“Não tem sido pequeno o desafio confiado a esta Corte”, disse o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, na cerimônia de sua posse, realizada quarta-feira (23). Na solenidade, também foi empossado o ministro Cezar Peluso como vice-presidente da Suprema Corte brasileira.
Em seu discurso, Gilmar Mendes lembrou que a cada dia a Corte vê-se confrontada com a grande responsabilidade política e econômica de aplicar uma Constituição repleta de direitos e garantias fundamentais de caráter individual e coletivo.
Quanto à demanda cada vez maior da sociedade, o ministro analisou que o STF tem respondido, demonstrando profundo compromisso com a realização dos direitos fundamentais. “Temos julgado casos históricos, em que discutidas questões relacionadas ao racismo e ao anti-semitismo, à progressão de regime prisional, à fidelidade partidária, e ao direito da minoria de requerer a instalação de comissões parlamentares de inquéritos, entre outros”, contou.
Ele rememorou, ainda, que o Plenário já iniciou o julgamento de temas relevantes sobre aborto, pesquisas com células-tronco e prisão civil do depositário infiel, no qual está sendo discutido o significado dos tratados de direitos humanos na ordem jurídica brasileira.
Responsabilidade do Judiciário
Segundo o ministro, a agressão aos direitos de terceiros e da comunidade em geral deve ser repelida imediatamente com os instrumentos fornecidos pelo Estado de Direito, “sem embaraços, sem tergiversações, sem leniências”. Ele destacou que o Judiciário tem grande responsabilidade em relação a essas violações “e deve atuar com o rigor que o regime democrático impõe”.
Judiciário e Poderes
De acordo com Gilmar Mendes, o cumprimento de complexas tarefas como o julgamento de temas relevantes, “todavia, não tem o condão de interferir negativamente nas atividades do legislador democrático”. “Não há ‘judicialização da política’, pelo menos no sentido pejorativo do termo, quando as questões políticas estão configuradas como verdadeiras questões de direitos”, salientou.
Por outro lado, o ministro destacou que o Supremo Tribunal Federal “tem a real dimensão de que não lhe cabe substituir-se ao legislador, muito menos restringir o exercício da atividade política, de essencial importância ao Estado Constitucional”. “Democracia se faz com política e mediante a atuação de políticos”, completou.
“De igual forma, qualquer obstáculo erguido em oposição ao poder-dever de legislar – de que é exemplo o já desgastado modelo de edição de medidas provisórias – afeta a construção de um processo democrático livre e dinâmico”, afirmou Gilmar Mendes. Para ele, é necessário que se encontre um modelo de aplicação das medidas provisórias a possibilitar o uso racional desse instrumento, viabilizando, assim, tanto a condução ágil e eficiente dos governos quanto a atuação independente dos legisladores.
“Os Poderes da República encontram-se preparados e maduros para o diálogo político inteligente, suprapartidário, no intuito de solucionar um impasse que, paralisando o Congresso, embaraça o processo democrático”, declarou. Segundo o ministro, nos Estados constitucionais contemporâneos, legislador democrático e jurisdição constitucional têm papéis igualmente relevantes. “A interpretação e a aplicação da Constituição são tarefas cometidas a todos os Poderes, assim como a toda a sociedade”, ponderou.
Equilíbrio institucional
“O Supremo está desafiado a buscar o equilíbrio institucional, a partir de procedimentos que permitam uma conciliação entre as múltiplas expectativas de efetivação de direitos com uma realidade econômica muitas vezes adversa”, disse o ministro, ao fazer referência ao chamado “pensamento do possível” e o limite do financeiramente possível. Dessa forma, reiterou que o Supremo tem-se mostrado peça-chave na concretização das referidas promessas sociais da Constituição.
Acesso ao Judiciário
O ministro também falou sobre a busca de uma ampliação do acesso ao Poder Judiciário pelos setores menos favorecidos da sociedade brasileira. Conforme ele, o Brasil apresenta “uma imensa demanda reprimida, que vem a ser a procura daqueles cidadãos que têm consciência de seus direitos, mas que se sentem impotentes para os reivindicar, porque intimidados quer pela obsoleta burocracia judicial ou pelo hermetismo dos ritos processuais e da linguagem jurídica”.
Segundo o novo presidente do STF, “em tempos de responsabilidade social, cabe ao Judiciário assumir também a sua cota-parte, saindo do isolamento, tornando-se social e politicamente relevante ao lutar pela inclusão dessas pessoas, protegendo-as efetivamente em seus direitos fundamentais e, por conseqüência, fortalecendo-lhes a crença no valor inquestionável da cidadania”.
Sobre a racionalização máxima de procedimentos, Gilmar Mendes afirmou serem visíveis os acertos representados por medidas como a criação de juizados especiais e a implementação das súmulas vinculantes e, mais recentemente, do instituto da repercussão geral, “que hoje representa a grande possibilidade de descompressão no ritmo de atuação do Supremo”. Ele salientou que todo o Judiciário está desafiado a contribuir para esse esforço de racionalização, “sem que para isso se efetive, necessariamente, a expansão das estruturas existentes. Assim, a ênfase há de ser colocada na otimização dos meios disponíveis”.
“A busca incessante pela melhoria da gestão administrativa, com a diminuição de custos e a maximização dos recursos, resultará seguramente no aperfeiçoamento do serviço público de prestação da justiça”, disse.
Judiciário como provedor social
Ainda durante seu discurso, o ministro falou sobre a ampla aceitação pelos brasileiros da jurisdição como via institucional de resolução de conflitos. Em contrapartida, fez referência à cultura “judicialista” que se estabeleceu fortemente no país, segundo a qual todas as questões precisam passar pelo crivo judicial para serem resolvidas, “o que faz o Judiciário ser chamado a atuar na solução de questões cotidianas, mais afetas às atribuições de competência de setores administrativos”.
“Sob esse aspecto, é hora de a sociedade civil, as organizações não governamentais, as entidades representativas de classe e órgãos como a Defensoria Pública, por exemplo, mobilizarem-se para combater esse quase hábito nacional de exigir a intermediação judicial para fazer-se cumprir a lei”, enfatizou Gilmar Mendes. De acordo com ele, “por mais eficiente que se torne, o Judiciário não pode tudo. Não devemos cair na tentação da onipotência e da onipresença em todas as questões de interesse da sociedade”.
Por fim, defendeu que os Poderes da República devem continuar trabalhando de maneira harmônica para a expansão do modelo democrático estabelecido em 1988 “que, apesar de jovem, comprova incontestável e definitiva consolidação”.
Fonte: STF