Muitas instituições têm sua evolução de forma semelhante à lagarta, que, depois de uma fase de desenvolvimento demorado quase imperceptível, transmuda-se em borboleta.
Essa sequência não é casual, mas sim um processo natural, que vigora na Natureza em geral.
Assim aconteceu, por exemplo, com a Religião, que, depois das contribuições de MOISÉS, BUDA e diversos mestres do Hinduísmo, pôde receber a mensagem decisiva de JESUS CRISTO, que, na verdade, é milhões de anos-luz superior a tudo o que tinha sido falado anteriormente.
Quanto ao Judiciário, pode-se classificar tudo que aconteceu antes d' O Espírito das Leis, de MONTESQUIEU, como a Pré-história dessa instituição. A sua independência começou com a colocação em prática da teoria da tripartição dos poderes do Estado.
O Judiciário do período que antecede o século XVIII representou um patético arremedo em termos de imparcialidade e honestidade.
Tanto é verdade que MONTAIGNE (no século XVI) renunciou ao cargo de magistrado do Parlamento de Bordeaux, após 13 anos de exercício, por não tolerar mais as regras do Processo Penal, o qual admitia, entre outras enormidades, a tortura como meio de prova, e com a forma de ingresso na Magistratura francesa, que se fazia por compra pura e simples dos cargos pelos interessados, tudo isso agravado pelo fato do monarca poder, de fato, interferir nas decisões judiciais se assim e quando lhe aprouvesse.
Outro que abandonou a toga depois de alguns anos de exercício foi o próprio MONTESQUIEU, que oficiou naquele mesmo Parlamento de Bordeaux no século XVIII...
Passados cerca de dois séculos das mudanças favoráveis ao Judiciário, estamos novamente num período de melhorias pontuais, insuficientes, todavia, para tirar-nos da quase mesmice. Alterações de regras processuais, aumento do número de cargos, informatização - tudo representa melhoras, mas nada de decisivo.
Padecemos de interferência externa no Judiciário, representada pela previsão legal de escolha de inúmeros magistrados pelo presidente da República e pelos governadores dos Estados e do Distrito Federal.
Não temos mais os chefes do Executivo invalidando decisões dos magistrados, mas sim enxertando o Judiciário com elementos da sua confiança, o que dá quase que no mesmo.
Temos também essa enxertia nos Juízos das Justiças Militares Estaduais e Federal, em que os juízes militares representam 80% do número de votos para condenar ou absolver seus colegas de farda.
Outra incongruência é a delegação a jurados da competência para julgamentos criminais nos casos mais graves dos crimes dolosos contra a vida.
MONTAIGNE e MONTESQUIEU, se fossem membros do Judiciário atual, talvez pedissem exoneração novamente...
Necessitamos, não de mudanças insignificantes, mas de uma verdadeira mutação: deixando de arrastar-nos como lagartas e passarmos a alçar vôo como borboletas.
Se não, deveremos aguardar que apareça um novo MONTESQUIEU, o que está longe de acontecer...
Autor: Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora - MG