A previsão da figura do juiz leigo existe na legislação brasileira há 21 anos, quando foi aprovada a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Contudo, a função, que é auxiliar ao trabalho da Justiça, só foi posta em prática mais recentemente em muitos estados, como aconteceu em Minas Gerais, quando o Órgão Especial do TJMG aprovou, por unanimidade, em 2015, a criação da função de juiz leigo dos Juizados Especiais do Estado. No fim do ano passado, foi aberto edital e realizada seleção de profissionais interessados, que já estão exercendo a função em 41 comarcas do Estado.
O coordenador dos Juizados Especiais e membro do Conselho de Supervisão e Gestão dos Juizados Especiais do TJMG, juiz Marcelo Rodrigues Fioravante, destaca que a iniciativa representa um passo importante para o Sistema dos Juizados, além de auxiliar na sua modernização ao multiplicar a força de trabalho do magistrado que se encontra à frente de cada unidade.
“A contribuição dos juízes leigos deve gerar uma redução do tempo de espera da parte para a realização da audiência, uma vez que eles vão ajudar diretamente na ampliação das sessões conciliatórias”, afirma o magistrado.
A redução do tempo de espera está prevista na Meta 1 do CNJ, instituída para os Juizados Especiais. De acordo com Fioravante, a expectativa do TJMG com o trabalho do juiz leigo é equilibrar a operosidade do Sistema dos Juizados Especiais.
O magistrado ressalta que outros tribunais do País, como os do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, já lidam com essa força auxiliar de trabalho, o que representa um grande potencial de incremento da atividade jurisdicional. “O principal intuito do Constituinte de 1988, quando previu no artigo 98, I, da Carta Magna, a figura do juiz leigo nos Juizados Especiais, foi o de dar concretude a um sistema de Justiça efetivamente ágil e eficiente, comprometido com o princípio da duração razoável do processo”, diz Fioravante.
Tática de guerra
Atuando há dois anos no Juizado Especial de Santa Luzia (grande BH), dono do mais alto acervo da Comarca, a juíza Ana Paula Lobo Pereira de Freitas passou a contar, em março deste ano, com a contribuição de dois juízes leigos. A magistrada conta que, atualmente, o Juizado Especial tem uma distribuição de 700 processos por mês, com um acervo de mais de sete mil ações.
“Os juízes leigos chegaram em boa hora. Com o apoio deles, estamos conseguindo atingir e manter o objetivo da Lei do Juizado Especial, que é tornar os processos mais ágeis”, diz Ana Paula.
De acordo com a juíza, com o acervo do Jesp, se nada fosse feito, os processos iriam acumular cada vez mais. “É como uma tática de guerra. Até o mês passado, conseguimos cumprir a meta. E com o apoio dos juízes leigos a minha expectativa é a melhor possível. Sou muito prática, e ver os processos sendo resolvidos, muitas vezes no mesmo dia, é extremamente positivo”, afirma.
Via de mão dupla
Se, para a Justiça, o juiz leigo veio para somar, todo esse trabalho e empenho também acrescentam na carreira do profissional. Matheus Moura Matias Miranda é bacharel em Direito há dois anos e pretende ser juiz de Direito. Para ele, fazer parte do dia a dia da Comarca de Santa Luzia e ver de perto o trabalho dos juízes é uma experiência inigualável.
“Para minha formação, esse contato com o gabinete, as sentenças, as partes, a conciliação e a instrução é muito positivo. A função é temporária, mas me garante uma formação mais profunda daquilo que pretendo ser daqui a um tempo”, afirma.
Matheus conta que foi muito bem recebido por toda a equipe do Juizado e que o trabalho em conjunto só tem a somar para o jurisdicionado. “Quando cheguei aqui, logo percebi que há muita demanda. Mas notei também que tem uma equipe forte e empenhada para solucionar todos os conflitos”, diz.
Perfil
Para a juíza Karina Veloso Gangana Tanure, da 16ª Unidade Jurisdicional do Juizado Especial da Fazenda Pública de Belo Horizonte, entre os profissionais que se enquadram no cargo conforme pré-requisito, existe um perfil que se encaixa melhor às demandas da função.
“Os juízes leigos que se adaptam com mais facilidade às atividades são aqueles estudiosos ou mesmo concursandos que, além da prática das audiências, trazem consigo um interesse em um futuro exercício da judicatura ou mesmo de assessoria jurídica a magistrados e desembargadores”, afirma a juíza.
Segundo ela, esses profissionais são dedicados e possuem acúmulo de conhecimentos jurídicos de mérito e técnico-processuais. Além disso, apresentam um perfil de imparcialidade para a prolação de projetos de sentenças em diversos contextos, desde a esfera cível até o direito público, nos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública.
Experiência
O interesse de seguir a carreira da magistratura foi um dos fatores que motivaram a advogada Thácila Silveira a se inscrever para seleção da função de juiz leigo. Aprovada, ela e mais quatro juízes leigos integram a equipe que auxilia as juízas Karina Veloso Gangana Tanure e Maria Flávia Albergaria Costa na 16ª Unidade Jurisdicional do Juizado Especial da Fazenda Pública de Belo Horizonte.
“Participei da seleção para adquirir experiência em atividades decisórias e no comando de audiências, já que pretendo seguir carreira na magistratura. O efetivo exercício do cargo por dois anos valerá como título no concurso da magistratura mineira”, conta Thácila.
De acordo com ela, a nova função deixou-a com ainda mais certeza de tal vocação. “Conferir uma solução aos problemas dos jurisdicionados, muitas vezes pessoas carentes, que depositam suas esperanças e confiança no sistema dos Juizados, é uma atividade muito gratificante”, destaca.
Exercendo o cargo há menos de um mês, Thácila notou que o trabalho tem sido árduo, mas não menos recompensador. Ela comenta que o volume de ações e a diversidade de assuntos é grande, porém, encara tal situação como um treino para posterior exercício da atividade de magistrada.
A relação com os juízes do Jesp é outro ponto positivo destacado por Thácila. Segundo ela, as magistradas Karina Gangana e Maria Flávia Albergaria receberam os juízes leigos de braços abertos e perceberam que a nova equipe veio para conferir maior agilidade aos processos e não para usurpar competências.