Entre os conselheiros, prevaleceu o entendimento de que a PEC é “meramente declaratória”, uma vez que a Constituição é clara em conceder ao Ministério Público apenas poderes auxiliares de investigação e de fiscalização da atividade policial. Porém, frente às “distorções” provocadas por um cenário de constante desprestígio do direito de defesa e de militância pelo protagonismo do MP, a entidade da advocacia brasileira deve intervir.
Embora a OAB já houvesse proferido outras vezes pareceres contrarios à tese de que o Ministério Público está autorizado a presidir inquéritos, o assunto voltou à discussão por meio de proposta do conselheiro federal pela seccional de Goiás Pedro Paulo Guerra de Medeiros. O relator da proposta, conselheiro Leonardo Accioly (PE), votou no sentido da OAB não se manifestar, uma vez que a discussão está superada, e a PEC, em si, incorre, segundo ele, em problemas técnicos. Para Accioly, o texto da PEC tropeça em “retrocessos", como os que retiram os poderes auxiliares de investigação e fiscalização do Ministério Público, estes, sim, previstos na Constituição.
No entanto, o conselheiro relator reconheceu que o Ministério Público vem cedendo a “excessos midiáticos e arroubos corporativos”, com a finalidade de defender a falsa prerrogativa de titularidade sobre inquéritos criminais. Accioly afirmou ainda que, para a opinião pública, os membros do MP passaram a ser “heróis incorruptíveis e infalíveis”.
O conselheiro relator fez críticas ainda ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que, segundo ele, colabora para o desequilibiro entre as forças de defesa e acusação em inquéritos e processos criminais. "“É uma pena que o presidente de nossa corte suprema fale de conluios entre advogados e juízes quando, na verdade, fecha os olhos para a aproximação entre promotores e magistrados, enquanto os advogados penam nos balcões”, disse. O conselheiro criticou também o que chamou de “seletividade” do MP, que prioriza casos de grande repercussão pública e relega a segundo plano sua atuação em casos de menor visibilidade.
Matéria superada
O Plenário não conseguia chegar a um consenso sobre se estavam ou não reavaliando a posição da Ordem acerca do tema dos poderes de investigação do MP. Por fim, prevaleceu o entendimento de que a matéria era preclusa e que a discussão não deveria ser reaberta. O que cabia debater, portanto, era apenas se o Conselho Federal deveria ou não se manifestar em relação a PEC 37, uma vez que seccionais têm assumindo posições em sentidos contrários.
O relator acabou vencido no entendimento de que a Ordem não deveria apoiar institucionalmente a PEC 37, prevalecendo a divergência aberta pelo membro honorário do conselho, o ex-presidente do Conselho Federal da OAB Roberto Battochio, que fez um discurso inflamado sobre o tema.
Battochio abriu divergência afirmando que a Resolução 13 do Conselho Nacional do Ministério Público, que declara arbitrariamente a extensão de competência do MP em inquéritos, foi o que gerou a necessidade da PEC 37 tramitar no Congresso Nacional.
“Essa Resolução 13 do CNMP violenta a Constituição de República Federativa do Brasil”, afirmou. “Foi o avanço do Ministério Público nas atribuições institucionais previstas na Constituição, atribuídas à Polícia Judiciária, à Polícia Federal, escrevendo ainda leis processuais penais, reeditando o Código de Processo Penal a seu modo, que motivou a exigência dessa PEC 37, que é uma proposta de emenda constitucional meramente declaratória”, afirmou.
Battochio criticou ainda a tese dos “poderes implícitos” do Ministério Público para justificar a extensão de competência do órgão como titular de inquéritos. O ex-presidente da OAB disse que o Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instituído por meio de resolução do Colégio de Procuradores de Justiça, em setembro de 2004, é uma “norma bastarda”, sem previsão no ordenamento jurídico e inconstitucional.
O conselheiro federal pelo Rio de Janeiro Siqueira Castro também disse, em fala breve, que a tese dos poderes implícitos não pode subsidiar uma "superposição de poderes, uma superposição de estruturas investigativas". Castro observou que, no âmbito do Direito comparado, o conceito de poderes implícitos só prevaleceu para reafirmar liberdades individuais e jamais em favor da repressão pelo aparelho estatal.
Antes de Battochio, o ex-presidente do Conselho Nacional da OAB, Cezar Britto, que não tem direito a voto, também afirmou que a Constituição é clara em atribuir ao MP apenas o poder de controle externo da autoridade policial. Desta forma, resta evidente que o órgão não pode ter papel concorrente com a polícia. Britto disse ainda que a Constituição divide as responsabilidades e atribuições para que “ninguém seja dono do inquérito, que é um peça fundamental do equilibrio de nosso sistema jurídico”.
Britto criticou a militância do MP no convencimento da opinião pública, alimentando a ideia de que cabe principalmente ao órgão combater a impunidade. “O bom, o honesto é o órgão acusador. O cidadão passou a ser culpado até se prove o contrário”, disse Britto.
Apartes técnicos
O conselheiro federal Guilherme Zagallo (MA) foi o único que se manifestou no sentido contrário em relação ao mérito da matéria. Zagallo afirmou que o sistema policial e de Justiça no Brasil “é muito ruim” e que a cada 100 ocorrências, apenas 11,5 tornam-se inquéritos policiais. Desta forma, não é absurdo avaliar o papel do Ministério Público na condução de inquéritos. Para o conselheiro, a Carta Magna não é tão clara quanto a estabelecer o papel do MP em investigações criminais, tanto que o Supremo Tribunal Federal parece ter dúvidas sobre o tema. O conselheiro citou como exemplo os votos de ministros em sentido contrário no Recurso Especial com Repercussão Geral que trata do assunto.
Mas coube, sobretudo, à bancada de São Paulo as manifestações mais contudentes e pontuais sobre a necessidade de a OAB apoiar institucionalmente a PEC 37. Os criminalistas Luiz Flávio Borges D´Urso e Guilherme Battochio (filho de Roberto) interromperam os colegas conselheiros repetidas vezes, com “apartes técnicos” sobre a natureza da PEC e a atução do Ministério Público em inquéritos. Em alguns momentos, ficou evidente a impaciência de ambos os criminalistas com o desconhecimento de alguns dos conselheiros sobre aspectos envolvendo a matéria.
D´Urso afirmou que o Ministério Público se serve de uma “colcha de retalhos de normas, com a finalidade de construir uma tese sem base jurídica e constitucional”. Para o criminalista, embora a PEC “reprise o óbvio” , ainda assim é preciso apoiá-la pois, ao contrário do que o MP preconiza, trata-se apenas de uma “disputa de poder e de espaço”, disse.
“O MP antagoniza com a defesa porque Estado dividiu as atribuições. Conceder a ele poder de investigação é a subversão de um sistema que busca controlar a atuação do próprio Estado”, afirmou D’Urso.
Ao decidir por apoiar a PEC 37, o Conselho Federal da OAB também resolveu estabelecer uma Comissão de Acompanhamento e Aperfeiçoamento da proposta de emenda constitucional no âmbito do Congresso Nacional. Apenas as bancadas do Ceará, Maranhão e Pernambuco votaram a favor do Conselho Federal não se manifestar em relação à PEC no mesmo sentido da conculsão do relator.