Por Victor Vieira
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, criticou, nesta segunda-feira (25/3), o inchaço na estrutura do Judiciário durante seminário que discutiu uma reforma no Poder. O evento ocorreu no auditório do jornal Folha de S.Paulo, na capital paulista. “Será que precisamos de uma Justiça eleitoral desse tamanho? E a Justiça do Trabalho?”, questionou. É necessário, segundo ele, incentivar soluções para os conflitos fora dos tribunais. O Judiciário brasileiro tem 91 cortes, mais de 300 mil servidores e aproximadamente 16 mil juízes.
Também participaram do debate a cientista política da Universidade de São Paulo Maria Tereza Sadek; o corregedor-geral da Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini; o ex-secretário nacional da Reforma do Judiciário, Sérgio Renault; e o jornalista da Folha de S. Paulo Frederico Vasconcelos.
Para Nalini, a lógica de gestão do Judiciário é falha e gera conflitos de competências. “Deveríamos fazer com que administradores profissionais cuidassem da parte operacional”, sugeriu. Segundo ele, o problema não está na quantidade de juízes ou de tribunais, mas no excesso de burocracia. “Pode ser feita uma nova organização do sistema, outra divisão que atenda às especificidades de cada região”, sugere Sérgio Renault, que é presidente do Instituto Innovare.
O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional 45/2004 juntamente com o Conselho Nacional do Ministério Público, é apontado como o principal avanço no planejamento de uma estratégia para o setor. “A grande marca da reforma do Judiciário é a criação do CNJ, pois é um instrumento de autotransformação”, elogiou Gilmar Mendes, que o presidiu entre 2008 e 2010. A ideia do órgão externo de controle do Judiciário, que só foi implantada em 2006, é discutida desde a Assembleia Constituinte de 1988.
Apesar do progresso no gerenciamento, o Conselho Nacional de Justiça ainda é incipiente na função punitiva, segundo os especialistas. Nos últimos cinco anos, apenas 40 juízes foram punidos pelo órgão. Desse total, 29 receberam a sanção máxima, que é a aposentadoria compulsória. “O número de processos instalados no CNJ é relevante, mas a quantidade de punições é pequena”, avalia Sérgio Renault.
Mas o papel repressivo, na avaliação de Gilmar Mendes, não é o mais importante. Comentando recente polêmica inaugurada pelo atual presidente do CNJ e do STF, ministro Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes afirmou que desconhece conluios entre juízes e advogados, como apontado na última terça-feira (19/3) pelo chefe do Judiciário. “Não identifiquei relações aéticas entre magistrados e advogados no período em que presidi o Supremo”, declarou.
Entre os principais trabalhos feitos pelo CNJ, foram destacados os mutirões carcerários; a medida que proíbe o nepotismo nos tribunais brasileiros — a Resolução 7/2005 —; e o Programa Começar de novo, de ressocialização de condenados. Para a professora Maria Tereza Sadek, no entanto, a estruturação do Conselho ainda está frágil. “O CNJ tem baixíssimo grau de institucionalização e ainda depende muito da sua Presidência”.
Mais desafios
Outra medida importantes trazida pela Emenda 45/2004 lembrada pelos palestrantes foi a súmula vinculante, mecanismo que obriga juízes de todos os tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo STF. A repercussão geral, que permite aos ministros do Supremo selecionar os recursos extraordinários segundo critérios de relevância, também foi elogiada, assim como a limitação dos recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça.
As súmulas vinculantes, de acordo com os debatedores, ajudaram na criação de mais segurança jurídica e não restringiram a liberdade dos juízes. Já a limitação dos recursos serviu para desafogar os tribunais. “Ainda há muitos processos que chegam ao STF, mas o volume é bem menor. O grande problema agora não se encontra nas cortes superiores, mas nas instâncias inferiores”, opina Sérgio Renault.
A quantidade de processos, a burocracia e a morosidade do Judiciário prejudicam os cidadãos e contribuem para enfraquecer a iniciativa privada, criticaram os debatedores. “Há no Brasil um nível crescente de risco regulatório, envolvendo a atuação do fisco, das agências reguladoras e também da Justiça”, disse o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas Armando Castelar Pinheiro. Para ele, autor de estudos que relacionam a economia e o sistema judiciário, esses entraves afastam investidores e atrasam o desenvolvimento.
Com a demanda crescente, alavancada pelo aumento populacional e de acesso à informação, o estímulo às instâncias de mediação é considerado uma promessa de melhora. “A possibilidade de se criar meios extrajudiciais de solução de conflitos é importante”, ressalta Maria Tereza Sadek. Hoje há no país quase 100 milhões de processos em tramitação — uma ação para cada dois habitantes. “É preciso diminuir a cultura de judicialização. Atualmente, os Juizados Especiais, por exemplo, estão congestionados e não atendem mais às necessidades para as quais foram criados”, comentou Renault.
A resolução de conflitos antes de sua judicialização é uma das metas estabelecidas em outubro de 2012 no primeiro encontro da Comissão de Altos Estudos da Reforma do Judiciário, vinculada ao Ministério da Justiça, para o sistema nacional. As outras são o fortalecimento da Defensoria Pública, o tratamento adequado às demandas de massa, o estudo para a redução de litígios envolvendo o poder público, limites para julgamentos de repercussão geral e valorização dos tribunais de segundo grau.
A pesquisadora Maria Tereza Sadek ainda lembrou que, apesar das mudanças, os cidadãos mantêm má impressão sobre o setor. “Para quem é operador do Direito, não resta dúvida de que muitos problemas foram melhorados. Mas para a população, a percepção da Justiça é predominantemente negativa”, comenta a pesquisadora, que também faz parte da Comissão de Altos Estudos da Reforma do Judiciário.
Segundo ela, a forte presença de questões jurídicas na agenda pública, sobretudo quando expostas em jornais e na televisão, contribui para que as pessoas comuns tenham mais familiaridade com o assunto. O recente levantamento de dados sobre o setor, desenvolvido pelo CNJ, e a transparência de informações também foram apontados como ferramentas essenciais para aproximar o cidadão e o Judiciário.
Histórico da reforma
As propostas de reestruturação do Judiciário caminharam em rimo lento no Legislativo, no Executivo e nos próprios tribunais. Um passo importante foi a criação da Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário, ligada ao Ministério da Justiça, em abril de 2003. No Congresso Nacional, a reforma do setor foi aprovada apenas em novembro de 2004, após quase 13 anos de tramitação.
A Emenda Constitucional 45 foi responsável por outras mudanças significativas, como a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, a extinção dos Tribunais de Alçada, a possibilidade de federalização de crimes contra os direitos humanos, além de ajustes na Justiça Militar e do Trabalho. A matéria teve origem na Câmara dos Deputados com a Proposta de Emenda à Constituição 96/1992, do deputado Hélio Bicudo. Quando foi para o Senado, passou a ser chamada de PEC 29/2000, até ser aprovada a Emenda, em 2004.
A partir de 2008, a Secretaria de Reforma do Judiciário passou a articular trabalhos com o Programa Nacional de Segurança de Cidadania. Entre as ações propostas estão a implementação da Lei Maria da Penha (11.340/2006), o fortalecimento da Justiça comunitária, assistência jurídica integral aos presos e familiares e também capacitação em Direitos Humanos e Mediação para profissionais de Direito.
Victor Vieira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2013