Pode ser que a principal novidade da 17ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes passe despercebida pela maior parte do público. É que ela não está diretamente ligada ao conteúdo dos 134 filmes que serão projetados até 1º de fevereiro. É a forma que muda. Pela primeira vez, 100% das sessões do festival mais tradicional no interior de Minas serão digitais. O plus é que grande parte dos longas será mostrada em DCP (Digital Cinema Package), tecnologia de ponta quando o assunto é projeção cinematográfica.

Nada mais adequado para uma edição que tem como tema principal os processos audiovisuais contemporâneos. A transição para o digital é algo que interfere tanto o resultado como no modo como cinema vem sendo realizado no Brasil e no mundo, de maneira geral. “É uma edição bem coerente com a temática do evento. Acho que vamos ter discussão bem interessante”, espera a coordenadora geral Raquel Hallak.

Já fazem alguns anos que a Mostra de Tiradentes assumiu a vocação de valorizar o cinema de autor brasileiro e destacar o que a nova geração tem feito por aí. Nada diferente em 2014. A maratona começa hoje com a exibição de Quando eu era vivo, o longa dirigido pelo paulistano Marco Dutra que tem o homenageado, o ator Marat Descartes, como protagonista.
“Um de nossos desafios é oferecer uma programação de qualidade, que esteja dialogando com o momento atual do cinema. A mostra se propõe a ser um reflexo do cinema brasileiro contemporâneo, e contemporaneidade é algo subjetivo”, completa Raquel. É por isso que diversidade de gêneros, estilos e até orçamentos estarão pelas telas.

Até 1º de fevereiro serão 54 sessões de cinema no Cine Tenda, no Cine Praça e também no cinema instalado no Centro Cultural Yves Alves, batizado Cine Teatro Sesi. Entre as produções, há desde filmes caseiros, feitos com a colaboração de amigos, até produções financiadas com ajuda internacional. Se em outras edições da Mostra de Tiradentes os pernambucanos mostravam sua potência, este ano a geografia mudou um pouco. “O regionalismo ainda é bem forte, mas está um pouco mais dissipado”, observa Raquel.

Toda a programação se organiza em 10 mostras. A única competitiva é a Aurora, dedicada a jovens realizadores. Os filmes A vizinhança do tigre (MG), de Affonso Uchôa; Aliança (MG), de Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral; BatGuano (PB), de Tavinho Teixeira; Branco sai preto fica (DF), de Adirley Queirós; O bagre africano de Ataleia (MG), de Aline X e Gustavo Jardim; Aquilo que fazemos com as nossas desgraças (PR), de Arthur Tuoto; e A mulher que amou o vento (MG), de Ana Moravi disputam os prêmios júri da crítica, júri jovem e Itamaraty (R$ 50 mil).

THRILER
O filme de abertura integrará a Mostra Homenagens, dedicada aos trabalhos de Marat Descartes. Com roteiro feito em parceria por Marco Dutra e Gabriela Almeida Amaral, Quando eu era vivo é baseado no livro A arte de produzir efeito sem causa, de Lourenço Mutarelli. O longa é um thriler, o que, de cara, já é incomum no cinema contemporâneo brasileiro.

Outra curiosidade é o elenco: além de Marat, tem também como protagonistas Antônio Fagundes e Sandy, três atores com trajetória e experiências bastante distintas. “O equilíbrio entre os três é uma coisa interessante”, diz o diretor. Para Marco Dutra, tanto no processo de elaboração do roteiro quando nas filmagens, toda a equipe mergulhou na adaptação do livro de modo muito pessoal.

O resultado, segundo ele, é um filme específico o suficiente para não ser classificado somente como drama. É a história de Júnior, um homem que perde o emprego e volta para a casa do pai. Este, por sua vez, nutre uma paixão por uma nova inquilina. A vivência no espaço da infância faz com que Júnior busque a memória da mãe, o que gera todo o suspense.

Toda a programação da Mostra de Cinema de Tiradentes tem entrada franca mas se é que há espaço verdadeiramente democrático é o Cine Praça. Este ano, serão exibidos na tela montada no Largo das Fôrras, os longas-metragens Cidade de Deus 10 anos depois, de Cavi Borges e Luciano Vidigal (RJ), De menor, de Caru Alves de Souza (SP), Olho nu, de Joel Pizzini (SP), Os amigos (SP), de Lina Chamie e Turn-off, de Carlos Segundo (SP).

Como o próprio título já diz, a atração da noite de amanhã ao ar livre, Cidade de Deus 10 anos depois, mostra as transformações vividas pelos atores que participaram do filme. Foram cerca de 200 horas de filmagem e cerca de 60 personagens entrevistados. “A grande maioria nem era ator e estrearam no cinema com esse filme. Aí o tempo passa e percebemos que aqueles que não tinham uma trajetória rapidamente voltaram ao ostracismo”, comenta Cavi Borges.

De acordo com o diretor, tem sido surpreendente a curiosidade em torno do filme. Além de Tiradentes, Cidade de Deus 10 anos depois foi selecionado para outros 20 festivais e recebeu convite para eventos internacionais. O fato de ser exibido na praça é um ponto positivo. “Algumas pessoas vão se identificar. O filme fala sobre como é difícil ser artista no Brasil. Tem uma questão racial muito forte”, continua o diretor.

MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES
A partir desta sexta a 1º de fevereiro, em Tiradentes. Entrada franca. Informações no site da mostra.
Fonte: Estado de Minas