Na Comarca de Betim, uma mulher propõe uma ação indenizatória contra o Detran-MG e o Município de Belo Horizonte. O juiz redistribui o processo para uma das varas da fazenda pública e autarquias da Comarca de Belo Horizonte, cujo magistrado entende que a ação deveria tramitar em Betim. O prazo da internação provisória de um homem em um hospital psiquiátrico de São Sebastião do Paraíso vence e, para liberá-lo, é impetrado um habeas corpus (HC) no Tribunal. Uma execução trabalhista em Diamantina está paralisada porque depende da conclusão de um inventário em Contagem. O que esses três casos têm em comum? Todos foram resolvidos de forma rápida e informal, por meio da atuação dos juízes cooperadores do Núcleo de Cooperação Judiciária do TJMG.
“O objetivo precípuo do núcleo é reduzir os entraves burocráticos através da participação colaborativa dos magistrados na simplificação dos procedimentos”, explica o desembargador Raimundo Messias Júnior, designado para presidir o órgão. Junto com ele atuam dois cooperadores, os juízes auxiliares da Presidência Carlos Donizetti Ferreira da Silva e Antonio Carlos Parreira.
O núcleo evita o prolongamento dos processos por questões que não envolvem diretamente a questão que os originaram. “O litígio é entre as partes, o magistrado não pode multiplicar o conflito”, pontua o desembargador Raimundo Messias Júnior. Ele explica que, nos três casos acima, a questão foi solucionada de forma simples e com mais agilidade, sem precisar seguir os caminhos tradicionais.
No primeiro caso citado, em vez de ser necessário aguardar o resultado do conflito de competência no Tribunal, o que atrasaria o andamento do processo, o juiz cooperador conversou com os juízes envolvidos e eles chegaram a um acordo, decidindo que a ação correria na Comarca de Betim. No caso da internação, o juiz da comarca foi contatado e a autorização para liberação do paciente foi prontamente expedida, sem a necessidade de esperar o julgamento do HC. O mesmo ocorreu com o inventário: ao ficar ciente da situação, o juiz responsável agilizou o processo, destravando a execução na Justiça do Trabalho.
Inspiração europeia
O Núcleo de Cooperação Judiciária foi criado em 2012 no TJMG e integra a Rede Nacional de Cooperação Judiciária, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Recomendação 38/2011 do CNJ estabelece que cada tribunal crie seu núcleo, indicando juízes cooperadores para promover o intercâmbio entre as cortes e facilitar a execução de atos processuais que dependam de mais de um órgão do Judiciário.
A Rede Nacional foi idealizada no Brasil pelo desembargador José Eduardo Resende Chaves, do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), que se inspirou em um modelo implantado na União Europeia. Segundo o magistrado, lá é comum processos envolverem pessoas e legislações de diferentes países devido ao grande intercâmbio de relações, sejam de família, de trabalho, comerciais ou criminais. “Vi que o sistema funciona muito bem entre países de 27 línguas diferentes. No Brasil não temos a dificuldade de mais de um idioma, mas temos 91 tribunais que não se comunicam, que funcionam como ilhas”, disse.
Mudança de paradigma
Segundo o desembargador Raimundo Messias Júnior, a criação dos núcleos de cooperação se afina a princípios mais recentes, como a duração razoável do processo, e foi incorporada pelo novo Código de Processo Civil. Os artigos 67, 68 e 69 da legislação tratam especificamente da cooperação nacional. O novo CPC permite que a cooperação ocorra em qualquer ato que necessite da atuação de mais de um juiz, mesmo entre unidades de diferentes ramos do Poder Judiciário. A prática também não se prende a formalidades, podendo ser realizada por meio de auxílio direto, prestações de informações e atos acordados entre os magistrados.
De acordo com o presidente do núcleo do TJMG, o Judiciário sempre foi muito engessado e preso a formalidades, e agora é hora de mudar de paradigma. “Como toda a evolução tecnológica e o desenvolvimento das comunicações, das redes, o Judiciário não pode perder o ‘bonde da história’. Precisamos nos adaptar”, diz o desembargador Raimundo Messias Júnior. Para ele, o maior desafio é conscientizar os juízes de que a cooperação não representa uma afronta à sua autoridade ou capacidade profissional.
O desembargador José Eduardo Resende Chaves concorda. Segundo ele, é preciso vencer a concepção ultrapassada de que o juiz só deve prestar contas à sua própria consciência. “É preciso difundir uma nova cultura. Uma posição mais dialógica dos magistrados irá fortalecer a consistência nas suas decisões”, conclui.
Fonte: TJMG