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OAB prepara chuva de ações judiciais contra julgamentos secretos na Receita
18/06/2014 10h45 - Atualizado em 09/05/2018 15h58
Com a intensificação do debate sobre a abertura ao público dos julgamentos administrativos de primeira instância da Receita Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil adota tática de guerrilha para forçar o Fisco a abrir mão do sigilo das sessões ou, caso a estratégia não dê certo, para se cercar de jurisprudência e levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal.
Duas seccionais, a do Rio de Janeiro e a do Distrito Federal, já ajuizaram Mandados de Segurança para forçar as Delegacias Regionais de Julgamento a intimar os contribuintes a comparecer às sessões e a abrir espaço para advogados fazerem sustentações orais. Elas já conseguiram liminares. A seccional catarinense, por sua vez, oficiou a Receita Federal no estado, informando sobre as decisões judiciais. Outras seccionais já manifestaram interesse pela via judicial e, até o fim do ano, todas devem entrar com ações.
É o que prevê o presidente da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da Ordem, Jean Cleuter Simões Mendonça (foto). “Julgamentos secretos, sem sustentação oral ou participação do contribuinte, são incompatíveis com princípios constitucionais como os da publicidade, da transparência, do devido processo legal e do contraditório”, defende.
O advogado afirma que o Conselho Federal aguarda o desenrolar de ações judiciais nos estados para agir. Como as delegacias de julgamento são regionais, os ajuizamentos cabem às seccionais. E os presidentes das comissões tributárias de quase todas já pediram os fundamentos dos Mandados de Segurança vitoriosos. “Vamos ver a jurisprudência se formar primeiro. E, se for o caso, a comissão nacional votará sobre um remédio constitucional no Supremo, que teria de ser aprovado pelo Conselho Federal”, planeja Mendonça.
A Medida Provisória 2.158-35, de 2001, determinou que as impugnações de contribuintes contra autuações fiscais sejam julgadas por órgãos internos de deliberação colegiada da Receita Federal — as delegacias. Advogados podem elaborar as defesas, mas somente despacham com julgadores ou fazem sustentações em segundo grau, caso haja apelação contra a decisão das delegacias no Conselho Administrativo de Recursos FiscaiS, que tem sede em Brasília.
Para a advocacia, se o julgamento de primeira instância é colegiado e fruto de deliberação entre auditores, o contribuinte tem o direito de tentar convencê-los durante as deliberações. "O Estatuto da Advocacia permite ao advogado o acesso a todos os lugares", defende o presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB do Rio de Janeiro, Maurício Faro (foto). No Mandado de Segurança ajuizado na Justiça Federal do estado (o primeiro do tipo e que serve de base para os demais), a comissão diz que a falta de regras internas da Receita disciplinando a abertura não pode impedir “o direito do interessado em ver seus argumentos devidamente contemplados pelo órgão julgador”.
O Fisco rebate dizendo que abrir as sessões contrariariam legislação específica, e inviabilizaria a administração tributária, por conta da obrigatoriedade de intimação de contribuintes e advogados. Mas segundo a seccional fluminense, ao vedar a participação dos contribuintes nos julgamentos, as delegacias tornam-se “meramente ratificadoras ou retificadoras dos atos administrativos” da Receita Federal, uma vez que suas decisões mostram posturas fiscalizadoras.
Argumento persuasivo
O argumento já convenceu pelo menos na primeira instância da Justiça Federal no Rio e no Distrito Federal. Liminar concedida em janeiro pela 5ª Vara Federal fluminense determinou que a Receita passasse a designar dia, hora e local para os julgamentos administrativos fiscais de primeira instância.
Além disso, as partes deveriam ser intimadas e, “em existindo advogados, os mesmos também devem ser intimados, podendo ofertar questões de ordem sobre aspectos de fato da causa”.
A decisão foi confirmada pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargador Sergio Schwaitzer, após recurso da Procuradoria da Fazenda Nacional, antes de ser suspensa pelo colegiado com o julgamento de um Agravo de Instrumento da União.
No Distrito Federal, a 8ª Vara Federal acolheu pedido de liminar em Mandado de Segurança coletivo da seccional da OAB contra a Portaria 341/2011 do Ministério da Fazenda, que proibiu a presença de advogados e partes nos julgamentos. A Justiça obrigou que as sessões fossem abertas ao público e aos advogados, que passaram a poder apresentar memoriais, fazer sustentações orais, participar de debates e pedir a produção de provas.
O juiz federal Antonio Claudio Macedo da Silva disse que a Portaria 341 diverge do Regimento Interno do Carf, que regulamenta a publicidade das sessões de julgamento, apresentação de memoriais e sustentação oral. A diferença entre a transparência no Carf e o segredo nas delegacias levou o julgador a afirmar que há “evidente assimetria entre os procedimentos de julgamento de primeiro e segundo graus no âmbito do procedimento administrativo fiscal, em prejuízo evidente e inequívoco, na primeira instância”.
Mas depois de um recurso da Fazenda, o TRF-1 suspendeu os efeitos da liminar. O motivo foi a alegada falta de estrutura da Receita para receber os advogados. "É absurdo, pois se as sessões de julgamento já ocorrem, basta publicar as datas de julgamento e franquear o acesso aos advogados e permitir seu direito a manifestação", diz Jacques Veloso de Melo, presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF.
O Ministério Público Federal também já encampou a tese. Em parecer sobre o Mandado de Segurança coletivo da OAB-RJ, o órgão diz que o devedor deve manifestar seu direito de defesa baseado em “todas as ferramentas que lhe forem benéficas”. “É certo que, com a Constituição de 1988, o direito à defesa estabeleceu a sua importância frente à ideia de democracia, se mostrando como instrumento capaz de reduzir, sobremaneira, o arbítrio do Estado, especialmente no que se refere aos processos administrativos”, diz a manifestação.
O procurador da República André Tavares Coutinho, que assina o documento, acrescenta que o processo administrativo fiscal tem como fim a constituição de um título executivo, “portanto, sancionador”. “Por ser sancionador, não há como admitir uma limitação dos direitos de defesa, visando impedir os arbítrios por parte do administrador e garantir justeza do caso em análise.”
Visão imparcial
Até mesmo no Fisco o entendimento encontra adeptos. Em artigo publicado na ConJur, o conselheiro do Carf Eduardo Martins Neiva Monteiro, auditor fiscal e representante da Fazenda Nacional no órgão, afirma que a falta de acesso às sessões de julgamento na primeira instância viola o “compromisso do legislador constituinte com a publicidade, sem qualquer participação das partes interessadas no litígio (Procuradoria da Fazenda Nacional e contribuintes), sendo condenável tal modelo e insuficiente a publicação apenas das ementas no sítio da RFB na internet”.
“Atualmente, sequer se toma conhecimento de quando determinado processo irá a julgamento, pois as pautas não são publicadas previamente no Diário Oficial da União ou divulgadas”, critica, para dizer que a restrição sonega às partes “o direito de presença que lhes proporcionaria conhecer o teor dos debates que o precederam”.
“Seria ingênuo afirmar que acórdãos, em especial os decorrentes de casos mais complexos, sejam capazes de fielmente retratar as discussões travadas durante o julgamento. Ora, a abertura dos debates ao público, ou no mínimo às partes, auxilia na melhor compreensão de todos os argumentos levados em consideração pela Turma Julgadora, não apenas dos que restaram afinal formalizados no acórdão.”
Ex-julgador, ele conta que as decisões de primeiro grau nas delegacias costumam ser precedidas de “calorosos debates” entre os auditores. “Por mais que haja argumentos contrários por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil para não permitir o acesso às sessões de julgamento, como a falta de estrutura e de pessoal, ou a necessidade de se impor celeridade aos julgamentos; a publicidade, como principio que é, não pode ceder frente a obstáculos de outra ordem, dissociadas de conteúdo normativo.”
Nas próximas semanas, a OAB deve contar com mais um reforço de peso. O tributarista e professor Eurico Marcos Diniz de Santi (foto), um dos criadores do Índice de Transparência Fiscal medido pelo Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP, elaborará um parecer a pedido do presidente da comissão tributária da OAB-RJ, Maurício Faro. O documento será anexado ao Mandado de Segurança da seccional.
Sua argumentação se sustentará em sete balizas: a de que documentos públicos produzidos por funcionários públicos com recursos públicos em repartições públicas devem ser públicos; a de que não é possível a compreensão do julgamento de segunda instância sem o amplo acesso aos julgamentos de primeira instância, o que tornaria a prática atual do Fisco uma ocultação do próprio objeto do julgamento; a de que a divulgação das decisões de primeira instância aumentam o fluxo de informação sobre a legalidade prática usada pela administração, o que aumentaria a compreensão do contribuinte sobre seus critérios; a de que a publicidade dos julgamentos aumenta o controle social da administração pública; a de que a ampla publicidade dos julgados democratiza o entendimento, fazendo com que não apenas grandes escritórios que trabalham em larga escala tenham visão privilegiada do entendimento dos julgados; e que a participação dos advogados nos julgamentos amplia o diálogo entre o público e o privado, atendendo ao princípio da ampla defesa e revelando que o problema do contencioso é a má qualidade dos autos de infração, combinada com a complexidade da legislação tributária e a omissão do Fisco em revelar seus critérios.
Sem negociação
Além da via judicial, a OAB também tem tentado mudar o quadro na base da conversa. Em maio, a comissão tributária da OAB mineira aproveitou o bom relacionamento mantido com a representação da Receita Federal local para discutir o tema em uma reunião. O convite partiu do próprio Fisco, mas decepcionou os advogados. No encontro, os responsáveis pela Superintendência Regional mantiveram seus argumentos de que há impossibilidades estruturais para atender à demanda e falta legislação expressa que regulamente a prática.
Parte da defesa do Fisco se baseia no fato de que a Receita Federal centralizou os processos das delegacias. De acordo com a Portaria 453/2013 do órgão, os recursos tramitam em um único ambiente virtual, o que reduziu a competência territorial de cada delegacia. Ou seja, um processo originado no Rio de Janeiro, por exemplo, pode ser julgado em Belo Horizonte, como explica o advogado Bernardo Motta Moreira, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-MG. Segundo ele, a resposta do Fisco não deixa opção à seccional senão ajuizar um Mandado de Segurança, proposta que já foi autorizada pelo Conselho Pleno da OAB-MG.
Fonte: Conjur