A quantidade de motoristas que pagaram fiança para se livrar da prisão pelo crime de embriaguez ao volante está aumentando em Belo Horizonte. Em 2013, 649 condutores desembolsaram R$ 692 mil. De janeiro a novembro do ano passado, 706 pessoas pagaram R$ 841 mil, um aumento de 8,78% no valor. Inconformados, parentes de vítimas de acidentes provocados por motoristas alcoolizados querem que eles fiquem na cadeia. O Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG) diz que cumpre a lei e que tem se esforçado para juntar provas que garantam punição mais pesada.

Dois casos recentes reacenderam o debate sobre a questão. Na madrugada de 27 de dezembro, a modelo Paola Antonini, de 20 anos, teve parte de uma perna amputada depois de ser atropelada por uma motorista alcoolizada na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Luxemburgo, Centro-Sul de BH. O teste do bafômetro de Diandra Lamounier, de 24, apontou 0,53 miligramas de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões, bem acima do limite de 0,34 mg/l, que é o considerado para a abertura de inquérito policial. Apesar da gravidade, Diandra pagou fiança de R$ 1,5 mil e não foi presa.

O caso do estudante de engenharia civil Hudson Salviano, de 22, foi mais trágico. Ele foi atropelado por um Pálio quando seguia de moto pela Avenida Francisco Sá, esquina com a Avenida Amazonas, no Bairro Prado, Oeste de BH, na madrugada de sexta-feira. No dia seguinte, ele morreu no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. O motorista do carro, Geraldo Laurindo Custódio, de 64, recusou o teste do bafômetro, mas policiais que atenderam a ocorrência atestaram que ele apresetava sinais de embriaguez. Depois de pagar R$ 5 mil de fiança, ele ficou livre para esperar a conclusão da investigação do acidente.

DOLO EVENTUAL


A delegada Andréa Abood, coordenadora de Operações Policiais do Detran/MG, explica que a lei estabelece a fiança, exceto nos casos de homicídio com dolo eventual, quando o autor não tem a intenção de matar, mas assume o risco. Mas, mesmo nesse caso, é preciso que a ocorrência chegue ao delegado de plantão com indícios suficientes de dolo eventual. “A lei não nos permite considerar o dolo eventual como padrão para todos os casos de mistura de bebida e direção e o condutor causar um acidente com vítima”, afirma.

Ela cita o exemplo do acidente que matou Hudson Salviano. O motorista do Pálio se recusou a soprar o bafômetro e alegou que cruzou a Amazonas no sinal amarelo: “Uma testemunha disse que ele passou no vermelho, mas os elementos eram insuficientes para atestar uma conduta com dolo, o que fez o delegado de plantão autuar por lesão corporal culposa (sem intenção). Cabe agora à invesitgação esclarecer as circunstâncias”.

O entendimento do pai do jovem é diferente. “Meu filho foi vítima de assassinato”, desabafa o engenheiro mecânico Frederico Salviano de Almeida, de 47. De Campo Belo, na Região Centro-Oeste, onde o estudante foi sepultado com muitas homenagens, Frederico disse, por telefone, que acredita em justiça e vai até as últimas consequências para punir o culpado: “Houve intenção real de matar”.

Frederico cobra também mais conscientização: “Meu filho era estudante de engenharia, apaixonado pela vida e por Campo Belo, onde nasceu, por isso o trouxemos para ser enterrado aqui. Além de tudo, era esportista, não bebia e não fumava. As pessoas podem tomar a sua cervejinha, mas se isso acontecer, que usem um táxi”.

RIGOR

A delegada informa que os casos graves, como de Hudson e Paola, recebem a maior atenção possível para que a punição não seja branda: “O Detran tem agido com rigor para buscar provas para demostrar que houve dolo eventual. Mas isso só é garantido com um conjunto sólido de provas, que é o objetivo de todas as investigações de embriaguez como causadora de acidentes”.

No caso do homicídio, por exemplo, se a investigação conclui que a conduta é culposa (sem intenção), a pena varia de dois a quatros anos de prisão, normalmente convertida em outras medidas. Se for apontado o dolo eventual, a punição varia de seis a 20 anos, com parte da pena em regime fechado.

Para o professor de direito processual penal da UFMG, Felipe Martins, é preciso muita cautela: “É importante que os casos sejam julgados pelo que eles realmente são e não pelo clamor social que geram para que não haja uma banalização do dolo eventual”, afirma.

Fonte: Estado de Minas