ocasiões, contra a edição de Medidas Provisórias, principalmente aquelas dos créditos extraordinários. Já foi uma limitação significativa imposta àquilo que nós chamamos abusos na edição das medidas provisórias. E o Congresso está tentando corrigir este fenômeno, que é o trancamento de pauta que, com o número excessivo de medidas provisórias, levam a um trancamento contínuo da pauta do Congresso Nacional, a expropriação de sua agenda. Tenho impressão que, não sei se o modelo que se está a desenhar é o adequado, mas foi aquele que se conseguiu votar. E é muito provável, não sei se a Câmara já concluiu essa votação, e é muito provável que isso vá ao Senado, possa ter ou não o aperfeiçoamento, já é um passo significativo no sentido da sua disciplina, da sua nova regulação, que é necessária. O modelo atual está exaurido. Já disso isso outras vezes.
E talvez, independentemente das alterações no plano constitucional, o Executivo e o Legislativo pudessem encontrar uma agenda comum em matéria de medidas provisórias, evitando a edição de MPs em assuntos banais, e o Congresso, por sua vez, também, encontrando um dado procedimento para atender às demandas, especialmente aquelas de urgência, mas não de urgência urgentíssima, matéria que pode ser regulada por lei. Então, nós temos aqui um desafio: de um lado, não se trata de satanizar as medidas provisórias, como um mal em si mesmo; elas muitas vezes são necessárias e imprescindíveis, como nós vimos aí, no quadro de crise internacional manifestada.
Como que o senhor responde ao volume de blogs e comunidades que fazem críticas abertas ao senhor? E uma segunda pergunta: Como que o senhor analisa as críticas em relação à sua defesa das garantias individuais?
Gilmar Mendes - Bem, esse é um novo mundo, esse dos blogs e das comunidades. Eu fiquei surpreso quando agora ia falar na TV Cultura, no Roda Viva, e havia um manifesto correndo na internet para que fossem feitas determinadas perguntas. Algumas delas, inclusive, extramente tolas e irresponsáveis. Uma delas chegou a ser formulada, e foi produzida a partir de uma dessas revistas, uma dessas publicações financiada por dinheiro do estado, que não se mantém senão com dinheiro de todos nós – um aparelho hoje de estado e de partido. Que mais de 30 ações não teriam chegado à primeira instância contra o meu irmão – surgiu essa pergunta a partir de uma informação. Como se, para quem, no jardim de infância jurídico, diz que a minha influência seria tanta que as ações não chegaram à primeira instância. Vejam o absurdo, portanto. Algum jornalista escreve isso, e isso – uma matéria de capa de uma revista, e isso depois ocupa esses blogueiros profissionais, talvez, inclusive, envolvidos em uma guerra comercial. Se diz que essas manifestações se reproduzem por técnicas, sabe-se lá se essas pessoas existem mesmo? Tantos que se manifestam? Hoje com a técnica de informática se pode fazer esse tipo de coisa. E sim, inclusive, democratas convictos. Por exemplo, nessa minha presença na TV Cultura, eles ficaram discutindo os entrevistadores, a ideologia dos entrevistadores. Em geral vocês não vêem isso em relação a tantos programas. Há mais do que isso: ensaiaram, e eu estive lá, chamaram as pessoas para um manifesto, para um protesto pela minha ida à TV Cultura. Veja que gente com perfil democrático. Mas eu até tranqüilizei o Paulo Markun, ele que estava um tanto o quanto preocupado como que eu entraria lá se houvesse protestos. Essas pessoas não existem, são pessoas de ficção na maioria delas. Eu disse, esses protestantes, esses protestadores, Markun, não conseguem encher uma kombi. E era verdade, não apareceu ninguém, apesar dessa conversa fiada, quer dizer, nós temos aí acho que gente metida em guerra comercial, incomodada com decisões do Tribunal, e estão querendo criar esse tipo de movimento. Alguns deles impressionam. Mas nós todos que somos profissionais, que estamos na vida pública, sabemos que eles não têm qualquer qualificação.
Quanto às garantias dos direitos individuais, cremos que estamos dando boas e adequadas respostas. Não há nenhuma dúvida quanto ao bom trabalho que o Tribunal vem fazendo. E eu não me canso de repetir: Um Tribunal como o STF é importante não só pelo que ele faz e pelo o que ele manda fazer, mas sobretudo pelo que ele inibe que se faça. É esse o nosso trabalho, inibir prisões preventivas ilegais, porque a pessoa sabe que ela vai ser cassada aqui. Inibir abuso de interceptação telefônica, porque nós vamos considerar ilegal. Até porque nós não podemos tratar de todos os casos. É isso que eu tenho chamado de uma pedagogia dos direitos fundamentais. Agora, quanto a dizer-se, por exemplo, que a situação A e B, que foi decidida desta ou daquela forma – os casos têm que ser levados na devida conta tendo em vistas as peculiaridades. Nós só podemos comparar as atividades do próprio Tribunal. Nós não podemos, por exemplo, comparar uma decisão do Tribunal com uma decisão do juiz de primeiro grau. Nós não podemos fazê-lo para apontar uma eventual incongruência. E como eu disse também, está desmentida cabalmente essa idéia de justiça de classe. Os senhores que acompanham o STF sabem que é absolutamente improcedente a acusação quanto a uma justiça de classe. O que que nós podemos ter é insuficiência de provocação, pessoas que estão sendo atingidas mas que não têm advogados, que não têm assistência jurídica adequada. Isto é da nossa responsabilidade? Em parte até poderia ser, e nós estamos tentando, no CNJ, resolver essa questão, em parte, também, com o voluntariado, mas isto é de responsabilidade de todos, especialmente do Executivo.
O senhor falou de PF. Eu queria saber se o senhor acha que existe algum outro abuso que esteja sendo cometido, e se o senhor acha se combater abuso da PF foi uma pauta política do senhor (política no sentido não político-partidária), o senhor acha que existe uma nova pauta para este ano de 2009? E se poderia ser cometer abusos do próprio judiciário quando decreta essas prisões que depois caem.
Gilmar Mendes - Em geral nós estamos fazendo isso. Quando se concede habeas corpus, não é contra o ato da polícia, mas contra ato de juiz. Quando a matéria sobre até o STF, em geral a gente está discutindo a prisão provisória, o ato do recebimento da denúncia. Em geral esse controle vem sendo feito. Nós estamos discutindo, no CNJ, estamos abrindo um diálogo com os juizes criminais e com as varas de execução criminal, também, no sentido de uma análise de procedimentos, tendo em vista essas situações a que já nos referimos, presos que ficam por muito tempo, além do tempo devido, seja na prisão provisória, seja na prisão definitiva, após sentença. Só para os senhores terem uma idéia, no Maranhão – esses dados depois podem ser distribuídos –, encontramos um preso que já havia cumprido a pena a mais de quatro anos. É uma situação vergonhosa. Nós estamos com presos, no Piauí, há mais de dois anos preso, com base apenas no inquérito – prisão provisória. Então, nós estamos realmente enfrentando essas questões.
Bem, no mais eu gostaria de agradecer a parceria, o trabalho que nós tivemos este ano, e desejar a todos vocês um feliz Ano Novo e um Feliz Natal.
Fonte: STF