O último ano destacou-se, no Direito de Família, pelo maior sentido dado ao afeto. No Direito de Família mais vale um sentimento puro do que o registro. Assim, ganhou importância ao lado da paternidade biológica a afetiva.
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça concedeu direito de habitação à convivente, na união estável, ante o falecimento de seu companheiro, mesmo em face da partilha do imóvel habitado entre os filhos. Esse direito de residir era concedido tão somente ao cônjuge. Entre muitas outras decisões prestigiando o afeto nas relações familiares, houve a admissão de registro de maternidade socioafetiva, sem exclusão do nome da mãe biológica do registro.
A Justiça também vem facilitando o registro do recém-nascido em útero alheio — conhecido como barriga de aluguel. Os pais vem conseguindo o registro de seus filhos, em nome deles, sem o nome da gestante. Assim, a autorização judicial é de construir na certidão de nascimento o nome de duas mães e um pai, aplicando-se o conceito da multiparentalidade. O afeto vem prevalecendo em muitas decisões em Direito de Família, mostrando que ele é basilar nas relações familiares, como mostra de que o Direito é vida, é respeito, é dignidade aos sentimentos humanos.
Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, com dois artigos (226 e 227), revolucionou o Direito de Família. Desde então, já se passaram mais de 25 anos. Abriu-se a legislação e a jurisprudência para acolher as várias espécies de família que vão surgindo na sociedade, a começar pelo concubinato puro, união estável e o concubinato impuro, ora regido pela Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal. Eliminou-se a chefia unilateral da sociedade conjugal (masculina), que, atualmente, tem a direção conjunta pelo homem e pela mulher, em colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos.
A Carta admitiu o divórcio primeiramente, após prévia separação judicial por mais de um ano, na forma da lei (divórcio indireto) ou após comprovada separação de fato por mais de dois anos (divórcio direto), independentemente de culpa. Essa norma repetiu-se no Código Civil de 2002. Introduziu-se, assim, na Constituição o divortium bona gratia do Direito Romano, bastando, então a ocorrência de dita separação de fato, para o divórcio direto. Atualmente, pela PEC do Divórcio, e a partir de sua edição, em 13 de julho de 2010, eliminaram-se todos os referidos prazos que constavam no parágrafo 6º, artigo 226 da Constituição. Qualquer dos cônjuges passou a poder exercer seu direito potestativo de requerer o divórcio, independentemente de observância de qualquer prazo. Isso sem se falar do divórcio requerido em Cartório, de comum acordo, não havendo filhos menores ou incapazes, introduzido pela Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007.
Também pelo parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição Federal igualaram-se os direitos de todos os filhos, inclusive dos adotivos. A grande abertura do artigo 226 da Constituição Federal foi o seu texto enunciativo, enumerando algumas famílias, que vêm surgindo em nossa comunidade. Assim, outras formas de constituição de família, entre as quais o casamento típico, a união estável e a entidade familiar, podem ser incluídas nesse texto, sem necessidade de alteração constitucional, como já aconteceu com o reconhecimento do casamento entre as pessoas do mesmo sexo, admitido como casamento atípico pelo Superior Tribunal de Justiça (casamento entre duas lésbicas). Essas novas formas podem ser admitidas nesse texto constitucional, desde que lícitas e acolhidas em nossa sociedade.
Outra matéria que está se desenvolvendo é o casamento religioso autônomo, que entendo deva existir ao lado do casamento religioso com efeitos civis, que, no meu entender, é casamento civil. O casamento religioso, das várias religiões existentes, encontra-se regulamentado por seu estatuto religioso próprio. O casamento religioso autônomo que existiu a seu modo, há mais de três mil anos, está sendo desprestigiado, desde a secularização do casamento civil, pelo Decreto 181 de 1890, que passou a admitir, somente, o casamento civil típico. Coisa é admitir-se que o casamento religioso é casamento, com celebração oficial, diferentemente do que ocorre com a união estável, união concubinária ou outra. Naquele, as partes sentem-se casadas, segundo o estatuto religioso escolhido.
Em 2008, editou-se a Lei 11.698, que além de regular a guarda alternada, também o fez quanto à guarda compartilhada, que faz nascer o dever de participação na vida dos filhos, para que não se sintam abandonados. Já existem alguns julgados na jurisprudência condenando pais que, friamente, pagam pensão alimentícia a seus filhos sem o cumprimento do dever de visitação e de participação. São condenações por dano moral.
Entretanto, parece-me difícil obrigar os pais a amarem seus filhos, pois o amor não pode originar de obrigação imposta por lei ou por decisão judicial. Contudo, devem eles educar-se no sentido de formarem o melhor ambiente para seus filhos, evitando sempre a alienação parental. Todos esses princípios e essas conquistas do Direito de Família vêm sendo prestigiados pela jurisprudência até o presente momento.
A tendência, atualmente, é de retirada do Livro de Direito de Família do Código Civil, para compor um novo Estatuto, que possibilite sua adaptação constante como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Consumidor (Código de Defesa do Consumidor), o Estatuto do Idoso, entre outros. Entretanto pelo Direito Projetado à criação do Estatuto da Família ele continua renitente a aceitar a realidade, como se o legislador quisesse criar leis que não atendem à necessidade social. De nada adiantará o surgimento do Estatuto da Família que mantenha as regras do Código Civil. Esse não pode ser o propósito atual.
O Instituto dos Advogados de São Paulo — que criou a Comissão de Direito da Família e das Sucessões, da qual sou presidente — tem feito de tudo para pesquisar essas novas situações familiares, para informar os tribunais brasileiros, até o Supremo Tribunal Federal, como amicus curiae. Se o Estatuto do Direito de Família ou das Famílias excluir alguma delas ou permanecer com regras desatualizadas, é melhor que continue o Código Civil a regular a matéria.
Por outro lado, há a tendência, por exemplo, de tornar obrigatória, em casos de separação do casal ou de divórcio, a guarda compartilhada, que, na verdade, tem existido como guarda sucessiva. A guarda compartilhada, no Brasil torna-se quase impossível com a tendência demandista e a alienação parental que existe entre os casais. Criar uma cultura por lei é muito difícil malgrado situações que podem surgir como domicílios diversos dos cônjuges, em cidades diferentes, com problemas econômicos e compromissos escolares de menores. Deve existir uma campanha de fraternidade e de conciliação dos que se separam a demonstrar que seus filhos merecem bom tratamento psicológico para resistirem às fraquezas do mundo exterior.