O Código de Processo Penal de 1941 começou ontem (17) a ser reformado no Congresso. O novo texto eleva para 16 o número de medidas cautelares à disposição dos juízes (para evitar que o investigado seja levado antecipadamente para a cadeia), reforça a garantia de julgamentos com isenção e diminui os recursos judiciais que facilitam a prescrição dos processos e, por consequência, estimulam a impunidade.
Uma das inovações previstas no texto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas que ainda precisa da aprovação dos plenários do Senado e da Câmara, é a possibilidade de o juiz ter alternativas para impedir que o suspeito por um crime não fuja do País, cometa novos crimes ou tente coagir testemunhas. Atualmente, o magistrado dispõe apenas de uma opção: decretar a prisão provisória. Essa alternativa faz mais de 40% da população carcerária ser de presos provisórios - e muitos são declarados inocentes ao fim do processo.
O texto ainda determina o estabelecimento, inédito, de "um juiz de garantias", para assegurar a imparcialidade e a lisura dos processos judiciais. Ele cuidará do caso, assumindo depois do juiz de instrução (inicial). O inquérito passará a tramitar diretamente entre a polícia e o Ministério Público. Uma das poucas situações que ainda demandarão autorização judicial, a quebra do sigilo telefônico, passa a ser regulada. As escutas só serão permitidas para quando o crime investigado tenha pena mínima superior a 2 anos.
O novo código ainda permitirá que o juiz mantenha o suspeito nas ruas, mas adote medidas que garantam o bom andamento do processo. O magistrado poderá, por exemplo, determinar a prisão domiciliar do investigado, o monitoramento eletrônico, proibir que ele tenha contato com determinadas pessoas ou frequente certos lugares. "O absurdo crescimento do número de presos provisórios surge como consequência de um desmedido apelo à prisão provisória, sobretudo nos últimos 15 anos", afirma o texto do projeto.
Os juízes poderão ainda, em casos de crimes com repercussão econômica, determinar a indisponibilidade dos bens investigados, para que não passe para terceiros os bens obtidos de forma ilegal. Podem ainda sequestrar e alienar os bens antes mesmo do trânsito em julgado do processo. Hoje, essa medida está limitada ao tráfico de drogas.
Prazo - O texto ainda busca regular o prazo máximo para a prisão preventiva - o que não existe atualmente. O novo CPP prevê, para os crimes com pena máxima inferior a 12 anos, um prazo de até 540 dias. Para os crimes com penalidade superior a 12 anos, o tempo máximo para que o investigado permaneça preso será de 740 dias.
Vítima poderá saber destino de preso
Passos do processo terão de ser oficialmente comunicados; novo código reserva capítulo para os direitos de quem é afetado por crime
Maior prejudicada pela prática de um crime, a vítima passa a dispor de um tratamento especial no projeto do Código de Processo Penal aprovado ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A vítima passa a dispor de uma lista de direitos relacionada em capítulo específico do novo código, intitulado "Dos direitos das vítimas", e deixa de ser mera espectadora das investigações. Hoje, essas garantias estão espalhadas pela legislação e, em alguns casos, dependem da boa vontade das autoridades públicas.
O novo código prevê que as vítimas devem ser comunicadas da prisão ou da soltura do suposto autor do crime, da conclusão do inquérito, do arquivamento das investigações ou da condenação ou absolvição do acusado. A vítima terá o direito de ser ouvida em dia diverso do estipulado para o depoimento do autor do crime. Isso evita, por exemplo, que agredido e agressor se cruzem na delegacia de polícia. Esse eventual encontro pode constranger a vítima e deixá-la com medo de acusar o agressor. A vítima tem o direito ainda, pelo novo texto, de ser ouvida antes de eventuais testemunhas.
O código ainda estabelece a possibilidade de a vítima pedir às autoridades públicas informações sobre o andamento do processo e manifestar, oficialmente, suas opiniões sobre as investigações. O texto prevê ainda que a vítima pode obter do autor do crime a reparação pelos danos causados e intervir no processo penal como assistente do Ministério Público.
Investigados. Ao mesmo tempo em que beneficia as vítimas, a nova legislação reforça as garantias legais dos investigados. Um dos pontos principais, nesse sentido, é deixar expresso que as autoridades devem adotar todas as providências necessárias para evitar a exposição dos acusados aos meios de comunicação. "Com isso, quer-se impedir exposições que possam aviltar a dignidade das pessoas envolvidas no conflito, bem como rompantes de sensacionalismo midiáticos à custa da imagem da vítima, das testemunhas e do investigado, colocando a investigação criminal noutro patamar de civilidade", afirma o relator do projeto, o senador Renato Casagrande (PSB-ES).
A legislação atual já prevê que cabe à autoridade que detém a custódia de determinado suspeito proteger sua integridade física e moral. Mas são comuns os exemplos em que policiais, depois de uma prisão, expõem o investigado.
Foram exemplos como esses que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a aprovar a súmula vinculante sobre o uso de algemas. Depois da Operação Satiagraha, quando o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta foi preso e algemado em casa diante das câmeras, o STF tentou estabelecer restrições ao uso das algemas.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo, edição de hoje (18).