As denúncias anônimas que têm servido para articulações políticas dentro do Poder Judiciário não estão preocupando só o Superior Tribunal de Justiça, onde o problema ganhou grandes proporções na última semana. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, também está incomodado ao ver inquéritos baseados em denúncias anônimas servirem para colocar ministros e juízes nas manchetes de jornais.

"Denúncias anônimas merecem a lata do lixo", diz ele, ao explicar que o denunciante que não se identifica não está sujeito a ser responsabilizado — como deve acontecer com quem imputa falsos crimes a alguém. Inquéritos e investigações só devem ser abertos, segundo o ministro, com base em provas.

As provas no processo penal, aliás, são uma constante preocupação de Marco Aurélio. Em entrevista exclusiva concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico em seu gabinete na última quarta-feira (9/4), ele afirmou que todas as conversas interceptadas pela Polícia ou pelo Ministério Público em investigações devem ser transcritas integralmente. Com todas as palavras passadas para o papel, cabe às partes excluir tudo o que não diz respeito ao processo. Assim determina a lei, mas, muitas vezes, segue-se o "critério de plantão", a concepção do julgador, diz o ministro.

Na conversa, Marco Aurélio também abordou o julgamento dos planos econômicos pelo Supremo, que tem mobilizado os bancos e o poder público. Segundo ele, se a corte decidir que os poupadores têm direito a ser ressarcidos pelas perdas com o controle inflacionário imposto pelo governo, "todos nós pagaremos". Isso porque a União já informou, questionada pelo próprio ministro, que seus caixas socorrerão à Caixa Econômica Federal, em caso de condenação.

Marco Aurélio já se prepara para deixar a presidência do TSE, que será assumida por seu colega Dias Toffoli no próximo dia 13 de maio. Antes disso, porém, parece ainda ter muitos planos para a Justiça eleitoral. Conhecido por não se esquivar de conflitos, o ministro freou a implantação do Processo Judicial eletrônico (PJe) nos tribunais eleitorais depois de estudos apontarem que a instalação do sistema em ano eleitoral dificultaria a atuação da Justiça.

A obrigatoriedade de todos os tribunais usarem o PJe também é alvo do ministro. Quando questionado se fazia sentido o CNJ obrigar as cortes a jogar fora os investimentos que fizeram em outros sistemas de informatização, Marco Aurélio investiu, com sua oratória impecável: "Na atual quadra talvez faça, porque ele é tido como o superórgão da República".

Ele também cobra mais investimentos na Justiça Eleitoral, que, apesar de ser federal, depende de dinheiro e servidores de estados e municípios para funcionar. É preciso ter orçamento e criação de cargos para haver um quadro específico de servidores "que possam ser responsabilizados em seu sentido maior", afirma.

Leia:

ConJur — O senhor é a favor do financiamento público de campanha?
Marco Aurélio —
Estritamente público e balizado em termos de gastos e com regras muito rigorosas quanto ao aporte de dinheiro privado. O aporte de dinheiro privado, principalmente de certos segmentos, sai muito caro à sociedade financeira. Hoje, ele é um financiamento misto. Ele é privado e é publico. Público porque tem o fundo partidário com verbas públicas e a dita propaganda eleitoral gratuita, que é gratuita apenas para o candidato e para o partido. Para nós outros, não é, porque as empresas se compensam de alguma forma pelo espaço ocupado. E o privado é por pessoas naturais e pessoas jurídicas. Esse último tema, aliás, está em julgamento, já com seis votos contrários a este tipo de financiamento.

ConJur — Que benefícios traz o financiamento unicamente público de campanha?
Marco Aurélio —
O barateamento da campanha eleitoral. No voto que proferi [no dia 2 de abril, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650], apontei dados estatísticos: quanto custou um senador, um deputado federal, um governador e a eleição presidencial. São valores inimagináveis. Talvez o mandato tivesse de ser de vários anos para que eles, em termos de subsídios, recuperassem o que foi gasto. Gasta-se, por exemplo, R$ 5 milhões em uma campanha para ser deputado federal. Talvez houvesse uma exposição maior quanto ao perfil do candidato. Ele teria que se revelar de uma forma concreta aos eleitores. Hoje em dia se conquista voto mediante a pecúnia. Comprando-se votos.

ConJur — O senhor vê prejuízo se a vedação ao financiamento de campanha por empresas não valer nas eleições deste ano?
Marco Aurélio —
Se valesse para esse ano, haveria o prejuízo apenas para o bolso de alguns. Para a sociedade, seria um grande lucro. Isso é possível porque nós não estaríamos legislando no Plenário do Supremo. Nós estaríamos declarando o que contém um documento em vigor há mais de 20 anos, que é a Constituição Federal. Por isso não se aplica o princípio da anterioridade. E se formos aí perquirir se há o interesse social, ele está na aplicação imediata.

ConJur — A candidatura avulsa, sem partido, faz sentido no Brasil?
Marco Aurélio —
Por enquanto, no sistema posto, não. Mas quem sabe? Se tiver algum dia a tão falada reforma política, tenhamos aí, com a mitigação dos partidos — que são muitos hoje, mais de três dezenas —, a possibilidade de votarmos em candidatos avulsos. Isso depende de uma opção política normativa do Congresso.

ConJur — Essa reforma política ou eleitoral é necessária ao país?
Marco Aurélio
— O aperfeiçoamento é constante, mas não há vontade política para chegar-se a uma modificação substancial, inclusive com voto distrital.

ConJur — O voto distrital seria essencial?
Marco Aurélio
— Seria. Ele geraria um contato maior e, portanto, a obrigatoriedade de prestação de contas entre o eleitor e o candidato eleito.

ConJur — Atualmente, temos 32 partidos. Isso atrapalha a Justiça Eleitoral?
Marco Aurélio
— Não chega a atrapalhar, mas é algo que ninguém entende. Porque não são partidos definidos ideologicamente. Busca-se a criação de um partido para ter-se contraprestações. Refiro-me ao fundo partidário e a negociação na época das eleições, considerando-se o horário eleitoral.

ConJur — A Justiça Eleitoral brasileira tem sido festejada como a mais eficiente do país. Ou mais que isso. A melhor do mundo, já que nenhum outro país faz eleição tão rápida e com tão poucos questionamentos. Isso é ufanismo ou é verdade?
Marco Aurélio —
Isso é verdade. Basta constatarmos que o sistema existe desde 1996, com as primeiras eleições informatizadas para os municípios e capitais, e até hoje não houve impugnação com causas de pedir minimamente sérias. Tanto que não tivemos a glosa de qualquer procedimento quanto ao uso da urna eletrônica. Com ela, afasta-se o manuseio do voto pelo homem. Aí tem-se a consideração da vontade do eleitor, em seu âmago, em sua essência. O sistema não é interligado, por isso não há possibilidade de entrar nele. Tão logo encerrada a eleição, é impresso um relatório com os votos e uma via é fixada na própria seção para acompanhamento dos fiscais dos partidos políticos. Isso empresta uma segurança muito grande. E o disco da urna é transportado para o centro de aglutinação dos votos coletados.

ConJur — Sendo federal, a Justiça eleitoral depende de recursos humanos da Justiça estadual, pois o orçamento federal não comporta comarcas federais no mesmo número de municípios. Isso deveria ser revisto?
Marco Aurélio —
É preciso rever. Em determinados cartórios, a prestação de serviço ocorre por servidores cedidos, às vezes cedidos pela própria prefeitura. É preciso ter-se orçamento para a criação de cargos para haver um quadro específico de servidores que possam ser responsabilizados em seu sentido maior.

ConJur — É possível calcular quanto isso custaria?
Marco Aurélio —
Eu não tenho ideia do numerário. Mas não seria tão caro tendo em vista o resultado.

ConJur — O senhor disse ser favorável ao afastamento de candidatos a reeleição. A Justiça pode ter papel nisso ou depende exclusivamente do legislativo essa decisão?
Marco Aurélio
— Depende exclusivamente de lei. E eu lembraria que houve uma proposta, quando votaram a emenda constitucional da reeleição, no sentido de um afastamento, acho que de seis meses antes do pleito. Ela foi rejeitada. Portanto, como nossa atuação na Justiça é uma atuação vinculada ao direito posto, não temos nada a fazer. Temos sim a considerar os casos concretos em que aquele que se vai encaminhando para a reeleição se utiliza do cargo para aplainar essa caminhada. Ou seja, o uso da máquina administrativa, desequilibrando a disputa em favor daquele que tenta a reeleição.

ConJur — Esse é um problema comum na Justiça Eleitoral.
Marco Aurélio —
Em termos. Não se fustiga muito. E às vezes temos aí a relativização das coisas, o que é ruim em termos de apego a princípios e de apego a valores.

ConJur — Uma lei como essa facilitaria o trabalho da Justiça?
Marco Aurélio
— Sim, pois seria muito mais difícil, ele não estando mais com a caneta na mão, acionando a máquina administrativa em benefício próprio.

ConJur — O recadastramento biométrico tem sido um foco da Justiça Eleitoral. Ele é realmente necessário?
Marco Aurélio —
Ele é importantíssimo. É a única forma de saber que aquele que se diz eleitor, detentor do título, o é realmente. Houvesse a identificação biométrica, [Henrique] Pizzolato não teria votado pelo irmão falecido na década de 1970.

ConJur — O TSE já julgou algo relativo ao uso de telemarketing em campanha? Ou a consulta feita pelo PROS é a primeira?
Marco Aurélio —
Nós temos um campo em que as próximas eleições revelarão um grande teste. Porque as normas são escassas quanto à utilização de meios modernos de comunicação. Há vedações quanto à utilização mediante pagamento desses meios e o implemento do meio por pessoa jurídica. O candidato, de inicio, é que deve atuar, mas, claro, respeitando a data inicial para a campanha eleitoral, que é 5 de julho.

ConJur — O uso da própria internet tem sido muito questionado. O Judiciário pode colocar limites ou depende de lei?
Marco Aurélio
— Ele vai colocando mediante pronunciamentos judiciais. Mas surge, por exemplo, o questionamento do direito de resposta, considerado o que é veiculado denigrindo uma candidatura. A veiculação é imediata, chega a inúmeros destinatários em muito pouco tempo. Ainda é uma matéria em que não temos uma jurisprudência sedimentada. Vamos aguardar o que ocorre esse ano.

ConJur — A implantação do Processo Judicial eletrônico (PJe) na Justiça Eleitoral foi suspensa, após a área técnica da corte constatar que não existe estrutura para planejar e executar as eleições deste ano. O Judiciário agiu de forma açodada com o PJe, como alegam advogados?
Marco Aurélio —
De início é algo novo e, portanto, como tudo que surge, apresenta alguns percalços e incidentes. Fiquei perplexo quando soube que se estaria implantando o processo eletrônico retroativamente, ou seja, digitalizando os processos que aguardam julgamento, para ter-se uma única via, a eletrônica. É um sistema moderno e, de início, irrecusável, muito embora eu não me veja examinando um processo na telinha. Eu preciso manusear o processo, inclusive para voltar algumas folhas, marcar outras e revisitá-las. Precisamos compreender que o Brasil é continental. A realidade das capitais não é a do interior. Indaga-se quanto aos profissionais da advocacia que não têm acesso ao sistema: não se admitirá o peticionamento físico? Eu entendo que se deve admitir, mas o presidente do Supremo [ministro Joaquim Barbosa] assenta que não. No processo eleitoral, foi aprovada a implantação. Eu não estava na sessão, em ausência justificada, e aprovaram o processo eletrônico. E veio sendo implantado. Mas não se faz isso da noite para o dia, acionando um botão. Acabou que nós não concluímos a fase de implantação antes do ano das eleições. Sabemos que há um engajamento de toda a Justiça Eleitoral voltado às eleições e os setores técnicos entenderam que haveria implicações maiores se continuássemos a implantação e cuidando do processo eleitoral. Mas quem sabe agora no dia 13 de maio, eu deixando a Presidência, o futuro presidente entenda de forma diversa e toque o projeto.

ConJur — Na sua visão, só deveria voltar após o pleito?
Marco Aurélio —
Sim. Nossa atenção tem que estar direcionada às eleições gerais do dia 5 de outubro.

Leia a entrevista completa aqui.

Fonte: Marcos de Vasconcellos / Conjur